Como a Festa de Iemanjá ganhou visibilidade e legitimidade?

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  • Nelson Cadena

Publicado em 25 de janeiro de 2019 às 05:01

- Atualizado há um ano

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O culto ocorria originalmente em Itapagipe, no final do século XIX, as oferendas depositadas na praia atrás das ruínas do Forte de São Bartolomeu, imediações da Ponta do Humaitá. Se não há exagero nas contas de Manoel Querino, o babalorixá Ataré  reunia no local até dois mil pais e filhos de santo dos terreiros de candomblé da Bahia. Era um culto clandestino e legítimo, sem nenhum sincretismo. Reverência à Mãe D’Água.

Um dia, Itapagipe perdeu o protagonismo para Itapuã que passou a ser o principal espaço geográfico do culto, também realizado no Dique do Tororó, Lagoa da Vovó, no Retiro, na Ilha de Itaparica e após na Barra. Então o orixá tinha uma referência sincrética -  Nossa Senhora do Rosário -  e mais tarde seria Nossa Senhora das Candeias, evocada em 2 de fevereiro, como contou o Mestre Didi em artigo publicado no livro de Zora Seljan, em 1971.

A imagem “oficial” acolhida pelos terreiros de umbanda e legitimada por Mãe Menininha do Gantois, em 1959, quando da visita de uma comitiva do Rio de Janeiro liderada por Joazinho da Goumeia, representava a Rainha do Mar com seu manto esplêndido sobre um rochedo de Itapuã, obra do artista plástico Jurandir Lima. Já era reconhecida como Iemanjá e não mais como Janaina, ou Mãe D’ Água. Empolgado, o governador Juracy Magalhães encomendou a Mario Cravo uma escultura da orixá, que seria instalada no Rio Vermelho e acabou sendo em Itapuã.

No Rio Vermelho, a oferenda teve origem entre 1918 e 1924, há divergência de datas, segundo a oralidade de pescadores que testemunharam o presente original. Não era uma festa, mas um culto reservado do povo de santo -  para não se expor perante as autoridades - que ocorria no contexto das festividades de Nossa Senhora de Sant’Anna. Na década de 40,  o presente a Iemanjá já era um dos destaques da festa referida; a imprensa baiana ignorava para não ferir susceptibilidades, diferente da imprensa do Rio de Janeiro pautada por Jorge Amado e pelas músicas de Caymmi.

Como a Festa de Iemanjá ganhou visibilidade e legitimidade? A presença do sociólogo francês Roger Bastide, em 1944, foi um dos marcos desse processo. Fortaleceu-se, ainda, com  os artigos de Odorico Tavares, em O Cruzeiro, ilustrados com fotos de Pierre Verger; as reportagens de Milton Figueiredo e Néilo Reis na mídia sulista; os shows de Luz del Fuego representando Iemanjá; o filme Terras de Iemanjá, de Jean Luc de Cave (interpretação de Rute de Souza), rodado na Bahia em 1958; a exibição no estande do Brasil da escultura em madeira policromada do orixá na Exposição Mundial de Bruxelas; o banho de Iemanjá protagonizado pela atriz Argentina Isabel Sarli no filme Favela, exibido em 1961.

Jamelão foi outra referência na popularização da festa com a sua participação por quase duas décadas; o cantor inspirou os versos de Caetano: “E agora estamos aqui/ Do outro lado do espelho/ Com o coração na mão/ Pensando em Jamelão no Rio Vermelho/ Todo ano, todo ano/ Na festa de Iemanjá/ Presente no dois de fevereiro”.  A mídia baiana descobriu Iemanjá na década de 60 quando passou a merecer, influenciada pela mídia da capital, maior destaque. Escorregavas as vezes no preconceito, insistia na tese do fetichismo, ou paganismo, e quando pegava leve era folclore.

Caymmi foi o grande catalizador, o pioneiro, com a música 2 de Fevereiro, popularizada pela Rádio Nacional; multiplicada na década de 70 na voz de Gal Costa e Bethânia e, mais tarde,  por outros intérpretes. O orixá ganhou outras versões musicais e menções de Baden Powel e Vinicius, Gilberto Gil, Clara Nunes, Marisa Monte...