Caso Davi Fiúza: Anistia Internacional cobra celeridade

Órgão divulga carta aberta da mãe de Davi, Rute Fiúza; leia

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  • Bruno Wendel

Publicado em 24 de outubro de 2019 às 05:40

- Atualizado há um ano

Davi Fiúza Organização não governamental que defende os direitos humanos com mais de 7 milhões de membros e apoiantes em todo o mundo, a Anistia Internacional segue acompanhando o desaparecimento forçado do adolescente Davi Fiúza desde o início, quando lançou uma Ação Urgente de Mobilização Internacional pedindo a investigação imediata do caso e também denunciou o caso para o Grupo de Trabalho da ONU sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários.

O desaparecimento de Davi completa hoje cinco anos.

“Desejamos que o caso seja investigado com celeridade, transparência e que todos os envolvidos sejam levados à justiça. Não só esperamos, como denunciamos a morosidade das investigações e, junto à mãe do Davi, viemos acompanhando e pressionando as autoridades. Ainda lamentamos que, dos 17 policiais indiciados pelo crime, a maior parte dos envolvidos não tenha sido processada pelo Ministério Público e seguiremos cobrando pela justiça e reparação da família do Davi Fiúza”, declarou a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck.

O órgão divulgou uma carta aberta de Rute Fiúza, que pode ser lida na íntegra abaixo.

Segundo o advogado da família Fiúza, Paulo Kléber,  os policiais acusados ainda não apresentaram defesa e nem foram interrogados pela Justiça.

“Em 07 de agosto de 2018, veio a público a informação de que o inquérito da Polícia Civil do Estado da Bahia, concluído e enviado ao Ministério Público, indiciou 17 policiais pelo desaparecimento de Davi Fiúza. O Ministério Público ofereceu denúncia contra 7 dos 17 policiais militares indiciados por sequestro e por forjarem a prisão. Completam-se cinco anos e as oitivas sequer começaram. Seguimos cobrando por celeridade e justiça para Davi, que completaria 21 anos no último dia 8 de outubro”, pontuou Werneck.

A Ação Urgente de Mobilização Internacional é um tipo de medida que convoca pessoas do mundo todo para se mobilizar e demandar das autoridades ações e respostas e exigia a investigação imediata do caso.“Vimos a necessidade de internacionalizar a pressão para denunciar o grave caso do desaparecimento forçado do adolescente Davi Fiúza após uma abordagem policial, fazendo assim, mais pessoas conhecerem e se envolverem nessa grave violação dos direitos humanos. Fomos além, denunciamos para o Grupo de Trabalho da ONU sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários, que cobrou resposta do Estado Brasileiro”, disse Werneck.Ela ainda comentou sobre o fato de a ONU ter cobrado um posicionamento do governo brasileiro sobre o caso Davi Fiúza. “É pública a informação de que o Estado Brasileiro tinha até o dia 26 de agosto para responder à solicitação da ONU no caso do desaparecimento forçado do jovem Davi Fiúza. A cobrança, nossa e da família, é que o Estado Brasileiro dê essa resposta de forma pública e transparente, afirmando seu compromisso com a resolução do caso. Essa também é uma resposta que deve ser dada à sociedade, não só baiana, como brasileira. Quando um desaparecimento forçado acontece, atinge a família, a comunidade e a sociedade democrática”, finalizou ela.

Carta aberta de Rute Fiúza

'Meu luto vem do verbo lutar'

Cinco anos de noites mal dormidas. E, mesmo assim, ao amanhecer, reúno forças para lutar por justiça para meu filho caçula. Desistir não é uma opção. O Estado levou meu filho numa manhã do dia 24 de outubro de 2014. Davi Fiúza, lembrem desse nome, foi levado numa abordagem da polícia e nunca mais apareceu. Ele só tinha 16 anos. Não tive o direito de me despedir, dar um beijo, ouvir sua risada de novo. Mas meu luto vem do verbo lutar.

Sei que o Estado é culpado pelos desaparecimentos forçados. Aqui em Salvador temos desaparecidos toda semana. É muita gente... nossos filhos não vão voltar.

Meu Davi foi mais uma vítima da estrutura, dessa forma de pensar e agir das elites que já existe há muito tempo, desde o Brasil Colônia, quando achavam que preto e índio tinham que morrer. A morte de Marielle, por exemplo, até hoje não tem resposta para a pergunta: “quem mandou matar?”

Meu filho caçula fez parte de um sistema de eugenia, assim como a menina Ágatha. A bala perdida só encontra corpos negros. Os desaparecimentos só somem com corpos negros. Está em curso um genocídio e não se toma providência. Enquanto não houver uma verdadeira união entre movimentos e população cobrando soluções do governo, não veremos mudanças. O que vemos são os poderosos com suas canetas facínoras.

No caso do meu filho, os militares vão julgar seus pares. Dos 23 policiais apontados por testemunhas como autores, apenas 17 foram indiciados pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa e 7, só de patentes menores, foram denunciados pelo Ministério Público da Bahia.

Eu não desisto. Vou lutar contra essa Justiça, que é muito lenta. Completam-se 5 anos e nem começaram as oitivas. Só eles sabem onde enterraram meu filho, ou os pedaços dele. Eu gostaria muito de dar um enterro digno para meu filho. Ou, pelo menos, um enterro simbólico. Para me dar paz e dar paz ao espírito dele.

O caso do meu filho foi denunciado à ONU e cobro para que o Estado se manifeste publicamente, dê as caras e se responsabilize. No dia 8 de outubro, dia que meu filho faria 21 anos, entreguei nas mãos do Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, uma carta que pedia para parar com essa política genocida. Juntei forças com outras mães que também tiveram a vida de seus filhos interrompidas pelo Estado. Isso tem que acabar.

Por fim, agradeço às pessoas que fizeram pressão pela resolução desse caso, às inúmeras cartas que recebi. Parece uma luta sem fim. Quando penso que estou fraca, estou forte pelo Davi.