Confronto entre os Poderes

Bolsonaro parte para o ataque contra Barroso, após STF determinar abertura de CPI sobre ações do governo federal na pandemia

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  • Da Redação

Publicado em 10 de abril de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Colagem com fotos de Evaristo Sa/AFP e Carlos Humberto/STF

Uma comissão parlamentar de inquérito – CPI, ou CPMI, se for mista e envolver as duas Casas Legislativas federais – é sempre política. E sempre causa estrago para alguém. Entretanto, mesmo num momento de fatos singulares, é provável que nenhuma outra comissão do tipo tenha provocado tanto estardalhaço antes de ser instalada como esta, que se propõe a investigar os atos do Poder Executivo durante a pandemia. 

Na quinta-feira (08), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Roberto Barroso, determinou que o Senado instale uma CPI para investigar ações e omissões da gestão Bolsonaro no combate à pandemia. Um dia depois, na sexta-feira (09), veio a resposta do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), durante um papo com apoiadores: “Pelo que me parece, falta coragem moral para o Barroso e sobra ativismo judicial”. 

Foi rastilho de pólvora em palha seca. O STF, instância máxima do Judiciário brasileiro, defende a decisão do ministro, diante da reação do Executivo, enquanto o Parlamento se divide. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse ser contrário à CPI, porém avisou que não vai agir para evitar a investigação. Já o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, acha que não é hora para uma investigação. E o Brasil entra no final de semana com a convicção de que os Três Poderes da República se entendem cada vez menos. 

O assunto despertou a atenção de representantes da classe política além das fronteiras nacionais. A abertura da CPI e os recordes de mortes por covid-19 são o pano de fundo de uma audiência marcada pelo Parlamento Europeu, na próxima semana. O chefe da Missão do Brasil na União Europeia, Marcos Galvão, está sendo chamado a falar sobre o assunto, entre outros temas. 

Logo cedo, uma postagem de Bolsonaro reclamava da decisão tomada por Barroso. O presidente disse que a decisão monocrática, ou seja, de apenas um dos ministros do Supremo e não referendada pelo plenário da Corte, se destinará a apurar apenas o governo federal. Segundo ele, não haverá espaço na comissão para investigar “nenhum governador” por eventuais desvios de recursos federais destinados ao combate à Covid-19.

Ele afirmou ainda que Barroso se “omite” ao não determinar que o Senado também abra processos de impeachment de ministros do STF.“Barroso se omite ao não determinar ao Senado a instalação de processos de impeachment contra ministro do Supremo, mesmo a pedido de mais de 3 milhões de brasileiros. Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política”, afirmou.O ministro respondeu no início de tarde da sexta-feira que cumpre o que é previsto na Constituição e desempenha o papel de magistrado com “seriedade, educação e serenidade”. “Na minha decisão, limitei-me a aplicar o que está previsto na Constituição, na linha de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e após consultar todos os ministros. Cumpro a Constituição e desempenho o meu papel com seriedade, educação e serenidade. Não penso em mudar”, destacou. Após a declaração de Bolsonaro, o Supremo divulgou nota na qual afirmou que os ministros do tribunal “tomam decisões conforme a Constituição e as leis”. A nota diz ainda que, “dentro do estado democrático de direito, questionamentos a elas (decisões) devem ser feitos nas vias recursais próprias, contribuindo para que o espírito republicano prevaleça em nosso país”.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco afirma que não mexerá “um milímetro” para impedir a atuação da CPI da Covid, embora diga ser contrário à sua instalação neste momento. Na entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Pacheco disse ainda que o presidente Jair Bolsonaro “não contribui” com seu discurso negacionista.“Para bom entendedor, um pingo é letra. Quando ele [Bolsonaro] prega qualquer tipo de negacionismo, eu vou criticar o negacionismo e consequentemente estou criticando a fala dele”, disse. Pacheco nega que o Congresso esteja sendo omisso em relação à atuação do governo na pandemia e aponta o que considera “erros praticados até agora”.Arthur Lira, presidente da Câmara, criticou a criação da comissão.“A CPI não nasce à toa. Tem de ter um fato determinado e tem de ter as assinaturas. E ela tem de ter a ocasionalidade. Eu comungo da ideia de que esse momento não é momento de se encontrar culpados, de se apontar o dedo para ninguém”, disse. Pedido de investigação Ex-presidente do Senado, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) lembrou que a decisão do STF nesta semana não é inédita.“A decisão do Barroso é absolutamente constitucional. O STF sempre decidiu dessa forma. Eu mesmo, quando fui presidente do Senado, instalei várias CPIs por decisão do STF. A CPI é um instrumento sagrado da minoria. Atendendo os pré-requisitos constitucionais, o presidente (Rodrigo Pacheco, do Senado) não pode dispor de instalação de CPI”, diz Calheiros.O pedido de criação da CPI foi protocolado em 15 de janeiro por senadores que querem apurar as ações e omissões do governo Jair Bolsonaro na crise sanitária. Ao todo, 31 senadores assinaram o documento – quatro a mais que os 27 exigidos pelo regimento interno do Senado. A comissão, no entanto, ainda não tinha sido instalada. Pacheco dizia considerar que a instalação da CPI durante a fase crítica da pandemia poderia agravar a “instabilidade institucional”, em vez de ajudar no combate ao vírus.

Diante da recusa do presidente do Senado, parlamentares da minoria entraram com uma ação pedindo que Supremo determinasse a instalação da CPI. Em documento enviado ao STF por conta dessa ação, o Senado defendeu que a prerrogativa de decidir o momento de abertura da CPI é do presidente da Casa; que a comissão não contribui para o enfrentamento da pandemia; e que não há “compatibilidade técnica” para o funcionamento de uma CPI de forma remota – os senadores estão trabalhando de casa devido à pandemia.

Contra-ataque  Um dia após a decisão de Barroso, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), afirmou que vai trabalhar para retirar assinaturas do requerimento de criação da comissão parlamentar de inquérito. Segundo ele, muitos senadores repensaram a posição porque a decisão “repercutiu de forma muito negativa” na Casa.“Vamos iniciar diálogo com diversos senadores, até porque a decisão do ministro Barroso repercutiu de forma muito negativa dentro do Senado, e muitos que subscreveram têm manifestado a sua contrariedade com a decisão”, afirmou em entrevista ao Jornal O Globo. Para Bezerra, a decisão de Barroso caracteriza uma “intervenção” nas prerrogativas do Senado ao forçar a instalação da CPI da Pandemia e uma “ação política” do STF a um ano da eleição presidencial. “Foi um erro do ministro Barroso ter tomado essa decisão em função do momento singular que estamos vivendo”, disse.Outro aliado do governo, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), colheu as assinaturas e protocolou, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, se aprovada, impedirá o STF de interferir em outros Poderes por meio de decisões monocráticas. Entre as 30 assinaturas de apoiamento coletadas por Oriovisto, está a de Eduardo Gomes (MDB-TO), designado pelo presidente Jair Bolsonaro para ser o líder do governo no Congresso desde outubro do ano passado.“O objetivo é evitar a interferência individual dos ministros do STF nas competências de outros Poderes. Um único ministro não pode contrariar a decisão de todo o Congresso Nacional e do presidente da República. Por isso a importância de uma decisão colegiada para esses casos”, argumentou Oriovisto Guimarães.O senador já tinha a intenção de protocolar a PEC desde o ano passado, mas apenas ontem, após o episódio envolvendo a CPI da Covid, conseguiu todas as 30 assinaturas necessárias para protocolar a Proposta de Emenda à Constituição.

Críticas da oposição Líderes de partidos da oposição e do MDB afirmaram nesta sexta-feira que o presidente da República, Jair Bolsonaro, cometeu crime de responsabilidade ao atacar decisão do ministro Luís Roberto Barroso.  Deputados e senadores de PT, PSB, PSOL, Rede, PCdoB, Cidadania e MDB afirmaram, em nota, que no Estado Democrático de Direito são “inadmissíveis” ameaças à “independência do Poder Judiciário”.

Os parlamentares dizem ainda que eventuais inconformismos com decisões judiciais “podem ser manifestados através de críticas, jamais de ameaças ou ações que tenham por objetivo constranger ou intimidar um juiz”. Para os líderes, a decisão do ministro estava de acordo com jurisprudência e que não houve qualquer “inovação ou casuísmo”.

Outras decisões do STF sobre CPIs

2005 – O plenário do STF decidiu por maioria que o então presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, deveria designar os nomes dos senadores para compor a CPI dos Bingos. No ano anterior, alguns partidos políticos não haviam indicado representantes para a comissão.

2014 – A ministra Rosa Weber determinou a instalação de uma CPI exclusiva da Petrobras, destacando o direito das minorias. Naquele caso, a Presidência do Senado Federal era favorável à instalação de uma CPI, mas com objeto amplo. Rosa Weber atendeu a pedido de parlamentares da oposição, que queriam ter garantido o direito de uma comissão específica para investigar denúncias sobre a estatal.

2006 – Plenário do STF derrubou trechos do regimento interno da Assembleia Legislativa de São Paulo que condicionavam a criação de uma CPI à aprovação do requerimento pelo plenário. Os ministros entenderam que as condições impostas eram inconstitucionais.

2007 – O Celso de Mello concedeu uma liminar (decisão provisória) determinando que o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) desarquivasse o requerimento de instalação da CPI do Apagão Aéreo, a pedido de líderes da oposição. Na decisão, Mello reconheceu o direito das minorias de fazer a investigação, argumento para o pedido. O presidente Jair Bolsonaro, na época deputado, pediu durante uma entrevista a intervenção do STF. Onyx Lorenzoni, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, também apoiou o requerimento.