Com machado, homem destrói cinco imagens sacras de igreja na Bahia

‘Não tinha vivido nada dessa natureza’, diz padre responsável por paróquia em Antonio Gonçalves

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 13 de fevereiro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Um ato de intolerância religiosa chocou a população de cerca de 12 mil habitantes de Antonio Gonçalves, no centro-norte baiano. Um homem identificado como Wilson de Jesus Texeira, 37 anos, portando um machado na mão, entrou na igreja matriz da cidade, na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, e destruiu pelo menos cinco imagens sacras; Ele também tentou, sem sucesso, quebrar o sacrário, local onde fica a Eucaristia, elemento sagrado para os católicos. A ação aconteceu pouco antes do meio-dia dessa quinta-feira (11) e foi presenciada por fiéis que estavam na igreja e tentaram convencer o rapaz a não cometer o crime.  

O padre Jucimário Pereira de Carvalho, que é o responsável pela paróquia, estava no momento e chegou a ficar cara a cara com Wilson, mas ao vê-lo levantar o machado e dizer que ninguém poderia impedi-lo, resolveu não colocar sua vida em risco. “Ele quebrou as imagens, mas não avançou em ninguém que estava na igreja. Além de mim, tinha uma idosa, a secretária paroquial e sua irmã”, lembra o sacerdote, que calcula o prejuízo em torno de R$ 18 mil.  

No total, foram quebradas as imagens do Sagrado Coração de Jesus, de Nossa Senhora, São José e dois anjos que estavam próximos ao sacrário. Todas foram despedaçadas e, segundo o padre, não podem mais ser restauradas. “No sacrário, ele deu uma machadada que amassou, mas não chegou a quebrar, graças a Deus”, diz Jucimário, que está há apenas dois meses na paróquia e viveu pela primeira vez um episódio do tipo.  

“Tenho 12 anos de padre, mas sou recente aqui. Até então, não tinha vivido nada dessa natureza. Mas estou em paz, sem desânimo. Sei que tem o mistério do mal no meio dessa atitude e, por isso, desse domingo a oito vou fazer uma semana de oração com os fiéis, cada um em sua casa, pedindo proteção a Deus”, afirma. Poucas horas antes do episódio, durante a madrugada, o mesmo homem havia atacado outra imagem religiosa que fica na praça em frente à igreja, segundo o padre. “Foi por volta de 4h30. Ele apareceu na frente da igreja com o som ligado tocando músicas evangélicas. Lá ele quebrou umas imagens de anjinhos. Como minha casa fica na frente da igreja, eu acordei e fiquei gritando ‘olha a polícia’ para ver se ele parava, mas ele dizia que estava fazendo aquilo em nome de Deus. Então, tinha uma base religiosa nisso”, conta.   Padre Jucimário está apenas há dois meses a frente da paróquia de Antônio Gonçalves (Foto; arquivo pessoal) Crime  Após quebrar as imagens da igreja, o padre Jucimário conta que o rapaz ainda saiu em direção a uma capela do bairro Pau Ferro, que está em reforma. Lá ele quebrou a porta, mas como as imagens tinham sido retiradas da igreja para as obras, não houve nenhum dano material. A polícia militar e o Samu foram acionados.  “Eles aplicaram um tranquilizante e o levaram para hospital. É uma pessoa perturbada psicologicamente. A intolerância ele deve ter aprendido em algum lugar. Conversei com a família para entrar numa situação de internamento, mas não sei o que ficou resolvido. Ele não está preso. Depois a irmã dele veio aqui para ver algo de danos materiais, mas pedi para ela sossegar um pouco e focar na questão dele. Hoje não sei como tá a situação”, disse o sacerdote. Ainda na tarde da quinta-feira, o padre Jucimário fez um boletim de ocorrência na delegacia da cidade. O CORREIO entrou em contato com o local, mas o atendente, que não revelou seu nome, disse que o delegado estava de férias e só a partir de segunda-feira poderia informar qual o crime que o acusado cometeu e que pena ele poderia pegar. “Foi registrado uma ocorrência desse fato. Ainda não foi definido se vai ser mesmo enquadrado como intolerância religiosa, pois ele estava fora de si, numa situação de surto”, disse o rapaz.  

Para o padre católico, há indícios de que o rapaz estava com algum problema psicológicos, mas que suas ações tinham motivações intolerantes. “A família disse que ele tem problemas com drogas e que ele frequentava uma igreja adventista. Aparentemente, ele tem mesmo alguns distúrbios, mas tem uma questão de intolerância nesse meio”, argumenta. 

O padre Lázaro Silva Muniz, coordenador da Comissão Arquidiocesana de Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso (CAEDI), também enxerga preconceito religioso no ato. “Por mais que seja um ataque de fúria, no fundo tem elementos de intolerância, pois ele poderia quebrar tantas outras coisas, não especificamente as imagens. Há uma relação psicótica também com a questão do sagrado. Algum momento ele aprendeu que as imagens são do mal e ele toma isso de forma tão fundamentalista que esse é o resultado”, lamenta.   Imagens destruídas não poderão ser recuperadas, segundo o padre (Foto; divulgação) Órgãos  O caso já chegou ao conhecimento do Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, mentido pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da Bahia (Sepromi). Clerisvaldo Paixão, coordenador do espaço, conta que já registrou o caso e que tenta entrar em contato com a vítima e a delegacia da cidade para prestar todo o auxílio possível. “Após formalizado o caso, nós encaminhamos para os órgãos da rede de combate ao racismo, como o Ministério Público”, disse. 

Desde 2013, a Sepromi faz um levantamento da quantidade de casos de racismo e intolerância religiosa no estado. Os casos chegam por denuncia direta da vítima ou por meio da imprensa, como foi esse caso. Até o momento, 214 denúncias de intolerância religiosa foram registradas, sendo duas já em 2021. No entanto, apenas cinco de todas essas denúncias foram de crimes contra religiões que não são de matriz africana, sendo quatro para igrejas católicas e uma para evangélica.  “Isso acontece, pois há uma estrutura racista na sociedade que impede que a religião de matriz africana seja aceita de forma natural, como são outras formas de culto, que não tem essa matriz. Isso é por causa do racismo mesmo. Mas o nosso centro não é exclusivo para religiões de matriz africana e está disponível para toda a população baiana. As pessoas que não tem religião e até ateus podem ser atendidos caso se sintam ofendidos. Intolerância religiosa vitima qualquer forma de culto, seja ela qual for”, lembra Clerisvaldo.  Segundo os dados extraídos do aplicativo Mapa do Racismo e da Intolerância Religiosa do Estado da Bahia, mantido pelo Ministério Público, em 2019 foram distribuídas 39 denúncias de intolerância religiosa no estado, sendo 23 apenas em Salvador. Aqui também as principais religiões que figuram como vítimas das agressões registradas são as de matriz africana (Candomblé e Umbanda), com 34 das 39 ocorrências. Já as demais religiões alvo de agressão foram as cristãs evangélicas (3), e as muçulmanas (1). Já em 2020 foram distribuídas apenas seis denúncias de intolerância religiosa na Bahia e ainda nenhuma em 2021.  

Em relação ao total de procedimentos de intolerância religiosa na Promotoria de Combate ao Racismo de Salvador, de acordo com o Grupo de Atuação Especial em Defesa dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação do Ministério Público, foram 137 procedimentos em 2019 e 44 em 2020. Em 2021, até o dia 13 de janeiro, 130 procedimentos estavam em trâmite na promotoria. 

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.