Casos de feminicídio diminuem em Salvador, mas aumentam no estado

Todos os outros crimes tiveram redução

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  • Thais Borges

Publicado em 27 de dezembro de 2018 às 17:00

- Atualizado há um ano

O ex-companheiro da cozinheira Jaqueline Conceição Anunciação, 38, esteve na casa da mãe dela em três ocasiões. Jaqueline tinha se mudado para lá e ele não aceitava o fim do relacionamento. Na quarta vez, no dia 16 de setembro, o pescador Nivaldo do Espírito Santo dos Santos, assassinou a cozinheira. Jaqueline, atacada pelas costas com um espeto de churrasco, foi uma das 70 vítimas de feminicídio no estado, 2018. 

Em toda a Bahia, todos os crimes contra a vida caíram este ano – de forma recorde, desde 2012. Entre os crimes contra o patrimônio, foi a mesma coisa. O único que veio na contramão foi o feminicídio. Em mais um ano que tanto se falou sobre a violência de gênero, fica um questionamento: por que ainda é tão difícil proteger as mulheres? 

Em Salvador, houve uma redução expressiva: 22 feminicídios no ano passado passaram para oito este ano (uma diminuição de 64%). O problema é que isso significa que o aumento foi todo no interior – se, em 2017, foram 44 casos, em 2018 foram 62. Ou seja, um aumento de 40%. No número total, o aumento foi de quatro mortes de mulheres, passando de 66 para 70. 

Para a promotora Márcia Teixeira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (Caodh), é preciso fazer duas reflexões. No ano passado, alguns delegados não estavam indiciando os crimes como feminicídio, enquanto alguns promotores não colocavam a qualificadora do feminicídio, nos processos. Assim, alguns crimes não foram registrados como feminicídios – o que poderia explicar o número menor em 2017 no interior. 

Mesmo hoje, nem todos os feminicídios são assim registrados nas ocorrências. A maioria associa os crimes apenas à violência doméstica. Só que, embora ela seja uma das possibilidades, não é a única.“A outra reflexão eu ousaria dizer que é uma falta de compreensão do sistema de justiça, o que envolve o Ministério Público do Estado (MP-BA) e a própria magistratura, no sentido de entender que as mulheres precisam de proteção no primeiro momento”, explica a promotora. Essas medidas são justamente as medidas protetivas ou manutenções de prisões preventivas ou temporárias dos agressores. Segundo ela, são comuns os casos em que, após a prisão do agressor ou do feminicida, ele seja solto em uma audiência de custódia. Assim, a violência cresce – até chegar ao feminicídio de fato. 

“Eu diria que a falta do uso das lentes de gênero, ou de compreender a dinâmica da violência doméstica, da subjugação da mulher nesse contexto, faz com que várias mulheres sejam mortas. Nós temos uma das melhores leis do planeta, que é a Maria da Penha, temos muitas mulheres acompanhadas pela Ronda (Maria da Penha) e muitos movimentos de mulheres. A gente precisa de resposta do sistema de Justiça, com reforços e capacitação”. 

Questão cultural Para o secretário da Segurança Pública do Estado, Maurício Barbosa, uma das explicações para o aumento de feminicídios seria uma “infeliz tradição”, ainda comum em estados do Nordeste, que algumas pessoas têm de resolver problemas sem acionar a Justiça ou as instituições, como a polícia. 

“As pessoas ainda têm aquela coisa de ‘salvar’ sua honra, praticando violência contra sua esposa, parceira e até filhos. É uma questão cultural, que aumenta com a desinformação das pessoas de procurarem os seus direitos, das mulheres se sentirem protegidas. E (o número de casos) aumenta muito pelo consumo de bebidas alcoólicas e drogas”, explicou, durante entrevista coletiva para apresentar o balanço parcial dos índices criminais de 2018, do período entre 1º de janeiro a 25 de dezembro, nesta quinta-feira (27). 

Segundo o secretário, entre os casos de feminicídio, há desde situações imprevisíveis até situações previsíveis. Por isso, a Ronda Maria da Penha foi ampliada. “A Ronda foi muito eficaz, a nosso ver. Também aumentamos as Deams (Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher) e estamos criando estruturas como núcleos das Deams nos municípios que não têm delegacias especializadas”. Em 2018, foram criadas cinco novas sedes para a Ronda Maria da Penha, nas cidades de Barreiras, Jacobina, Lauro de Freitas, Guanambi e Itaparica.

Professor de Direito Penal da FAN, da Estádio e da Uninassau, Yuri Carneiro explica que essa cultura é repassada até na criação dos filhos. Para ele, um desafio para enfrentar o feminicídio é promover uma mudança educacional, tanto nas comunidades mais carentes, quanto nos grupos sociais de elite. “Isso é um tabu ainda a ser enfrentado todos os dias, que vai além da violência institucional que combate essa violência diária. Precisamos do fortalecimento das Deams, da Ronda Maria da Penha, dessa presença nas comunidades educando homens, esposos, companheiros. A gente tem que combater isso de maneira mais direta ou vai continuar como está”, afirmou Carneiro.  Além disso, ele acredita que, hoje, os números são altos porque há mais pesquisas e exposição. “A violência existe há muito tempo. Talvez, na época de nossos avós, nossos pais, fosse até mais, porque as mulheres não tinham o direito de falar”. 

Menos mortes Em 2018, a Bahia teve o menor número de Crimes Violentos Letais Intencionais (Homicídio, Latrocínio e Lesão Corporal Seguida de Morte) desde 2012. Entre 1º de janeiro a 25 de dezembro, foram 5.506 mortes em todo o estado – 715 a menos que o mesmo período do ano passado.

Os números foram apresentados na manhã desta quinta, no Centro de Operações e Inteligência da Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-BA), no Centro Administrativo da Bahia. Assim, houve uma redução de 11,5% nos crimes contra a vida – a meta estabelecida pelo governo era de 6%. 

“São dados que nos trazem uma grande satisfação, ainda sabendo que os números ainda são altos. Houve redução e já é momento de alegria mas sabemos que há muito trabalho pela frente porque a segurança pública virou grande desafio nacional”, afirmou Maurício Barbosa. 

Uma das medidas que contribuiu para o resultado, na avaliação dele, foi a realização de grandes operações com o objetivo de reduzir o poder do tráfico de drogas. “A nossa política de segurança pública é baseada em metas. Essas metas são alcançadas com a retirada de circulação dos grandes e médios líderes e da quebra do poderio. Essa não é a solução definitiva, mas você tira um tempo necessário para a articulação a partir do momento em que esses líderes são presos ou mortos”. 

A última grande operação, que aconteceu este mês, desarticulou uma quadrilha que movimentava cerca de R$ 1 milhão por mês. Em todo o ano de 2018, cerca de R$ 5 milhões foram retidos apenas de uma quadrilha, entre dinheiro apreendido, contas congeladas, imóveis sequestrados. Vinte e nove veículos também foram recolhidos.

O delegado-chefe da Polícia Civil, Bernardino Brito Filho, destacou a importância da integração entre as instituições. Além disso, ele avalia que os resultados positivos também são devidos à priorização de alvos. 

“Identificamos indivíduos que influenciam mais de forma negativa nos índices de criminalidade. E o terceiro ponto, que será foco também em 2019, é descapitalização das organizações criminosas. Quanto mais a gente retirar o poder financeiro delas, mais a gente vai reduzir esses índices”. 

Instituições financeiras No caso dos crimes contra o patrimônio, houve queda nos índices de roubo de veículos, a ônibus, ataques a bancos e a estabelecimentos comerciais. A redução mais expressiva foi nos ataques a bancos: entre tentativas e ações consumadas, o número caiu de 106, no ano passado, para 65 este ano. 

Houve um aumento, porém, nos ataques a carros-forte. Em 2017, foram nove casos. Este ano, foram 20. De acordo com o secretário Maurício Barbosa, 2018 teve um crescimento atípico dessa modalidade, conhecida como “calçada”. Nessas situações, os bandidos assaltavam os vigilantes, antes que o dinheiro chegasse aos caixas. “Foram basicamente três quadrilhas que praticaram esses assaltos em 2018, com, infelizmente, duas vítimas fatais, mas fizemos um esforço muito grande de inteligência ao longo de 2018. Quando você aperta o roubo a banco, eles vão buscar uma saída mais fácil. Boa parte delas (as quadrilhas) é envolvida com o tráfico, porque quanto mais prende o tráfico, mais eles tendem a capitalizar”, disse Barbosa. Ainda segundo Barbosa, a SSP se reuniu com empresas de transportes de valores para aperfeiçoar os mecanismos de prevenção e os líderes dessas quadrilhas foram identificados e presos. 

Já o número de carros roubados saiu de 5.656 em 2017 para 5.332 em 2018, menos 324. Os assaltos a passageiros de transporte coletivo também caíram de 2.601 no ano passado para 1.988 este ano, representando uma diminuição de 23,6%, menos 613 casos.