Conheça a baiana cega que ensina massoterapia a outros deficientes visuais

Formada em história, Claudia Lima foi diagnosticada com glaucoma aos 22 e nunca abandonou o dom de educar

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  • Gabriel Moura

Publicado em 15 de agosto de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Pra muita gente, aquele era só o último dia de um mês de outubro. Mas, para Claudia Lima, aquele 31 de outubro de 1990 tinha muitos significados. Ela comemorava o aniversário de 15 anos e fez com que o dia fosse intenso e bem especial. Viu amigos e familiares, dançou e se divertiu muito. Mal sabia que era uma espécie de despedida. A partir daquele dia, nunca mais enxergaria a vida da mesma forma. É que, no dia seguinte, ao abrir os olhos, sua retina havia descolado e ela não via mais nada. Em meio a escuridão, se reinventou. E foi redescobrindo os outros sentidos que conseguiu seguir em frente e hoje compartilha seus aprendizados com outros cegos como ela. "Você pode imaginar o quão difícil para alguém é perder a visão, principalmente para mim, que durante a maior parte da minha vida pude contemplar o mundo com todas as suas cores. Além disso, tive que abrir mão de muitos sonhos", diz Claudia, que hoje está com 43 anos.Após o descolamento da retina, teve que ir para Belo Horizonte fazer uma cirurgia e conseguiu recuperar a visão momentaneamente. Mal sabia que sua trajetória de perdas tinha apenas começado. Daí em diante, foi um problema atrás do outro, até deixar de enxergar completamente. 

Aos 22 foi diagnosticada com glaucoma. Já aos 32, por conta de uma uveíte, perdeu o olho esquerdo. "Hoje eu uso uma prótese, que chamo de “olho de boneca”, conta. Aos 39 anos ele se encontrou na massoterapia e, desde então, faz com que outras pessoas que, assim como ela, não enxergam, sejam seduzidos pela técnica.

Ela conta que desde pequena sonhava em ser professora, que tinha o dom. Chegou até a ensinar História por um período, mas logo teve que parar. "Não dá para lecionar sem poder ler, não é? Foi duro quando soube que precisava abandonar a lousa e o giz. Cheguei a entrar em depressão por alguns meses", lembra.

Foi então que ela se deu conta que precisava reagir. "Percebi que aquilo não combinava comigo. 'Eu visto PP e você usa M', disse para a depressão e, assim como entrei, saí sozinha dela. 'Por que ficar em casa comendo adoiado e chorando pelos cantos quando eu posso sair e conquistar o mundo?', me perguntava. Eu não deixei de viver, tenho apenas uma limitação, como qualquer um tem. Só que ainda não havia descoberto minha vocação", ressalta.

Sua história começou a mudar após um amigo indicar um curso de massoterapia. Ela conta que no começo ficou um pouco desconfiada, fez um curso de quatro meses, mas não se convenceu de que a técnica podia fazer a diferença na sua vida. Persistente, resolveu dar uma segunda chance."Fiz outra formação, desta vez, de um ano, e me apaixonei. O que me chamou a atenção foi que nas aulas de massagem, todos estavam vendados, no escuro igual a mim", destaca. Foi ali que ela aprendeu o quanto poderia explorar os demais sentidos. "Percebi que os enxergantes têm a visão, mas acabam se esquecendo dos outros sentidos. Fiquei encantada quando entendi que é através do tato que temos a verdadeira percepção. Eu consigo ver se a pessoa é gorda, magra ou alta. Não sei a cor delas, mas conheço a sua formação óssea e muscular. Até se você bebe água direito eu vejo", diz.  Claudia começou a perder a visão aos 15 anos (Foto: Marina Silva/CORREIO) Depois que tudo aquilo passou a fazer sentido, logo começou a meter a mão na massa. Todos os dias pegava a maletinha, saía da Caixa D’Água, onde mora, e explorava a cidade toda para atender clientes em domicílio. Brotas, Pituba, Paralela… Estava indo tudo às mil maravilhas. "Até emprego fixo em uma clínica eu consegui. Mas aí sofri um infarto. Por questão de 15 segundos não passei dessa pra melhor. O maior problema nem foi esse, mas sim que precisei de licença médica e, consequentemente, não pude mais dar massagens por um período", conta.

Nesse intervalo, viu aquela Claudia do passado reaparecer. "Lá estava eu de novo, ficando em casa comendo adoiada e chorando pelos cantos. Até que tive um estalo. Se eu posso dar aulas para os enxergantes, por que não transmitir meus conhecimentos para meus pares, cegos que nem eu? Foi aí que, curiosamente, após a cegueira e o infarto me reencontrei com meu dom: ensinar", afirma.

Foi então que, em parceria com a Associação Baiana de Cultura e Inclusão (ABACI), montou o grupo “Massagem às Cegas” e hoje tem 12 alunos. A intenção das aulas não é apenas ensinar uma técnica, mas mudar a vida dos alunos. "Sempre digo a eles que o meu desejo é que eles sejam vistos e reconhecidos pelo que são, pelas qualidades, e não por um mero detalhe como a cegueira. Ora, não é porque perdeu a visão que precisa cruzar os braços e abandonar a vida", filosofa.Hoje, ela se enche de alegria quando conversa com os alunos e percebe o impacto que o Massagem às Cegas causou na vida deles. Cita o exemplo do aluno Edvaldo Palma, que em poucos meses já disse que as aulas o ensinaram a ser mais solidário, a trabalhar em equipe e, principalmente, a ter mais compromisso e responsabilidade. 

A mais recompensa de tudo isso é saber que os alunos, cegos como ela, já  estão trabalhando como massagistas. O grupo participou da Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho, com foco em saúde mental, organizada na Rede Bahia. "Diante disso, me lembro de um juramento que fiz quando me formei como professora, aos 23 anos. Prometi que ia ensinar para sempre e, apesar de todos os percalços da vida e desta limitação, consegui cumprir o que disse. Por isso, posso dizer que hoje eu sou muito feliz". 

* Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro