Com fachada pronta, Casarão dos Azulejos Azuis desperta a curiosidade de turistas

Edifício sediará Museu da Música e será inaugurado em dezembro

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  • Marcela Vilar

Publicado em 17 de novembro de 2020 às 06:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arrison Marinho/CORREIO

Mesmo ainda sem ter inaugurado, o Casarão dos Azulejos Azuis, no bairro do Comércio, em Salvador, já tem despertado o interesse de turistas e movimentado empreendimentos na região. Herança patrimonial do século XIX, o Casarão começou a ser requalificado pela prefeitura soteropolitana em outubro de 2019 e está na reta final para a inauguração, prevista para dezembro de 2020. O edifício, conhecido pelos azulejos portugueses azuis, abrigará o Museu da Música Brasileira, que ainda não tem data para funcionar. A reconstrução total será finalizada em 2022, como informou a Casa Civil municipal.

“Mesmo que não tenha sido entregue, já está sendo um sucesso. Os turistas que passam aqui na frente do Mercado Modelo perguntam: ‘que prédio lindo é esse?’.O comentário é geral, porque chama muita atenção. Muita gente falando que quer visitar”, disse o administrador Julio Calado, 46 anos, diretor do restaurante Camafeu de Oxóssi, na varanda do Mercado Modelo, na praça Cairu, que fica em frente ao Casarão. 

Para ele, a inauguração desse equipamento foi fundamental para revitalizar o Centro Histórico de Salvador, área considerada Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Ele estava bem acabado, era uma degradação total, estava desmoronando aos poucos, soltando os azulejos e, de vez em quando, a gente ouvia uns estrondos de telhado desabando. A gente estava perdendo esse patrimônio arquitetônico e pouca gente acreditava que ia recuperar o glamour. Mas realmente voltou, estou olhando para ele aqui agora. Está muito bonito”, narra Calado. 

O administrador também elogiou o trabalho que tem sido feito no bairro, a exemplo da revitalização feita na praça Visconde de Cairu. Para ele, a reforma no Casarão despertará o desejo das pessoas em explorar aquela área da cidade, que antes só chamava a atenção pelo Mercado Modelo. “Aqui é uma área que passam milhares de turistas, e antes era um monte de prédio caindo aos pedaços. Hoje o Centro Histórico está vibrante de novo, dá vontade de passear, você vê várias pessoas tirando foto e isso dá outra vida para a região. Antigamente era só o Mercado Modelo. Agora não, ele tira foto e aprecia toda essa parte histórica”, ressaltou Calado.

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Na loja de papelaria e brinquedos A Gomes, a funcionária Angela Maria, 56 anos, já sente a movimentação pela conclusão das obras na fachada do Casarão. A loja fica bem em frente à praça Cairu. “Sempre vejo o pessoal tirando foto, e turista também, que já tá começando a chegar bastante. Tá ficando bem bonito”, relata Maria. Ela também disse que a revitalização vai dar bons retornos para a loja. “Vai ter um retorno bom para a gente aqui, porque nossa loja fica bem em frente da praça. E vai ajudar o comércio como um todo, porque a rua fica mais movimentada, o pessoal fica querendo vir conhecer”, disse. 

A empresária Marizane Cunha, dona do Tempero de Mãe, na rua Portugal, espera que a inauguração do equipamento traga mais movimentação para seu restaurante. “Com a reforma, esperamos que as coisas melhorem e temos que ter fé, porque a coisa está feia”, disse Cunha. Ela reclamou, contudo, dos empecilhos que a obra de restauração trouxe ao empreendimento, pois a rua Portugal, onde o Tempero de Mãe fica, está fechada desde o início das obras de restauração: “Caiu muito o movimento na rua, porque fecharam para a reforma. Então as pessoas que estão no Mercado Modelo não estão vindo para cá”. Aliado a isso, houve a pandemia do novo coronavírus que obrigou o fechamento de estabelecimentos comerciais por um período. Com isso, a frequência no restaurante dela reduziu em 70%. “Veio tudo junto”, concluiu.  

O historiador Mário Mendonça, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e especialista em Restauração de Monumentos e Centros Antigos, explica que a restauração de prédios e monumentos antigos é essencial para que se preserve a memória de uma cidade.“Já era esperado há muito tempo que se interviesse ali com sobriedade. A medida é tratar aquilo ali como um casarão azulejado como ele era, sem tentar inventar coisas novas para deixar a possibilidade das pessoas saberem como ele foi”, ressaltou o historiador. Mendonça enfatiza ainda que as intervenções de edifícios históricos devem ser as mínimas possíveis, para preservar a identidade dos monumentos. “Temos que ter respeito e humildade diante de um monumento antigo. Não podemos criar elementos novos em um edifício antigo porque vão tirar o caráter original do edifício. Temos que adicionar apenas o que for necessário para ele não se acabe, para dar estabilidade, para que ele continue como uma memória do passado. Devemos fazer isso da maneira mais discreta possível”, esclareceu o professor. 

O restauro do Casarão dos Azulejos está a cargo da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), que não pode dar detalhes sobre o andamento do projeto museológico nem sobre data prevista para a entrega da reforma completa do prédio. Porém, a Casa Civil Municipal informou que a obra de restauro da fachada vai integrar o Centro da Música, projeto que inclui mais três imóveis ao fundo. Eles também serão restaurados e a conclusão está prevista para 2022. 

Recursos internacionais Os recursos para esse projeto, que faz parte do Programa de Requalificação Urbanística de Salvador (Proquali), foram coordenados pela Casa Civil e financiados pela Corporação Andina de Fomento (CAF). O custo total será de R$ 140 milhões, já incluída a contrapartida de R$ 15 milhões com recursos do município. 

O Proquali viabilizou também obras de requalificação da Avenida São Cristóvão, a Orla no trecho Farol de Itapuã/Stella Maris e Amaralina-Pituba, o novo Jardim Botânico de Salvador a praça e entorno da Igreja do Bomfim. O contrato com a CAF, no valor total de U$ 75,9 milhões - equivalente a R$ 437,9 milhões - foi  assinado em dezembro de 2018 e faz parte da carteira de projetos da prefeitura financiados por organismos financeiros nacionais e internacionais, que totaliza R$ 2,3 bilhões. 

Essa carteira de projetos neste patamar só foi possível, afirma o secretário da Casa Civil, Luiz Carreira, face à situação de equilíbrio fiscal da prefeitura de Salvador. “O ajuste fiscal realizado pela gestão do prefeito ACM Neto colocou nossa cidade num patamar inédito de possibilidade de obtenção de recursos nacionais e internacionais”, ressaltou o secretário.

História Construído no século XIX, o Casarão dos Azulejos Azuis foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1969 pelo valor histórico e por ser considerado um dos mais significativos sobrados azulejados desta época. O falecido ceramista alemão Udo Knoff, radicado em Salvador, escreveu que ele é considerado “o mais belo prédio azulejado da Bahia”. O artista plástico dá nome ao Museu Udo Knoff de Azulejaria e Cerâmica sediado no Pelourinho, que faz parte do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac).   O Casarão é um dos imóveis mais tradicionais de Salvador e pertenceu ao comendador Antônio dos Santos Coelho. Ele já serviu como repartição pública, escola e até como sede da extinta rede de supermercado Paes Mendonça. São cerca de 1.914,76 m² de área construída, distribuída em quatro pavimentos.

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro