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Fernanda Santana
Publicado em 17 de novembro de 2019 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
De frente para a Praia de Busca Vida, no litoral norte baiano, Arthur Sehbe via a maré enchente carregar toneladas de óleo ora para o mar, ora para a superfície. A cena, desesperadora a seus olhos, se repete em imagens de praias que recebe constantemente no celular. A rotina mudou desde a chegada do óleo a Salvador, no dia 11 de outubro. Ele, que nunca se afastou do mar, vai à praia apenas para mutirões de limpeza. >
Um dia antes do óleo chegar a Salvador, o surfista, engenheiro civil e tecnólogo em saneamento ambiental também retornava de Brasília, depois de um curso de agricultura sintrópica. Nesse modelo, antes de brotarem as frutas e legumes, é preciso organizar, integrar e equilibrar o ambiente. As imagens que recebia das praias manchadas de preto, no entanto, eram o oposto de qualquer ecossistema equilibrado. “Comecei a mandar mensagem para os amigos, a galera se prontificou a ir, a ajudar”, lembra Arthur, 34, que, sem saber, criaria o maior grupo de voluntários dedicado à limpeza das praias manchadas pelo óleo, os Guardiões do Litoral.Até o último domingo (10), o grupo realizou mutirões todos os dias, que se estenderam ao norte e sul do litoral. Nas primeiras três semanas, não dormia mais de três horas por dia. Era necessário, juntamente com os amigos agora reunidos em um grupo, conseguir o máximo possível Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Os voluntários não entram no mar, muito menos tocam no petróleo, sem proteção. >
Há 10 anos, Arthur trabalha, justamente, com tratamento de água e resíduos em uma empresa no Polo Petroquímico. Lá, lida com resíduos considerados perigosos como borras oleosas. Conhecedor dos possíveis riscos à saúde através do contato com substâncias tóxicas do petróleo, Arthur não arrisca sequer um mergulho. Como estava em Brasília antes do retorno a Salvador, já são 50 dias longe do mar - o máximo de que tem lembrança."Tenho receio de entrar no mar porque, sim, acredito que há possibilidade de contaminação”, diz ele.A relação com o mar, no entanto, é mais antiga, de uma infância que já começou dentro da água. >
Praia do Buracão Das janelas e do quintal da casa onde morou desde a infância até este ano, no Rio Vermelho, a vista era a Praia do Buracão. Aos oito anos, Arthur começou a mergulhar. Pouco depois, entre os 11 ou 12, veio o surfe. O pai, Miguel – gaúcho de Porto Alegre como Arthur –, era a principal referência. A influência se estendeu ao irmão, também Miguel, que hoje, também, faz parte dos Guardiões. >
A família chegou a Salvador quando ele ainda tinha quatro anos. Desde então, o mar é sua companhia. Já mergulhou a 25 metros da superfície em Porto do Sauípe. Submerso, vê a vida marinha de perto. >
Como desce sem acompanhamento de equipamento, apenas com o próprio treino de respiração, o mergulho é silencioso e os peixes chegam perto, não temem a proximidade.>
A poluição vista entre crustáceos e peixes o levou a uma reflexão sobre tudo que consome."A quantidade de materiais de origem de petróleo que consumimos: desde a tinta até o corrimão. Não adianta só eleger culpados, porque as vezes a gente mesmo é o culpado", acredita.A relação com o mar e a natureza o levou à Universidade de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo, para estudar tecnologia e saneamento ambiental. Era a primeira vez longe da praia. Não conseguia ficar duas semanas sem descer para o litoral paulista.“Eu não aguentava. Para mim está sendo um esforço triplicado não entrar no mar”, conta. Antes de se formar, em 2006, trancou a faculdade e viajou para o Havaí. Na temporada havaiana, chegou a surfar uma onda de cinco metros. O surfe era sua atividade diária. Depois, emendou Indonésia e Nova Zelândia, onde morava sozinho em uma van. >
O intervalo nos estudos e a dedicação ao mar – pagos com um trabalho noturno que teve em São Paulo – durou um ano e dois meses. Retornou a Campinas apenas para terminar a graduação. O retorno ao mar de Salvador aconteceu logo depois. Aqui, estudou, ainda, Engenharia Civil. >
Equilíbrio O celular está sempre à mão. As atuailizações sobre a chegada do óleo em diferentes pontos da Bahia são enviadas instantaneamente. “Caramba, parece que não acaba", exclama ao lembrar de um dos dias em que esteve em Busca Vida. >
Atualmente, são 18 pessoas envolvidas na coordenação dos Guardiões e outras 100 mobilizadas diretamente na realização de ações. Desde o início, foi preciso, também, se tornar um pouco empresário. A compra de equipamentos de proteção, por exemplo, é possibilitada por doações. >
O dia inicia já às 5h20 para Arthur. É quando começa a se preparar para as viagens diárias à Camaçari. Desde os primeiros dias de mutirão nas praias, precisa dividir a atenção entre o trabalho e voluntariado. “Conversei com meu chefe, tinha horas na casa também“, conta. >
À noite, e durante os finais de semana, o yoga também faz parte da rotina. Na verdade, costuma dizer que pratica yoga 24 horas por dia. Às segundas e quartas, em um espaço no bairro da Pituba, Arthur também dá aulas noturnas de yoga para crianças. Os alunos e alunas tem entre 6 e 11 anos.“O yoga é meu ambiente interior e o esporte é meu exterior. Ficou essa comunicação dos dois. É uma relação importante“, diz. Quando conversou com a reportagem, por telefone, Arthur estava em São Paulo. Retornou, desta vez, para falar sobre o desastre ambiental nas praias do Nordeste com o apresentador Pedro Bial, no Conversa com o Bial. A edição deve ir ao ar no próximo dia 27 de novembro.>
Ainda assim, estava atento à situação na Bahia. Menos de cinco horas antes da entrevista, na última quinta (14),soube da chegada do óleo à Praia de Cumuruxatiba, no município de Prado, no Sul da Bahia.>
As ações continuam e, agora, Arthur e os outros voluntários tentam pensar como podem ajudar, a médio e longo prazo, os impactados. Da própria natureza aos que, diretamente, dependem do mar e dos manguezais para sobreviver. “Legal vai ser quando divulgarem informações consistentes, análise de sedimentos, análise dos crustáceos“, avalia.>
O óleo ainda não acabou, ele faz questão de frisar. Mas a torcida de Arthur, refletida no trabalho, é que acabe o quanto antes. Para que possa voltar ao mar de onde nunca deveria ter saído. >