Conheça Jedilson, motorista e ator que vive nas ruas de Salvador

Ele conta já ter sido chofer de Bell Marques; agora faz teatro e compõe músicas

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  • Carol Aquino

Publicado em 1 de dezembro de 2017 às 03:03

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

De motorista a morador das ruas do Aquidabã, em Salvador. Esse é um resumo simples da história recente de Jedilson dos Santos, 35 anos. No entanto, o homem de sorriso tímido que abordou a reportagem do CORREIO para avisar da realização de um sarau de poesia tem muita história, parte dela contada nas linhas que seguem.

O tal sarau se chama Nasce e Gira Arte, e ocorrerá às 16h desta sexta-feira (1º), no Campo da Pólvora. Queria ajuda na divulgação, está dada. 

Como quem escolhe bem as palavras que diz, ele avisa que faz parte do projeto Corra Pro Abraço, no qual, a rigor, é um dos acolhidos. 

E acolher, aceitar seu status de pessoa em situação de rua, é importante destacar, parece um tanto estranho. Estereótipo é uma coisa, né? Mas, sim, Jedilson não parece alguém que não tem uma moradia digna para, digamos, se cuidar melhor. De banho tomado, com roupas sem sinal de sujeira, cabelo arrumado e barba cuidada... Realmente, ele não corresponde às ‘expectativas’. E rebate a essa reação da repórter.“Não é porque a gente é morador de rua que tem que andar maltrapilho, né?”, fala. Ele conta que se esforça para se manter bem cuidado. Procura um Centro POP, alguma casa de acolhimento, ou até uma fonte para se banhar. “Como o evento aqui era cedo, eu fui até a bica da Fonte Nova e me lavei. Não queria chegar aqui fedendo”, explica. Ele se referia ao seminário Cartografias dos Desejos e Direitos: Quem São as Pessoas de Rua, Afinal?, que teve parte da programação realizada no auditório das Doroteias, no Garcia, nesta quinta-feira (30). Na ocasião, foi divulgado um levantamento, feito pelo Projeto Axé, Ufba, Defensoria Pública e Movimento Nacional da População de Rua que indica que Salvador tem entre 14 mil e 17 mil pessoas vivendo nas ruas. Jadilson, você já sabe, é um deles.

Ao contar sua trajetória e o impacto do projeto Corra Pro Abraço na sua vida, pede desculpas. “Eu ainda estou aprendendo a conversar com as pessoas”, conta.  Jedilson com casal de amigos que também está em situação de rua (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Há um ano foi abordado por um dos membros do Programa Corra pro Abraço, que procura garantir os direitos de usuários de drogas em vulnerabilidade social. Entre outras ações, a iniciativa realiza oficina de arte-educação e faz uma política de redução de danos. 

Ele fala da mudança que ocorreu na sua vida após a abordagem do projeto. “Faço curso de redução de anos. Diminuí o uso de drogas e a minha agressividade. O programa vem me ensinando a me comportar, a abordar as pessoas como eu te abordei hoje”, relata. 

Com alegria, ele cita o seu trabalho artístico.“Hoje eu faço teatro e compus duas músicas para um CD que a gente (do programa) vai lançar”, propagandeia.A arte parece que é o alívio para a vida difícil das ruas e da dificuldade de quem está tentando retomar as rédeas da própria vida, que aparenta ter sido destruída pelo uso de substâncias psicoativas. “Eu vim parar na rua porque perdi o emprego no final de 2013, início de 2014. Já fui motorista de Bell Marques (cantor), depois motorista de ônibus, tenho carteira de categoria D”, lembra, com orgulho aparente.A assessoria do cantor ficou de dizer se, de fato, ele já foi chofer da estrela do axé... Mas, que importa agora?

Sem família em Salvador – o pai já morreu e a mãe vive no interior de Sergipe –, ele preferiu ir para as ruas a ir atrás de parentes no estado vizinho.

Onde comer Nas avenidas movimentadas, ou em becos e vielas, diz conseguir se alimentar. “Os colegas sabem onde arranjar comida”, conta, se referindo aos outros ocupantes de um espaço usado como moradia no Aquidabã.“Eles dizem onde tem almoço. Sei que quarta a sopa sai aqui no Garcia, quinta em Nazaré”, diz, revelando as estratégias da batalha diária pelo sustento. E é na hora de buscar comida mesmo que enfrenta alguns dos principais problemas de não seguir certo estereótipo. “A pessoa olha para mim e diz: isso aqui é para morador de rua. Eu não tenho a situação visual de um morador de rua”, fala. Atribui a isso, no entanto, um lado bom: não passa por situações de violência semelhantes àquelas que alguns de seus amigos passam. “Por isso, eu faço questão de dizer que moro na rua”, reforça.  Jedilson vive atualmente na região do Aquidabã, mas espera voltar a viver num lar (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Agora, ele diz estar em processo de preparação para voltar ao mercado de trabalho. “Estou em tratamento por causa de dependência química. Eu tava uma pessoa que marcava um compromisso e deixava a pessoa na mão. Eu começava um emprego e dois, três dias depois eu largava. Quem vai querer alguém que você paga para ir trabalhar e a pessoa não aparece?”, diz, com certo constrangimento. 

Quando perguntado sobre quais são os seus sonhos, seus planos para o futuro, Jedilson fica vermelho e para um minuto para pensar e buscar algo perdido dentro de si: “Meu sonho… Meu projeto de vida é me engajar em um grupo para ajudar as pessoas na rua. Acho também que é me encontrar”.