Cidades pequenas da Bahia investem em monitoramento de gente grande

Em Mucugê, com população de menos de 10 mil, moradores tomaram iniciativa

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  • Thais Borges

Publicado em 16 de outubro de 2018 às 04:00

- Atualizado há um ano

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Casinhas antigas, coreto na praça e o barulho das cachoeiras. Nesse cenário, pouco mais de 9,2 mil moradores que se sentem tão seguros a ponto de não precisar trancar a porta de casa à noite. Essa é a realidade de Mucugê, um dos principais redutos turísticos da Chapada Diamantina, e um dos 78 municípios baianos com menos de 10 mil habitantes.

Mesmo com tanta tranquilidade, porém, Mucugê decidiu investir em vigilância como cidade grande. Por iniciativa dos próprios moradores, o Conselho Comunitário de Segurança Pública instalou um sistema de videomonitoramento com 50 câmeras espalhadas nos principais pontos da cidade – das praças às ruas com restaurantes mais movimentados e até no Cemitério Bizantino, criado no século XIX. 

O Festival de Forró da Chapada, realizado no fim de semana passado, foi o primeiro evento monitorado em tempo real, de acordo com o presidente do conselho, Tácio Matos Neto. De acordo com ele, pelo menos metade das câmeras já está funcionando. O restante deve entrar em operação gradativamente até o fim de novembro. 

Ele explica que, ainda que as pessoas estejam acostumadas com a tranquilidade da cidade, ocasionalmente, ocorrem alguns crimes. No início do ano, inclusive, durante um festival, houve prisões por tráfico de drogas. “Conversando com pessoal da área de inteligência de segurança, vimos que uma coisa é clara: onde o crime se organiza, é muito difícil tirar. Mas onde a sociedade se organiza antes, para não deixar o crime se organizar, você mantém a paz. Depois que o crime passa a comandar, dificilmente você consegue erradicar aquilo. Então, não podemos esperar ficar ruim para começar. Temos que manter o que é bom”, afirma. Assim, há pouco mais de dois meses, o conselho foi instituído. Ao todo, foram investidos cerca de R$ 25 mil – todo o valor a partir de doações dos próprios moradores. A ideia, segundo Matos Neto, é fazer com que a sociedade civil também assuma a responsabilidade pela segurança pública. Ele reforça que o conselho não pretende retirar responsabilidades do estado, nem do Judiciário, mas que essa deve ser uma preocupação geral. 

Em grandes eventos, por exemplo, é comum que o município atraia centenas de visitantes e fique mais vulnerável a delitos. “Mucugê é uma cidade tranquila, mas é difícil manter isso assim, porque as realidades do entorno, da Bahia e do Brasil são diferentes. A criminalidade migra de um espaço para outro, por isso, hoje, temos preocupação com as pessoas que vêm de fora”. 

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O presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB), Eures Ribeiro, destacou o ineditismo da proposta de Mucugê. A própria UPB, que tem uma diretoria de inovação, acompanha parcerias da Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) com cidades de pequeno e médio porte, que já costumam investir em videomonitoramento. Para Ribeiro, que é prefeito de Bom Jesus da Lapa, Mucugê se tornou um exemplo para o estado. 

"Fiquei sabendo na semana retrasada e é a primeira vez que me deparo com isso. Mucugê inaugura uma experiência que pode ser seguida por outros municípios da Bahia. Pretendo conhecer pessoalmente o projeto, na próxima semana, para ver como eles custearam isso. Muitos prefeitos hoje reclamam de falta de recurso, principalmente nas cidades de pequeno porte, por isso, é interessante ver o apoio da sociedade", diz Eures. 

Roubo de carro Policiais terão acesso às imagens em tempo real, diretamente de um celular. As imagens conseguem gravar até mesmo quando não há nenhuma iluminação. Além disso, todas ficam gravadas. 

Entre os moradores, o sistema de videomonitoramento vem sendo apoiado. O recepcionista Everaldo Rocha, 40 anos, é um dos moradores que não costumam trancar a porta de casa. Ele explica que, lá, não existe aquele medo de ‘cidade grande’. 

“A cidade é tranquila mesmo, por isso, a porta fica aberta. Ter as câmeras é bom mesmo, porque, se acontecer alguma coisa, vai dar para acompanhar”, diz ele, que nasceu em Mucugê, mas não sabia da novidade. 

Já o auxiliar administrativo Cristiano Vieira, 40, acredita que, mesmo com a paz na maior parte do tempo, há três semanas, houve um roubo de um carro na cidade. Um morador desceu para fazer compras no mercado e deixou a chave na ignição. Quando voltou, o veículo tinha sido levado. Segundo ele, essa é uma atitude comum entre os moradores da cidade. “Eu mesmo já fiz isso. Tem mais ou menos um ano que roubaram outro carro aqui, na praça, com uma situação parecida. Fiquei sabendo das câmeras pelo Facebook, nem sei ainda como funciona direito em termos de monitoramento, mas acho que vai ajudar”. Para o ano que vem, eles pretendem ampliar o projeto – e isso vai desde o aumento de número de câmeras, com o uso de equipamentos capazes de fazer leitura de placas de veículos e de fibra ótica, até a construção de uma sede física. Para isso, porém, esperam contar com apoio de associações de produtores e até mesmo das gestões municipal, estadual e federal. 

“Estamos vendo a parametrização para integração com o centro do governo da Bahia, ainda nesta primeira fase. Já foi aberta a possibilidade para a Polícia Militar, então estamos fechando o convênio para eles acompanharem de Salvador, já nas próximas semanas”, afirmou o presidente do conselho de segurança, Tácio Matos Neto, referindo-se ao Centro de Operações e Inteligência de Segurança Pública 2 de Julho, inaugurado em 2016. 

Menor cidade da Bahia já tem sistema de videomonitoramento Entre as cidades baianas com menos de 10 mil habitantes que investem em videomonitoramento, Mucugê não está sozinha. Até mesmo o município com o menor número de moradores do estado, Catolândia, no Extremo-Oeste, inaugurou seu sistema no ano passado. 

Hoje, de acordo com o prefeito Gilvan Pimentel, a cidade já tem entre 30 e 40 câmeras em funcionamento. Os equipamentos estão espalhados perto de prédios públicos, de escolas e nas entradas e saídas da cidade.“Como é uma cidade pequena, a gente pode saber quem entrou e quem passou por ela. A criminalidade em Catolândia é quase zero, mas estamos perto de grandes cidades”, explica.Segundo ele, há pelo menos cinco anos, nenhum crime é registrado na cidade. Entre os municípios próximos, estão São Desidério (a apenas 14 quilômetros de distância), Barreiras (27 quilômetros) e Baianópolis (que também faz fronteira). “Então, é uma cidade que vai se tornar um trevo, onde vai passar todo tipo de gente, inclusive de outros estados e municípios. Temos que prevenir, para, daqui a dez anos, já estarmos evoluídos”, diz. 

As imagens são observadas pela própria prefeitura, mas não há um centro de monitoramento específico ainda. A meta, agora, é aumentar a cobertura. O prefeito espera que, até o fim do ano, as câmeras cheguem na zona rural e, até junho do ano que vem, 100% da cidade seja atendida, com a aquisição de outras 50 câmeras. Até agora, cerca de R$ 30 mil foram investidos. 

“A gente está trabalhando para ter um monitoramento dentro da PM. Temos três a quatro policias por dia, então, se deixarmos na mão deles, eles terão condições melhores de trabalhar. Uma viatura só não resolve e a câmera dá mais facilidade para localizar uma ação suspeita”, diz.