Caso Atakarejo: 13 denunciados por mortes de tio e sobrinho devem ir a júri popular

Veja detalhes da denúncia oferecida pelo MP e porque 10 indiciados pela polícia não foram incluídos

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  • Da Redação

Publicado em 13 de julho de 2021 às 12:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/MP

Os 13 denunciados pelo Ministério Público da Bahia pela morte de tio e sobrinho entregues para traficantes por funcionários do Atakarejo podem ir a júri popular, segundo a promotora de Justiça Ana Rita Cerqueira Nascimento, que falou nesta terça-feira (13) sobre a denúncia do órgão contra os envolvidos no caso. "Todos vão responder no tribunal do júri e, sim, no júri popular", diz. A decisão é da Justiça, mas o MP irá trabalhar para que isso aconteça, afirma. Bruno Barros da Silva e Yan Barros da Silva foram mortos no último dia 26 de abril.

Ela falou sobre o inquérito policial, que indiciava 23 envolvidos, mas só 13 foram denunciados pelo MP. "O trabalho feito pela polícia, muito bom, traz os fatos. Indícios de autoria e materialidades de todos eles (indiciados), que deveriam estar presentes no momento dos fatos. Quando eu ofereço a denúncia eu preciso individualizar condutas. Preciso dizer exatamente qual a ação de cada um naquele evento criminoso", explica a promotora. "Tenho que dizer o que cada um fez e nesse caso eu consigo individualizar a princípio para 13 deles. Por isso, dos 23 foram 13 (denunciados)".

Entre os 13, estão três funcionários do Atakarejo. Agnaldo Santos de Assis, Claudio Reis Novais e Cristiano Rebouças Simões. A promotora explica porque cada um deles vai responder à ação penal. "O Agnaldo, gerente geral da loja, tinha hierarquicamente o poder de decisão. Cabia e ele fazer a coisa mais certa e mínima: chamamento policial. Não há chamado quando os jovens são detidos", diz.

A falta de ação em chamar a polícia é apontada também como responsabilidade de outro funcionário, enquanto o terceiro é acusado de envolvimento na extorsão antes da morte de tio e sobrinho. "Ele (Cláudio) era o encarregado de prevenção de perdas. Cabia a ele esse poder decisório de agir com o que é o normal, o certo, o feito em qualquer empresa. E o Cristino porque nas imagens fica claro que ele é quem toma o celular de Bruno, quando ele está sendo levado para uma salinha", diz. "Tempos depois, Bruno tem esse aparelho de volta e liga para a amiga dizendo que precisa de R$ 700 para que se pague a mercadoria, que não foi furtada, porque não saiu da loja. Houve uma tentativa de furto. Aí ele entra na extorsão e na deliberação de também participar", acrescenta. Promotora (de branco) explica detalhes da denúncia (Foto: Gil Santos/CORREIO) Segundo a promotora, outros três funcionários agiram com omissão de socorro, de acordo com inquérito policial. "Nesse caso, porque só esses três? Poderia falar dessa forma do mercado inteiro. Todos os funcionários se omitiram, então. Quem do povo viu a situação se omitiu também de ajudar. A omissão de socorro é muito tênue. Esses outros três estavam em posição hierárquica inferior", diz ela, explicando porque eles foram excluídos da denúncia.

Outro caso citado é de Michel da Silva Lins, denunciado porque teria ajudado a se desfazer dos corpos. A família diz que ele é inocente e que tinha emprestado a moto vista em imagens a um amigo. "A moto do Michel é utilizada para seguir o carro em que os corpos estão dentro. Uma pessoa sai do carro, pega um capacete branco, sobe na moto e segue junto com o Ellyjorge. A polícia traz essa semelhança entre essa pessoa e o Michel. Mesma cor de capacete que ele usa. Na busca, acha-se o paralama trocado da moto dele. Hoje, a prova indiciária o coloca na ação", afirma a promtoora. "A ação penal, e aí os advogados dele, mas as testemunhas, podem desconstruir esse primeiro indício trazido. Mas eu não posso fechar os olhos aos indícios trazidos pela polícia. Não cabe ao MP fazer essa exclusão. Fará durante ação penal, se tiver essas provas". 

Como foi a tentativa de furto e flagrante Segundo a denúncia do Ministério Público, Bruno e Yan foram detidos por funcionários do Atakarejo de Amaralina por volta das 13h30 do dia 26 de abril. Eles estavam tentando furtar pacotes de charque.

Depois de serem flagrados, os dois foram levados a uma área restrita ao público. Pouco depois, foram entregues a um grupo criminoso da região, que agrediu os dois e por fim os executou de maneira brutal. Os corpos foram colocados na mala de um carro abandonado na Rua Guimar Florense, no Parque Bela Vista. 

No dia, Bruno e Yan foram até o mercado com mais dois amigos. Um deles ficou no carro, estacionado perto de uma borracharia. Os outros três desceram, conforme mostram imagens de câmeras. Eles entram no mercado às 13h18 e 13h20. Caminham pelos corredores e na sessão de carnes colocam pacotes de charque na mochila. O terceiro acompanhante fica mais distante, observando se alguém se aproxima.

Um fiscal do mercado que fazia monitoramento pelo circuito de câmeras foi informado por um colega da suspeita de furto. Ele foi para a entrada da loja, por conta da orientação de só abordar alguém quando o indivíduo sair sem pagar. Os dois, acompanhados do denunciado Cristiano Rebouças, ficaram na entrada esperando. 

Assim que Yan passa pela porta, ele é abordado pelos três funcionários. Ele joga a mochila no chão e tenta correr para o estacionamento. Em seguida, ele cai no chão, com as mãos para cima, indicando rendição, destaca o MP. Um funcionário se aproxima apontando arma para ele. Já caído, Yan é chutado por Cristiano.  Caído no chão, Yan levanta as mãos (Foto: Divulgação) Às 13h27, ele é levado para uma área interna. Bruno, que vê o que acontece com Yan, joga a mochila em uma lata de lixo da loja. Ele tenta passar pelos funcionários na entrada, mas é contido e levado também para a sala restrita dois minutos depois. O aparelho celular dele é retirado por um funcionário. Outros funcionários acompanham a situação. 

Já na sala, conhecida como P2, começa a tentativa de extorsão. Os funcionários dizem que eles devem pagar R$ 700 pela carne que estavam tentando furtar. Bruno então liga para uma amiga e pede que ela consiga a quantia, dizendo que se ele não pagar os funcionários e gerente do Atakarejo vão entregá-los a traficantes do Nordeste. Na sequência, essa amiga liga para a mãe de Yan, que diz não ter o dinheiro.

A amiga liga para Bruno e pede uma chave Pix de algum dos funcionários para tranferir R$ 250. Eles rejeitam a oferta. Pelo telefone, a amiga escuta gritos e choro por parte de Yan e desespero de Bruno. Depois, ela consegue levantar mais dinheiro e liga para Bruno às 13h58 afirmando que arrecadou R$ 550. Ela escutou quando Bruno disse aos funcionários "Minha irmã está trazendo o dinheiro".

Às 14h02, ela liga novamente para Bruno, que lhe diz que não dá mais tempo de fazer o pagamento. "Beiço, não dá mais tempo. Eles estão me entregando aos traficantes pelo estacionamento. Chama a polícia, faz alguma coisa. Não me deixa morrer", pede. Depois disso, ela não conseguiu mais falar com nenhum dos dois.  Tio e sobrinho foram levados para área restrita (Foto: Reprodução) Ouvidos pela polícia, os denunciados Agnaldo e Claudio disseram que o procedimento orientado pelo mercado era acionar a polícia pelo 190 diante de furto. Claudio disse ainda que chegou a ligar para o supervisor, que mandou liberar os dois, por se tratar de valor baixo. Disse ainda que Bruno e Yan teriam ficado só 15 minutos no mercado até serem detidos. Os registros em imagem, contudo, mostram que ambos ficaram mais de 40 minutos até serem levados à força. 

Às 14h23, um funcionário do Atakarejo chegou a ligar para o Centro Integrado de Comunicação da polícia para dizer que um grupo criminoso e armado fazia confusão em frente ao estabelecimento. As imagens mostram que Bruno e Yan já tinham sido retirados da loja violentamente nesse momento. Para o MP, isso indica que houve ainda uma falsa comunicação de crime.

Entrega dos dois a traficantes Na P2, as imagens mostram indivíduos que não trabalham no Atakarejo transitando calmamente, mesmo sendo área reservada. Quatro pessoas, incluindo um menor, participaram da condução e entrega de tio e sobrinho a traficantes. Nenhum deles estava ostensivo armado.

Eles afirmam que as vítimas foram entregues de maneira espontânea pelos funcionários. Um deles disse ainda que sabia de outra situação similar envolvendo uma adolescente acusada de furto no mesmo mercado.  Imagens mostram homens transitando também na área restrita (Foto: Divulgação) Tio e sobrinho foram levados até a localidade do Boqueirão, onde um grupo os aguardava. Depois, as vítimas foram levadas para outro local, conhecido como Pescador, e entregues a outro grupo criminoso. Esses levaram os dois para localidade do Globo, ainda no Nordeste.

Lá, Bruno teria sido identificado como membro da facção Bonde do Maluco (BDM), rivais da Comando da Paz do Nordeste. A partir daí, foram considerados "alemães" e foram mortos de maneira cruel por ordem de Rafael Assis Amaro Nascimento, o Fadiga, apontado como gerente do tráfico na área. Ambos foram mortos com tiros de espingardas calibre 12. 

Por fim, os bandidos usaram um carro Hyundai l30 roubado dias antes no Itaigara para colocar os corpos no porta malas e abandonar no Parque Bela Vista. Uma moto acompanhou o carro, dando cobertura.

Próximos passos A denúncia está no 1º Juízo da Vara do Júri, que deve se manifestar sobre se ela será aceita. A promotora pediu decreto de prisão preventiva dos 13 denunciados e também aguarda posicionamento da Justiça. 

Foram denunciados pelos crimes de homicídio qualificado (por motivo torpe, meio cruel e sem possibilitar a defesa das vítimas), constrangimento ilegal e extorsão o gerente-geral da loja Agnaldo Santos de Assis e os prepostos Cláudio Reis Novais e Cristiano Rebouças Simões.    Por crimes de homicídio qualificado e cárcere privado, foram denunciados Victor Juan Caetano Almeida, David de Oliveira Santos e Francisco Santos Menezes. Eles foram apontados como responsáveis por entregar as vítimas aos executores.   Já Lucas dos Santos, João Paulo Souza Santos, Alex de Oliveira Santos, Janderson Luís Silva de Oliveira e Rafael Assis Amaro Nascimento foram denunciados por homicídio qualificado, identificados como os responsáveis pela execução. O MP denunciou ainda Michel da Silva Lins e Ellyjorge Santos Lima por ocultação de cadáver.