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Tailane Muniz
Publicado em 4 de fevereiro de 2017 às 08:21
- Atualizado há 2 anos
Era Carnaval de 2009 quando, acompanhada do pai, a esteticista Larissa Oliveira, 23 anos, viu o bloco do Ilê Aiyê passar. Na época, com 16 anos, se encantou pela mulher negra que representava o Ilê no ponto mais alto do trio elétrico. Mal sabia que, sete anos depois, em 2016, seria eleita a Deusa do Ébano. “É um amor que vem de pai, mãe e avó”, diz a atual deusa. Hoje, ela é inspiração para as 15 jovens que disputarão, nesta noite, o título de Deusa do Ébano na 38ª edição do evento, que acontece na sede do bloco, na Senzala do Barro Preto, no Curuzu. Ao todo foram 60 inscritas.>
Quem mora no Curuzu sabe que todo ano a Senzala do Barro Preto se prepara para eleger sua nova rainha. Porém, rompendo as barreiras do bairro, meninas de diversas partes da cidade participam das seletivas. De Itapuã à Fazenda Garcia tem mulher querendo virar rainha. Assim como Larissa, outras concorrentes dão a entender que o título é algo que reúne a família na torcida e na inspiração. >
Elaine Cristina Silva, 28, conta que foi influenciada pelos pais e desde pequena sonha em ser a Deusa do Ébano. Juciara do Espírito Santo, 35 anos, que é sobrinha de compositor, sempre foi ligada à música afro. “Meu tio não é conhecido, mas escrevia músicas para o Ilê, foi aí que tudo começou”, recorda ela, que já tentou ser deusa oito vezes. Já Gisele Santos Soares, 24 anos, compara o bloco à maternidade. “Duas coisas que eu amo muito: O Ilê e ser mãe”. >
Concorrendo pela segunda vez ao título, Camila Cruz, 25, defende que o concurso representa a ascensão e empoderamento da mulher negra suburbana. “Meu desejo é mostrar ao mundo as pessoas que são ofuscadas pelo racismo”, diz a moradora de São João do Cabrito, em Plataforma. Daiane Souza, 24, nascida e criada em Itapuã, berço do Malê Debalê, foi deusa em 2013, estuda Pedagogia, mas gosta mesmo é de sambar. Pelo quarto ano consecutivo, tenta o título de Deusa do Ébano. “É um momento que é nosso, que provamos que é possível”. >
Outra devota do samba é Ana Paula, 25. Embora pareça tímida, é só tocar um samba para ela tirar os pés do chão. Com sorriso largo, divide a paixão pelo Ilê Aiyê com os pais, sócios do bloco há 30 anos. “Quero mostrar que uma negra também pode ocupar um lugar de destaque na sociedade”.>
Ação afirmativaDiretora do Ilê Aiyê, Arany Santana explica que o concurso é uma política de ação afirmativa feita para a mulher preta. “Surgiu na ditadura, quando era o absurdo dos absurdos ver uma mulher negra na posição de rainha. Só existiam concursos dentro daquele padrão branco. O quadril, cintura, cor dos olhos e tamanho dos cabelos”, lembra. Para ela, a Noite da Beleza Negra é a materialização da resistência. “É um legado. Nós ensinamos ao povo preto quem são nossos heróis e heroínas, coisa que a historiografia nunca fez”. >
Cibele da Silva, 28, é afroempreendedora, trabalha com turbantes, maquiagem e culinária voltados à cultura negra e atribui sua consciência negra ao Ilê Aiyê. Com firmeza na voz, diz que a mulher tem que se impor. “Para ser Deusa do Ébano, tem que se amar e se respeitar enquanto mulher”.>
Quem também aprendeu com o mais belo dos belos foi a estudante Thuane Vitória, 19. Ela diz que o Ilê Aiyê lhe ensinou tudo sobre consciência negra e respeito ao próximo. “Sou filha adotiva de um casal de mulheres, o que envolve uma dificuldade de aceitação. Encontrei aqui o apoio e a defesa que preciso”, pontua.>
Segundo o presidente do Ilê, Antônio Carlos dos Santos, o Vovô, o desejo de fazer algo que fosse direcionado apenas para as mulheres negras surgiu junto com o bloco. “É aquela coisa do reconhecimento que nunca existiu”. A baiana de acarajé Viviane Lopes, 26, diz que a vontade de ser deusa surgiu ao ver, há oito anos, o desfile do bloco “O arrepio foi súbito”. Já a estudante de Enfermagem Suane Emile Góis, 24, sempre quis participar, mas tinha vergonha do corpo. “Acompanho o bloco há 15 anos, mas sempre tive vergonha de me candidatar”, recorda. >
Participando pela primeira vez, Honara Santos da Paixão, 20, diz que sua maior inspiração pelo Ilê veio da mãe. “Ela desfila desde sempre e passou o amor pra mim”. Em meio às estreantes, há candidatas persistentes como Daniele Nobre, 31, que tenta o título pelo 8º ano - em 2008 ficou com o 3º lugar, em 2013 com o 2º e, em 2016, bateu na trave mais uma vez, conquistando o segundo lugar. >
A abertura acontece às 21h, com a entrada das candidatas. Em seguida, tem apresentação de Denise Correia, Juliana Ribeiro e do Balé do Ilê. As apresentações são intercaladas com show da Banda Aiyê. Também participam da Noite da Beleza Negra o ator Érico Brás, as jornalistas Wanda Chase e Rita Batista, além das cantoras Larissa Luz e Daniela Mercury. Os artistas abriram mão do cachê e participam como voluntários, já que o bloco está com dívidas de mais de R$ 600 mil, conforme informou o CORREIO. >