Como o avô, Bruno Covas morre em seu auge

Prefeito da capital paulista lutou contra câncer durante um ano e meio

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  • Da Redação

Publicado em 17 de maio de 2021 às 08:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Patrícia Cruz/Divulgação

Duas décadas depois, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), repete o drama do avô. Mario Covas descobriu um câncer no auge da carreira política, após se reeleger governador de São Paulo. Ele rompeu uma tradição da política brasileira e manteve os cidadãos informados sobre a evolução da doença. Morreu em 2001, aos 70 anos.

O prefeito de São Paulo morreu ontem às 8h20 aos 41 anos. Desde 2019, ele lutava contra um câncer no sistema digestivo com metástase nos ossos e no fígado. Deixa o filho Tomás, de 15 anos. Covas estava internado no Hospital Sírio-Libanês, no Centro da capital paulista, desde 2 de maio, quando se licenciou da prefeitura. Na sexta-feira (14), ele teve uma piora no quadro de saúde e a equipe médica informou que seu quadro havia se tornado irreversível.

Familiares e amigos de Covas permaneceram no hospital desde então. Nas últimas horas de vida, o prefeito recebeu sedativos e analgésicos para não sentir dores. Na noite de sexta, um padre chegou a fazer a unção dos enfermos, um sacramento católico. Durante a noite de sábado (15), representantes de diversas religiões participaram de um ato ecumênico na porta do hospital, que durou 30 minutos e terminou com a oração Pai Nosso. 

O corpo foi levado para o Edifício Matarazzo, sede da prefeitura, para uma cerimônia breve para familiares e amigos próximos. Depois, seguiu em carro aberto até a Praça Oswaldo Cruz. O enterro, restrito à família, foi no Cemitério do Paquetá, em Santos, onde está sepultado o corpo de Mário Covas, ex-governador de São Paulo e avô de Bruno que também morreu em decorrência de um câncer, em 2001.

Entre os presentes na cerimônia religiosa, que foi restrita a cerca de 20 pessoas, estavam o filho Tomás, de 15 anos, a ex-mulher Karen Ishiba, os pais, um irmão e o tio Mário Covas Neto, ex-vereador da capital. Havia também autoridades como o vice-prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o governador João Doria e sua mulher Bia Doria.

Sobre o caixão fechado foram colocadas as bandeiras do Brasil e de São Paulo. O filho Tomás ajudou a carregar o caixão até o carro do Corpo de Bombeiros. Simpatizantes do prefeito aplaudiram a saída do corpo para o cortejo pelas principais ruas do Centro de São Paulo. Na Avenida Paulista, o carro dos bombeiros foi cercado por simpatizantes que queriam se despedir e seguravam faixas e cartazes. 

Política no DNA A ligação de Covas com a política remonta à sua adolescência. Antes mesmo de ingressar na graduação, Bruno Covas conseguiu um estágio privilegiado no mundo da política.  Aos 15 anos, deixou a casa dos pais em Santos para viver no Palácio dos Bandeirantes, junto com o avô Mário Covas, que assumira, naquele ano de 1995, o governo de São Paulo. Foram seis anos como espectador privilegiado das decisões sobre os rumos do estado mais rico do país.

Bruno se diferenciava dos visitantes do avô no palácio, não só pela idade, mas também pelo visual. Com cabelo comprido, o neto do governador quase sempre vestia camisas de bandas de rock, paixão que carregou pela vida. Apesar de não adotar o traje típico dos políticos, naquela época já não escondia o desejo de seguir a carreira do avô.

Ainda criança, havia feito a carteirinha do “clubes dos tucaninhos”. Aos 17 anos, se filiou ao PSDB. Mário Covas alertava que era preciso estudar. O neto seguiu o conselho e fez duas faculdades: direito na USP e economia na PUC-SP. As lembranças de frases e feitos do avô seriam constantes ao longo da trajetória de Covas.

O aspirante a político formou o seu grupo logo nos primeiros anos de PSDB. Amigos da época da juventude tucana, como os secretários Orlando Faria (Habitação) e Alexandre Modonezi (Subprefeituras), o acompanhariam pelo restante da carreira.

Em 2006, resolveu tentar um voo solo e se candidatou a deputado estadual. Foi eleito com 122,3 mil votos. Assumiu o mandato aos 20 anos. Na Assembleia Legislativa teve uma atuação discreta. Ao contrário do avô, não se destacava como um grande orador. Tímido, se consolidou mais como político de bastidores. 

Impulsionado pelo sobrenome, não teve dificuldade para se reeleger em 2010. Foi o mais votado, com 239 mil votos. No ano seguinte, Geraldo Alckmin, o sucessor de seu avô no governo paulista, o convidou para assumir a Secretaria Estadual do Meio Ambiente. No posto, Bruno conseguiu consolidar o seu grupo político e passou a exercer papel de destaque no controle do diretório paulistano do PSDB.

Em 2014, decidiu que era hora de se arriscar em Brasília. Foi o quarto deputado federal paulista mais votado, com 352.708 votos. Votou a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. No mesmo ano, chegou a se inscrever para disputar as prévias tucanas que escolheriam o candidato a prefeito de São Paulo. No meio do processo, acabou desistindo para apoiar João Doria, que após se sagrar vitorioso no duelo interno do PSDB o escolheu para vice da chapa.

Doria foi eleito prefeito de São Paulo no primeiro turno e  nomeou Bruno secretário das Subprefeituras. Dez meses depois, diante das críticas sobre o serviço de zeladoria da cidade, tirou o vice do posto e o transferiu para a Secretaria de Governo, pasta com função exclusivamente de articulação política. A troca provocou tensão entre os grupos do prefeito e do vice.

Foi no período como vice-prefeito que Bruno promoveu uma mudança radical em sua vida. Abandonou o sedentarismo, passou a controlar a alimentação, adotou uma rotina rigorosa de exercício. Perdeu 18 quilos. Também mudou o visual. Deixou os ternos de lado e passou a desfilar de calça jeans, camisetas e sapatênis. Assumiu a calvície raspando o cabelo e deixou a barba crescer.

Seis meses depois de ser tirado da Secretaria das Subprefeituras, Bruno herdou a prefeitura de Doria, que renunciou ao comando da cidade para concorrer ao governo do estado. Bruno assumiu o mesmo cargo que havia sido ocupado por seu avô entre 1983 e 1985.

O câncer À frente da maior cidade do país, adotou uma linha discreta, bem diferente do estilo espalhafatoso do antecessor. Teve dificuldade para impor uma marca. Em outubro de 2019, descobriu o câncer na cárdia, válvula entre o esôfago e o estômago. Fez quimioterapia e imunoterapia.

Bruno Covas foi o primeiro prefeito da cidade de São Paulo a morrer durante o mandato. Os primeiros tumores foram descobertos há um ano e meio, quando ele investigava uma irritação na pele. Logo no início da luta, o câncer já se revelava metastático — quando se espalha por outros órgãos. 

Em outubro de 2019, Bruno foi diagnosticado com um câncer na região da cárdia, na transição entre o estômago e o esôfago, durante uma consulta para tratar uma infecção de pele. Na época, também foi diagnosticada uma metástase do câncer original, com linfonodos aumentados ao redor do pâncreas e um nódulo no fígado. Ainda em 2019, iniciou sessões de quimioterapia e radioterapia, que fizeram com que os tumores regredissem e diminuíssem de tamanho.

Ele continuou o tratamento em 2020 com imunoterapia, sem a necessidade de se licenciar do cargo, pois apresentava boas condições clínicas. Em exames de rotina em junho de 2020, Covas testou positivo para Covid. Ele não apresentou sintomas e fez a quarentena em casa, sem necessidade de se internar.

O novo prefeito Eleito vice-prefeito de São Paulo em 2020, Ricardo Nunes (MDB) assume em definitivo o comando da cidade. Ele estava como prefeito em exercício desde 2 de maio, quando Covas se licenciou para dar continuidade do tratamento contra o câncer. A oficialização de Nunes à frente da Prefeitura de São Paulo foi feita por meio de um ato da mesa diretora da Câmara de São Paulo, que se reuniu às 11h20 para extinguir o mandato de Covas após a morte do tucano, ocorrida hora antes.

Em seu primeiro ato, o emedebista decretou luto oficial de 7 dias pela morte de Covas. "A dor toma conta, perder um amigo, um irmão, que é referência de integridade, companheirismo, generosidade, dói muito", postou Nunes após a morte do tucano.

Antes de se eleger vice-prefeito na chapa de Bruno Covas em 2020, Nunes foi vereador por dois mandatos. Ele é ligado a associação de empresários da Zona Sul e à Igreja Católica. Durante o primeiro mandato, o então vereador fez lobby para anistiar e regularizar templos religiosos irregulares na lei de zoneamento em 2016.

Uma lei proposta pelo então vereador em 2014 prevê um sistema de transporte público hidroviário em São Paulo na represa Billings, região do Cantinho do Céu, extremo sul da capital, um de seus redutos eleitorais. Na atual gestão, esse projeto, que foi sancionado pelo ex-prefeito Haddad, foi incluído no plano de metas. Além da hidrovia, Nunes propôs a criação de um aeródromo na região Sul da capital.

Como integrante da Comissão de Finanças na Câmara, emedebista conseguiu barrar, em 2015, menções a termos como gênero no Plano Municipal de Educação (PME) da cidade. Na ocasião, argumentou que a sexualidade não deveria ser tema nas salas de aula do município.

Em seu primeiro mandato, Nunes integrou a base de apoio à gestão de Fernando Haddad (PT), que acabou derrotado naquele ano por João Doria e Bruno Covas, ambos do PSDB, na disputa pela reeleição.

Nunes, que se reelegeu vereador no mesmo pleito, passou então a fazer parte da base da gestão tucana até ser indicado a vice no ano passado, após uma articulação do próprio Doria, que então já ocupava o cargo de governador do estado.

A escolha do emedebista para vice foi um dos principais motivos de críticas a Covas durante a campanha de 2020 – a mulher do emedebista registrou boletim de ocorrência em 2011 por violência doméstica. O tucano, na ocasião, saiu em defesa de seu parceiro de chapa.

REPERCUSSÃO

Jair Bolsonaro, presidente da República"Nossa solidariedade aos familiares e amigos do Bruno Covas, que faleceu hoje após uma longa batalha contra o câncer. Que Deus conforte o coração de todos!"

João Doria, governador de São Paulo"A força de Bruno Covas vem do seu exemplo e do seu caráter. Foi leal à família, aos amigos, ao povo de São Paulo e aos filiados do seu partido, o PSDB. Sua garra nos inspira e seu trabalho nos motiva".

Ricardo Nunes (MDB), prefeito em exercício de São Paulo"A dor toma conta, perder um amigo, um irmão, que é referência de integridade, companheirismo, generosidade, dói muito."

Presidente nacional do Democratas, ACM Neto“É muito triste ver o país ter que se despedir tão cedo de uma jovem liderança com a vocação pública de Bruno Covas. Político da minha geração, sei que ainda tinha muito a contribuir com São Paulo e com o Brasil”, afirmou o ex-prefeito de Salvador. “Vamos continuar aqui com muita força, foco e fé, mas também com saudades de você, amigo Bruno. Um exemplo de político que deixou a marca do seu trabalho, perseverança, compromisso com a vida pública, e sempre leal com todos que tiveram o privilégio de sua convivência. Neste momento de profunda tristeza, quero prestar minha solidariedade aos familiares e amigos de Bruno Covas. Que Deus conforte a todos”

Governador da Bahia, Rui Costa"Lamento profundamente o falecimento do prefeito de São Paulo, Bruno Covas. Muito triste sua partida assim tão jovem, deixando um filho adolescente. Que Deus, em sua infinita sabedoria, conforte a família e os amigos".

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República"Com a morte de Bruno Covas, São Paulo perde um bom prefeito e o PSDB, um bom quadro. Lamento pela perda tão jovem de uma vida, pela família e por todos nós que o respeitávamos e o tínhamos como um grande quadro político."

Michel Temer, ex-presidente da República"Luto... Acabo de receber a tristíssima notícia do falecimento de Bruno Covas. Tão jovem, tão afável, tão idôneo. Com ele vai embora parte da nossa esperança. Descansa em paz."

Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República"Meus sentimentos aos familiares, amigos e correligionários de Bruno Covas, que nos deixou hoje após travar uma longa e dura batalha contra o câncer. Que Deus conforte o coração de sua família."

Dilma Rousseff, ex-presidente da República"Lamento a morte do prefeito Bruno Covas, aos 41 anos de idade. O Brasil perdeu um dos seus promissores líderes políticos. Quero manifestar meus sentimentos ao filho Tomás e a toda família Covas, além dos militantes e dirigentes do PSDB."

Fernando Collor, ex-presidente da República"Lamento profundamente a morte precoce do prefeito de São Paulo, Bruno Covas. Aos paulistanos, familiares e amigos envio meu sentimento de pesar. Que Deus o receba em sua infinita bondade. Vá em paz, Bruno!"

Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados"Lamento profundamente o falecimento do prefeito de São Paulo, Bruno Covas, um jovem talento na política, que travou com coragem e otimismo uma árdua batalha. Como deputado federal, foi meu colega na Comissão de Constituição e Justiça, em 2015, com quem tive a honra de trabalhar."

Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)“Bruno Covas partiu ainda muito jovem, mas deixou valiosas lições de perseverança e esperança a todos nós. Deu grande exemplo de dedicação à vida pública. Toda a minha solidariedade à família, ao filho e aos amigos.”

Deputado federal Adolfo Viana, presidente estadual do PSDB-Ba “Bruno Covas era um político de fino trato, querido por muitos e dedicado ao trabalho. Meus sentimentos à família, aos amigos e ao povo paulistano”, disse.