Conheça 10 delícias que fazem parte da história de Salvador

Do acarajé do Rio Vermelho ao picolé Capelinha, do Camarão de João do Porto da Barra ao Mocotó da Sete Portas

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  • Victor Villarpando

Publicado em 29 de março de 2017 às 10:00

- Atualizado há um ano

Entre o mingau do café da manhã e o acarajé com cervejinha do happy hour há mais coisas no paladar soteropolitano do que sonha a nossa vã filosofia. Para comemorar estes deliciosos 468 anos, contamos as histórias de 10 pratos que fazem parte da história de Salvador. É de lamber os beiços!

PICOLÉ CAPELINHACajá, umbu, morango, amendoim, coco, manga e mangaba são alguns dos sabores do picolé Capelinha (Fotos: Angeluci Figueiredo)Seu Antonio Mota tem 80 anos e é ele quem atende na Sorveteria Capelinha no bairro da Capelinha de São Caetano. Lá é vendido, há 45 anos, o mais famoso picolé de Salvador, que ganhou o coração de famosos como Xanddy e Ivete Sangalo. A fama foi sendo construída aos poucos. “O comercial sempre foi na boca do povo”, como diz Antônio. Além disso, tem o trabalho diário do dono. “Eu tenho o vício de trabalhar e no dia que não venho aqui, só falto adoecer”.

A história da marca tem a ver com a de Seu Antônio. “Eu tinha um armazém que vendia de tudo, inclusive bebidas, mas na época eu não queria mais isso. Cogitei até abrir uma churrascaria”, conta o empresário. “Aí comecei a fazer um picolé de milho verde, que fez muito sucesso”, explica. Assim engatinhou o bem-sucedido negócio. A produção começou com apenas quatro formas e hoje tem 14, o que garante uma produção diária de 3 a 4 mil picolés, que custam R$ 1,50 cada.

Os sabores de frutas são feitos com as próprias e apenas na época delas. Mesmo depois de quase meio século na atividade, a criatividade para sabores ainda está viva. E fica mais aguçada quando é Inverno. O sucesso do momento é o picolé de morango com pimenta. Entre os cerca de 80 sabores, os que mais saem são amendoim e coco. Morango também sempre está no ranking dos mais bem pedidos. Dá para encontrar por praticamente toda a cidade. Afinal, quem nunca ouviu um “Olha o picolé Capelinha” pela rua, que atire a primeira pedra. De gelo seco.

Vá lá: R. Padre Antônio Viêira, 104, Capelinha.

ACARAJÉS DO RIO VERMELHOO tabuleiro de Dinha faz parte da Santíssima Trindade do acarajé do Rio Vermelho: tradição e badalação (Foto: Robson Mendes/Arquivo CORREIO)Se há um reino do acarajé em Salvador, ele com certeza fica no bairro do Rio Vermelho, lar dos tabuleiros de Dinha, Cira e Regina. No caso, vamos nos debruçar sobre aquele que ostenta a maior fila: o de Dinha. Não é exagero falar em dinastia do acarajé para se referir à família que há mais de 80 anos perfuma de dendê o Largo de Santana.

“Minha bisavó, Ubaldina de Assis, abriu esse ponto. Minha mãe começou a acompanhá-la aos sete anos. Um dia, ela ficou doente e minha mãe teve que cuidar sozinha do tabuleiro. Deu certo e um tempo depois o movimento tinha aumentado. Aos 10 anos, Dinha foi a baiana de acarajé mais jovem da cidade”, diz Elaine Assis, filha que está hoje à frente do tabuleiro, depois da morte de Dinha em 2008. Ela não fala em números, mas em 2015, ao CORREIO, sua irmã Cláudia, falecida em 2016, revelou que vendia até 800 acarajés às sextas e sábados.

Um acarajé ou abará custa R$ 9 com camarão. Sem camarão, sai por R$ 7. Aceita cartão de débito. “Minha mãe parou de estudar cedo, mas sabia fazer contas muito bem. Minha irmã foi a primeira baiana de acarajé formada e eu sou a primeira com pós-graduação”, conta Elaine, que é bacharel em turismo e especialista em produção de eventos. Inúmeros famosos já provaram das delícias do tabuleiro de Dinha: de Xuxa a Nizan Guanaes, passando por Jerry Adriani e Deborah Secco. Os negócios vão de vento em popa: há uma filial no Costa Azul e, entre empregados e familiares, são mais de 20 pessoas trabalhando.

Vá lá: Largo de Santana, Rio Vermelho.

CRAVINHO DO PELOURINHOA bebida que dá nome ao bar O Cravinho, no Pelourinho (Foto: Angeluci Figueiredo)A bebida mais famosa do Pelourinho surgiu há quase meio século. “Em minha mão tem 31 anos. Com meu tio tinha bem uns 15. Na época dele, o bar se chamava Cantina Continental. Mas a infusão com cravo, mel e limão já era popular e muita gente se referia como cravinho, apesar desse não ser o nome oficial. Aí adotei tanto para ela quanto para o bar”, conta Julival Santos Reis, 60. Antes de se dedicar ao negócio, ele trabalhou no Pólo Petroquímico de Camaçari, como supervisor de manutenção na Caraíba Metais e na Usiba.

“Com a terça da bênção, o movimento estava aumentando muito e meu tio estava se aborrecendo. Antes de ir para a Igreja, o povo passava pra se benzer com o cravinho. E na volta parava pra papear, discutir...”, explica ele. Se por fora parece mais uma casa colonial, por dentro o bar é cheio de barris de madeiras como carvalho, umburana e jequitibá, onde cerca de 30 opções de bebidas ficam amadurecendo. Além do carro-chefe, que vende até 100 litros por mês, tem infusões de Umburana, Jatobá, Pimenta da Jamaica, Catuaba, Canelinha e Erva-Doce. Há ainda as mais elaboradas, que misturam muitos ingredientes, como Senzala (vinho seco, catuaba, jatobá, mel e limão).

O copinho com 80 ml custa R$ 4. “O preço da dose sempre rivaliza com a passagem de ônibus. Só não está o mesmo preço porque arranjar moedas para troco está dificílimo”, brinca Julival. Dá para levar para casa garrafas de meio litro por a partir de R$ 14,80.

“A base de todas as bebidas é uma cachaça neutra e de baixo teor alcoolico. Coisa de 18 ou 19 graus, que diminui ainda mais com a mistura. Isso é pra ressaltar o sabor da infusão, que é uma bebida mais licorosa”, esclarece ele. Para beliscar acompanhando as infusões, tem petiscos como bolinho de bacalhau e moela (R$ 24). Funciona todos os dias, de 11h às 22h. Só abre exceções para poucos dias no ano, como 1 de janeiro, Dia de Finados e quarta-feira de cinzas.

Vá lá: Largo Terreiro de Jesus, 3, Pelourinho.

MOCOTÓ DA SETE PORTASO mocotó de Dona Glória faz a alegria de quem chega 6h da manhã à Feira da Sete Portas (Foto: Angeluci Figueiredo)Pense que tem gente que acorda cedo e 6h da manhã no fim de semana já está no restaurante de Dona Glória, no andar de cima da Feira da Sete Portas, para bater um prato de mocotó! Maria da Glória Sacerdote de Andrade, de 72 anos, há 20 vende mocotó e feijoada na feira. "Comecei com um box na rua da farinha que era pequenininho. A gente entrava de frente e saia de costas. Fiquei nove anos lá. Depois, tem uns 10 anos, surgiu o espaço aqui em cima e eu vim", conta ela, que trabalhava com confeitaria antes da experiência no ramo de comida pesada. "No início eu não gostava muito. Mas dei continuidade e hoje amo, adoro trabalhar aqui, estar com o povo. Deus foi muito generoso comigo e me deu uma clientela muito boa. Vou ficar aqui até o dia que Deus quiser", afirma Glória.

O mocotó custa a partir de R$ 19 (o prato-feito) e vai até R$ 55 (para três pessoas). Ambos vêm acompanhados de arroz e salada, que pode ser de couve ou de alface com tomate e cebola. Tudo, ela garante, da maneira mais leve possível. "Minhas coisas não têm aquela capa de gordura em cima", diz Glória. Da família, dois filhos de dona Glória ajudam no atendimento, além das funcionárias da casa. Ela conta que, em dias de muito movimento, já chegou a atender mais de mil pessoas num dia. E a frequência é variada: "vem desde o pessoal que trabalha na feira até gente que vem de longe, tipo Vilas do Atlântico. Muitos procuradores, desembargadores também", explica ela, toda prosa. 

Vá lá: Largo das Sete Portas, no Mercado das Sete Portas, a escada fica próxima à entrada do estacionamento.

FEIJOADA DA KOMBI 4 RODASA feijoada de Ana Maria, da Kombi Quatro Rodas, em Amaralina (Foto: Angeluci Figueiredo)A grande referência gastronômica das noites de Amaralina nasceu em 1988, no antigo Clube Português, com três quilos. De feijão. Quatro anos depois, a Kombi Quatro Rodas foi proibida de estacionar naquela região e Ana Maria dos Santos, 59, rodou a cidade não só com o feijão, mas com delícias tão leves e frugais quanto mocotó, xinxim de bofe e sarapatel. Na odisseia, teve os materiais de trabalho apreendidos diversas vezes. Por volta do ano 2000, achou o lugar que a levou à fama: o estacionamento de uma marmoraria na orla de Amaralina.

“Comecei a vender comida porque a situação financeira tava ruim. Eu trabalhava num restaurante na Pituba e meu marido, Gilvandro, estava desempregado. Foi a melhor coisa. Minhas duas filhas do outro casamento e o menino que tivemos juntos, todo mundo adulto hoje, foi criado no caldinho do feijão”, conta Ana Maria. E fazendo valer a máxima de onde come um come dois, ainda rolou uma adoção. Jorge Alves de Carvalho, 39 anos, chama a cozinheira de mãe e trabalha há mais de 15 anos no local. Mas se você perguntar pelo nome, ninguém conhece. Já Branca de Neve é conhecidíssimo. O apelido foi dado por Ivete Sangalo para o atendente-quase-garoto-propaganda, que é negro, tem quase 1,90 de altura e cerca de 130 quilos.

Os pratos mais pedidos são feijoada e rabada (R$ 39 cada, servem bem três pessoas) e não saem do menu um dia sequer. Só de grãos de feijão, às sextas-feiras, são 12 quilos. Durante a semana, abre 19h e fecha 4h30. De sexta a domingo, o negócio começa 20h e só acaba 7h. “Enquanto os farristas da madrugada tão na rua, a gente tem que tá aberto aqui, pra forrar o estômago do pessoal”, brinca Ana.  Só aceita dinheiro.

Vá lá: Av. Amaralina, 78. É a casinha no canto da loja Stones Viverpedras.

CACHORRO QUENTE DO TRAVESSASO cachorro quente do Travessas tem pão e molho artesanais: sucesso desde 1987 (Foto: Angeluci Figueiredo)Parece muito uma lanchonete simples de porta de escola dos anos 80/90 – e um dia até foi, quando o Colégio Estadual Divino Mestre funcionava ali na frente. Mas o Travessas é um verdadeiro fenômeno que faz o maior sucesso que comemora 30 anos este ano.

Semanalmente, o casal Ridalva e Egídio Erhardt vende mais de 3 mil cachorros quentes. O segredo? Ridalva diz que “é o amor”. “Eu mesma faço tudo com o maior carinho e passo isso para as pessoas que trabalham comigo. Tem gente que está aqui desde o início (em 1987)”, conta ela. Pra quem é mais pragmático, adianto logo que o pão é a estrela. “É receita minha, boto leite ao invés de água”, diz Ridalva.

O molho, 100% batido para evitar pedaços de tempero, é feito com tomate de verdade. O queijo parmesão é comprado inteiro e ralado no local. O cachorro-quente custa R$ 3,25. O litro de Coca-Cola sai a R$ 6. Aceita cartão de crédito, débito e funciona todo dia, de 9h até meia-noite. A maionese é artesanal, feita na casa. Os salgados, como coxinha e quibe, também são muito gostosos.

Vá lá: Fica na esquina da Rua dos Ossos com a Travessa dos Perdões, no Santo Antônio Além do Carmo.

MOQUECA DO YEMANJÁA moqueca do Yemanjá é clássico dos clássicos: fórmula tradicional e  referência desde a década de 70 (Foto: Angeluci Figueiredo)Muitas estátuas e pinturas de Iemanjá dividem as atenções com toalhas azuis claras e brancas sobre as mesas com capacidade para atender até 320 pessoas. Entre moquecas e ensopados de camarão, carros-chefes da mais famosa casa de comida baiana de Salvador, são vendidos cerca de 1.500 pratos por mês. Cada um serve até três pessoas, custa R$ 129,90 e vem acompanhado de farofa, arroz, pirão e feijão fradinho com camarão seco.

Tudo começou em 1974, quando uma cozinheira de mão cheia chamada Amália resolveu parar de vender comida no centro da cidade para abrir um restaurante na orla de Armação. “Ela fazia comidas esporadicamente e havia um clamor para ela ter um restaurante. O nome veio da filha dela, que sempre sonhava com uma mulher saindo do mar”, conta Thomas Vieira, atual gerente do estabelecimento. Ele é filho dos donos, que compraram o negócio em 1989 e hoje moram no Rio de Janeiro.

O motivo do sucesso, para Thomaz, é a constância. “É comer moqueca com mesmo sabor e a mesma qualidade sempre, feita com ingredientes de primeira, por uma equipe que tem muita experiência. Nossas cozinheiras têm bastante tempo aqui. Uma delas fez 30 anos de casa”, opina ele. Abre todos os dias, de 11h30 às 23h30.

Vá lá: Av. Octávio Mangabeira, 4661, Armação.

CAMARÃO DE JOÃOJoão do camarão, no Porto da Barra, onde ganhou fama: hoje se dedica a eventos e passou o posto na praia para o filho, Márcio (Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO)“Olha o Camarão do João!”: quem nunca ouviu essa cantoria nunca esteve no Porto da Barra. Hoje, João Arnaldo Oliveira Soares, 63, não pisa mais naquelas areias. Mas o Camarão do João continua lá. O cunhado, Santana, e o filho, Márcio, vendem camarão na bandeja todos os dias de tarde. Eles até brincam e cantam, mas a roupa supercolorida é exclusividade de João, que tem seis modelitos, todos com cores e padrões diferentes. “Como várias pessoas vendiam comigo, todo mundo era João. Aí comprei os tecidos e mandei fazer, pra me diferenciar. Só eu tenho aquelas”, explica.

Ele teve a ideia do negócio em 2000, na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, quando viu pessoas vendendo camarão no espetinho e resolveu trazer a novidade para Salvador. “Comecei em 2000, foi a primeiro trabalho com gastronomia. Antes, eu tinha uma barraca de frutas”, conta João. Um espetinho com cinco ou seis camarões, que pode ser regado com azeite de oliva, alho e limão, custa R$ 5. No auge, ele chegou a vender mais de mil espetos por dia. “Comprei carro, casa... mas hoje tá difícil. Meu cunhado vende tipo 30 unidades. O camarão tá caro. Prefiro trabalhar só em eventos”, afirma.

Vá lá: Porto da Barra.

QUEBRA QUEIXO DA REITORIAO quebra-queixo vendido por Seu Carlos, na Reitoria, pode ser encontrado ali há mais de 20 anos (Foto: Angeluci Figueiredo)Há 27 anos, o quebra-queixo de Carlos Almeida Trindade, 50, adoça o dia de quem passa perto da Reitoria da UFBA. Dois anos antes, o carrinho já passeou pelas ruas do Pau Miúdo, Barroquinha e Sete Portas, antes de se mudar para o Canela, onde ficou estacionado perto do COT. Já o endereço atual, em frente à clínica Bahia Imagem, é o mesmo há 20 anos: ele está lá de segunda a sexta, de 8h às 19h.

A receita do doce veio de Paripiranga, quase na divisa com Sergipe. “Um coroa tinha uma padaria e eu ajudava ele. Uma das coisas que ele fazia era o quebra-queixo e eu fui aprendendo. Quando ele veio para Salvador, pedi ao meu pai para vir junto e fiquei por aqui”, recorda Seu Carlos. Todos os dias, quando chega em casa, ele se junta à esposa e duas funcionárias para preparar os 50 quilos de doces do dia seguinte. Super macio, o quebra-queixo vem nos seguintes sabores: tradicional (coco), amendoim, goiaba e abacaxi.

A menor porção, uma fatia, começa em R$ 1. Porções maiores custam R$ 3 e R$ 5. No pote, dura até 3 meses. “Não penso em parar tão cedo. É uma coisa que não tem pela cidade, só eu mesmo. Amo meu trabalho e a cada dia que passa tento melhorar. Quando eu me aposentar, não vai mais continuar aqui porque minhas filhas não têm interesse. Se aparecer alguém, eu ensino, porque não tem quem continue. É meio difícil, mas dá para aprender”, diz Seu Carlos, sempre de jaleco branco.

Vá lá: R. Padre Feijó, 73, ao lado da reitoria da UFBA.

SORVETE DA RIBEIRAA Sorveteria da Ribeira tem sabores que misturam técnica italiana a frutas tropicais desde 1931 (Foto: Angeluci Figueiredo)Pinha, biribiri, cajá, siriguela, sapoti, jaca e mangaba são apenas alguns dos 66 sabores da Sorveteria da Ribeira. A mais tradicional de Salvador está na mesma casa, de frente para o mar da Ribeira, desde 1931. Nasceu pelas mãos do italiano Mario Tosto, que tinha uma pizzaria e fazia os gelados apenas para presentear clientes. A mistura da técnica artesanal europeia com as frutas tropicais fez tanto sucesso que pouco tempo depois saiu o forno e entraram os freezers.

Na década de 60, um espanhol chamado José Lourenzo, que trabalhava lá como gerente, comprou a empresa. Até que o empresário Francisco Carlos Lemos, então morador do Caminho de Areia e fã de longa data dos sorvetes e cascalhos, realizou o sonho de toda criança: comprou a sorveteria toda em 2008. Rolou uma ampliação, mas tudo continua bem com a cara de antigamente. Bem, quase tudo.

“Sempre buscamos trazer novidades. Tanto de frutas quanto de outras combinações, como por exemplo o de Ferrero Rocher, que tem como base o chocolate italiano”, explica a chefe de produção Patrícia Silveira. Uma bola custa R$ 8 e duas, R$ 15. Aceita cartão de débito.

Vá lá: Praça General Osório, 87, Ribeira.

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