Comércio foi o setor que mais perdeu trabalhadores entre 2019 e 2020, diz IBGE

Taxa média de desocupação em 19,8% coloca a Bahia com o maior índice do país

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  • Da Redação

Publicado em 11 de março de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

A taxa média de desocupação da Bahia ficou em 19,8%, em 2020 - a maior do país para o ano, aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) Trimestral, divulgada nesta quarta-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados demonstram ainda que o índice é o mais alto para o estado desde 2012, quando começou a PNAD Contínua. Na Bahia, 8 em cada 10 pessoas que deixaram de trabalhar, de 2019 para 2020, eram informais. Na comparação dos dois anos, o grupo das atividades de comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas foi o que mais perdeu trabalhadores em números absolutos no estado, com menos 170 mil pessoas ocupadas no setor.

Os resultados são reflexo da pandemia do novo coronavírus, segundo a supervisora de disseminação de informações do IBGE, Mariana Viveiros. Ela ressalta que 20 dos 27 estados bateram, em 2020, os recordes históricos da taxa de desocupação. Apesar das dificuldades serem generalizadas, Viveiros afirma que a Bahia foi mais penalizada.“A Bahia sempre foi o estado com taxas mais elevadas de desocupação que o país como um todo por possuir uma posição não muito confortável, com um mercado com menos dinamismo e alta informalidade”, explica a supervisora.A taxa baiana em 2020 ainda foi superior à do Brasil como um todo, que atingiu 13,5% de desocupados. O índice mede a proporção de pessoas a partir de 14 anos que não trabalharam e procuraram trabalho, em relação ao total de pessoas que estão na força de trabalho.

Ainda em 2020, o número de pessoas trabalhando, em ocupações formais ou informais, chegou ao mais baixo patamar desde 2012: 5.159 milhões. Isso representou menos 626 mil pessoas ocupadas, em média, de 2019 para 2020, na Bahia - uma queda de 10,8% entre os anos. 

Já o número de pessoas sem trabalho, mas que procuravam emprego fez com que a população de desocupados no estado atingisse 1.272 milhão, em média, em 2020 - o pior resultado em 8 anos. Foi registrada a adição de 70 mil baianos à população desocupada ante 2019, um aumento de 5,8%.

O coordenador de Pesquisas Sociais da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), Guillermo Etkin, ressalta que a atividade econômica no Brasil e na Bahia já estava em marcha lenta antes mesmo da pandemia eclodir. Sendo assim, ele explica que o coronavírus não desencadeou uma crise no país, mas tornou mais aguda uma cena já fragilizada por desequilíbrios e marcada por um processo de recuperação lento. 

“Não será a solução dessa questão sanitária o fator chave para catapultar o desempenho econômico. Diante desse contexto, é importante destacar que, no momento, não há outra compreensão senão a de que o ritmo de qualquer recuperação se encontra incerto”, alerta o especialista. 

O recorde negativo da taxa de desocupação da Bahia, afeta as condições de vida da população, aponta Etkin. Dentre as consequências do quadro de instabilidade social diante da elevada incerteza sobre o futuro próximo está o aumento da insegurança e da sensação de insegurança.

“[Nesse cenário] Ocorre rápido e acentuado empobrecimento da população pertencente aos estratos inferiores de renda na sociedade. Especialmente os trabalhadores informais. Toda vez que o mercado de trabalho apresenta indicadores fragilizados também vem acompanhado da deterioração dos indicadores socioeconômicos, com graves impactos em indicadores que mensuram desigualdade. Com isso, vê-se mais crianças nos sinais e pessoas pedindo esmola”, explica

Para o especialista, a soma da depressão da massa de rendimentos dos trabalhadores, a redução do nível de ocupação a patamares mínimos históricos, o desemprego e o desalento elevados podem ser especialmente graves para os mais jovens.“É o chamado ‘efeito cicatriz’, conceituado pelos autores como o efeito na vida dos que estão entrando no mercado de trabalho, já saturado e deteriorado e que pode representar uma dificuldade crítica adicional para esta parcela da força de trabalho”, explica.Em 2020, Emilly Anunciação, 20 anos, passou de funcionária da barraca da prima para desocupada. Desde agosto, ela procura emprego para ajudar no orçamento da família, que ficou mais apertado com a pandemia. Entretanto, a jovem encontra dificuldades para voltar ao mercado de trabalho.

“Eu tinha um bico, mas minha prima mudou a barraca para um lugar menor e me dispensou em janeiro. Fiquei seis meses em casa. Voltei a procurar emprego em agosto, mas a pandemia fez ficar ainda mais difícil encontrar uma vaga”, comenta Emilly.

Fora da força de trabalho Por cerca de 6 meses, Emilly ficou fora da força de trabalho por não estar trabalhando, mas também não procurar emprego. Esse grupo também aumentou na Bahia em 2020, segundo a pesquisa do IBGE.

Aqueles que estavam fora da força de trabalho atingiram, em média, 5.795 milhões de pessoas no estado, no ano passado - 782 mil a mais do que em 2019 (+15,6%). De acordo com o IBGE, essa é a primeira vez que o número de pessoas nessa condição superou o total de trabalhadores na Bahia. Além disso, esse é o maior contingente de população fora da força desde 2012.

Em 2020, o número de desalentados na Bahia voltou a aumentar após uma queda de 2018 para 2019. No ano passado, esse grupo somou 808 mil pessoas no estado, um acréscimo de 4,6% frente aos 772 mil registrados em 2019. O resultado do último ano é o maior em oito anos. 

A pesquisa aponta ainda que a Bahia tem o maior número absoluto de desalentados do país em todos os anos da série da PNAD Contínua. Nesse intervalo, essa população cresceu em 150,5%, passando de 323 mil para 808 mil. 

Na análise do coordenador de Pesquisas Sociais da SEI, o desalento histórico do mercado de trabalho indica saturação do processo de inserção e reinserção nos postos formais e informais. 

“A pandemia contribuiu fortemente na alta deste indicador, na medida em que dificulta encontrar uma vaga por dois efeitos: busca mais limitada pela fragilidade maior das condições de vida e pela redução da atividade econômica que também leva a repensar a busca. Nesse sentido, a PNAD Covid, revelou que uma das principais causas da não procura por emprego foi a crise sanitária. Assim, a pandemia parece ser ‘a gota d’água num copo cheio’, um golpe duro num mercado de trabalho que já vinha ‘cambaleando’”, afirmam os especialistas da SEI.

Etkin ressalta ainda que o desalento potencializa um efeito de inércia sobre os desalentados: “quanto mais tempo sob a condição de desalentado, menores as chances de aquela pessoa voltar a reunir condições para se inserir novamente no mercado de trabalho no futuro”.

Comércio O grupo de atividades de comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas foi o setor que mais perdeu trabalhadores em números absolutos entre 2019 e 2020, com menos 170 mil pessoas ocupadas na área no período - uma queda de 15,1% na comparação entre os anos.

Para o presidente do Sistema Fecomércio-BA, Carlos de Souza Andrade, as demissões são fruto da recessão causada pela pandemia. Entretanto, ele explica que o auxílio emergencial e a possibilidade de reduzir a jornada do trabalhador foram fundamentais para evitar prejuízos ainda maiores.“As dificuldades começaram em março com os primeiros sinais da pandemia. Depois, as lojas fecharam. Com isso, o desemprego foi grande. Se tem loja fechada, não tem vendas, o empresário não consegue continuar com o empregado”, afirma Andrade.Com o lockdown parcial vigorando no estado, o presidente da entidade pede a volta do auxílio emergencial e das medidas provisórias que permitam o corte de carga horária e salário.

Já o presidente do Sindicato dos Comerciários de Salvador, Renato Ezequiel, afirma que o comércio formal não teve peso nas demissões. Ele cita os dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que apontam que o setor de comércio criou 1.441 postos de trabalho com carteira assinada em 2020 na Bahia.

“No mercado formal, o que mais tivemos foram situações de suspensão do contrato de trabalho e redução da jornada no ano passado. Em Salvador, só tivemos a perda de apenas 333 postos de trabalho formais. Ano passado não foi um período de demissões assim”, afirma Ezequiel.

No último ano, os setores de serviços domésticos e alojamento e alimentação também registraram quedas expressivas em termos absolutos na Bahia, com redução de 106 mil trabalhadores e 105 mil pessoas ocupadas, respectivamente, ante 2019. O último dos dois grupos ainda registrou um recuo de 27,3%, o maior em termos percentuais no estado.

Dentre todos os grupamentos de atividade investigados pelo IBGE, apenas agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura teve aumento da sua população ocupada frente a 2019, com o registro de um saldo positivo de 1,5% ao passar de 911 mil para 925 mil pessoas empregadas.  Trabalhadores informais são mais de 80% das pessoas que deixaram de trabalhar entre 2019 e 2020 (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) 8 em cada 10 informais deixaram de trabalhar Os informais baianos foram os mais afetados pela perda de trabalho, entre 2019 e 2020, representando 82,2% de todas as 626 mil pessoas que deixaram de trabalhar na Bahia no período. 

Entre os dois anos, o grupo caiu de 3,165 milhões para 2,651 milhões de pessoas - uma redução de 16,3%. Os trabalhadores informais eram 51,3% da população ocupada no estado em 2020, mas chegaram, no ano passado, ao menor patamar desde 2016, ano de início da série histórica da PNAD Contínua para o indicador.

Dentre os informais, os que mais perderam trabalho, em números absolutos, foram os empregados no setor privado sem carteira assinada, que passaram de 1.077 milhão, em 2019, para 834 mil em 2020 (-22,6%). Em termos percentuais, a maior queda ocorreu entre os trabalhadores domésticos, que registraram uma redução de 26,5% com a passagem de 408 mil para 300 mil em um ano. 

Para Etkin, a desocupação dos trabalhadores informais é consequência da frágil estrutura do mercado de trabalho baiano. A esse fator se soma o efeito da pandemia, cujas medidas restritivas atuam de maneira diferenciada nos setores de atividade e de acordo com critérios que interferiram em graus distintos ao longo das cadeias de atividades econômicas dos serviços e comércio, onde está a maior parcela da informalidade no estado.“A alta informalidade que caracteriza o mercado de trabalho baiano refere-se ao grande conjunto de trabalhadores desprotegidos, aquele grupo cujas intempéries do mercado de trabalho atinge com mais voracidade. Nesse sentido, já vinha se desenhando um quadro de saturação do mercado de trabalho informal”, pontua o coordenador da SEI.No ano passado, o emprego com carteira assinada também recuou na Bahia atingindo o menor patamar desde 2012, com 1.327 milhão de empregados no setor privado nessa condição. São 134 mil trabalhadores do tipo a menos do que em 2019 (-9,2%).  

De 2019 para 2020, apenas o setor público teve saldo positivo na ocupação no estado, com o grupo dos servidores estatutários e militares crescendo 7,8% e os empregados sem carteira no setor público se ampliando 6,2%.

Melhora trimestral Ainda de acordo com a pesquisa, a taxa de desocupação na Bahia ficou em 20% no 4º trimestre de 2020, resultado que é menor que o verificado no 3º trimestre (20,7%). Entretanto, o resultado dos últimos três meses do ano passado está acima do registado no 4º trimestre de 2019 (16,4%). 

Empatada com Alagoas, a taxa de desocupação baiana no 4º trimestre de 2020 é a maior do país. Esse é o sexto trimestre consecutivo que a Bahia mantém a liderança nacional iniciada no 2º trimestre de 2019. O estado ainda ficou bem acima do indicador para o Brasil (13,9%).

A melhora no último trimestre do ano tem relação com a sazonalidade, como explica Mariana Viveiros. De acordo com a supervisora do IBGE, o mercado de trabalho costuma ter um 4º trimestre com taxa de desocupação menor. 

“Nesse período, tem o trabalho temporário para o fim de ano. Na Bahia, ocorreu a reabertura das atividades a partir de agosto de 2020. Foi um período mais próximo do normal. Também é no final do ano que mais pessoas param de procurar trabalho”, afirma Viveiros, que ressalta que a melhora no 4º semestre não é uma redução significativa.

Para o presidente da Fecomércio, o último trimestre de 2020 ainda se beneficiou do aumento da confiança da população nas lojas durante a pandemia e do auxílio emergencial, que aqueceu o mercado na Bahia.

Rendimento médio dos trabalhadores baianos chega a R$ 1.730 Em 2020, os trabalhadores baianos tiveram rendimento médio real mensal, com desconto dos efeitos da inflação, de R$ 1.730. Esse foi o maior valor para o estado desde 2016, quando se iniciou a nova série histórica da PNAD Contínua para o indicador por unidade da Federação. 

Em 2019, o rendimento médio foi de R$ 1.562. Portanto, houve uma alta de 10,8% em 2020 na comparação com o ano anterior. Apesar do avanço, o rendimento médio mensal dos trabalhadores baianos em 2020 foi o quarto menor do país, mais alto apenas que os de Maranhão (R$ 1.451), Piauí (R$ 1.518) e Alagoas (R$ 1.620). 

O valor ainda era 32% abaixo da média nacional, de R$ 2.543, e menos da metade do rendimento de R$ 4.229 do Distrito Federal, que é o maior do país.

O aumento da média é reflexo da redução do número de trabalhadores informais, que normalmente ganham menos. A supervisora de disseminação de informações do IBGE explica que o cálculo desse valor leva em conta o rendimento de quem tem renda de trabalho - o auxílio emergencial não entra na conta.

“A maior parte de quem deixou de trabalhar era informal, que ganha menos. Com a retirada desses trabalhadores, resta quem está mais protegido no emprego ou quem conseguiu um trabalho em 2020, que, geralmente, têm rendimentos mais elevados. Isso causa um efeito matemático positivo, mas não reflete na melhora do mercado de trabalho”, analisa Mariana Viveiros. A supervisora aponta ainda que a Bahia é muito desigual e o rendimento médio esconde extremos desiguais.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro