Conselho Tutelar reprova medida de não renovar matrícula de estudantes

Portinari decidiu não renovar matrícula de alunos envolvidos em caso de racismo contra aluna negra e filha do porteiro

  • D
  • Da Redação

Publicado em 23 de novembro de 2021 às 20:35

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Após decisão do colégio Cândido Portinari, no bairro Costa Azul, em Salvador, de não renovar a matrícula para 2022 dos estudantes que fizeram ataques racistas a uma colega de classe e filha do porteiro da instituição através de um grupo de WhatsApp do 8º ano, o Conselho Tutelar afirmou que não concorda com a medida que foi tomada pela escola e que a exclusão desses alunos não é a melhor solução. 

Segundo nota do Portinari, a decisão do colégio foi tomada depois do acompanhamento do caso pelo Conselho de Classe, um órgão deliberativo do Colégio e do "encaminhamento de uma consulta ao Conselho Tutelar".

Responsável pela região do Costa Azul, o Conselho Tutelar da Boca do Rio ainda não se reuniu em colegiado para emitir um parecer sobre o caso de racismo ocorrido na instituição de ensino. “A diretora da escola entrou em contato com a gente e enviou um relatório do fato ocorrido, mas, até o momento, nosso colegiado ainda não se reuniu para deliberar uma resposta, então não houve nenhum posicionamento do Conselho Tutelar da Boca do Rio”, afirmou a coordenadora do órgão, Sileda Muniz. 

Segundo ela, a medida de não renovar a matrícula dos alunos não encaixa no contexto, visto que se trata de crianças e adolescentes que possuem direitos e garantias prioritárias. “A questão da exclusão não seria o melhor discurso. Nós não concordamos com isso”, declarou a coordenadora.  

Uma ex-aluna do Colégio  Portinari, Rebeca Andrade, 24 anos, afirma que já presenciou várias atitudes racistas dentro da instituição. A jovem conta que quando estudava no Portinari, em 2014, um homem negro entrou pra ser professor de geografia, mas ele morava muito longe e chegava atrasado às vezes porque morava na Cidade Baixa e vinha de ônibus. “Naquela época, todo professor tinha que levar seu computador pra dar aula, só que ele, se não me engano, foi roubado e ficou sem. Por isso, um amigo meu começou a levar o computador para emprestar ao professor”, explicou a jovem. 

A partir disso, segundo Rebeca, os alunos da época passaram a reclamar que o professor não possuía o próprio material e que ele falava algumas coisas erradas. “Ele não falava errado, o sotaque dele era diferente do nosso. Os estudantes começaram a fazer várias queixas para a diretoria do colégio. A gente tinha outros professores negros na época, mas ele era o único retinto e que falava com muito orgulho de onde morava, o quanto ralava para estar ali e o quanto a gente deveria valorizar o que tínhamos. No fim do ano, após muitas reclamações dos alunos, a escola deu as contas dele. Eu e um grupo de amigos ficamos arrasados porque isso era claramente um racismo velado, não tinha motivo nenhum para ele ter saído da instituição”, destacou. 

Entenda o caso Uma estudante de 14 anos foi vítima de ataques racistas através de mensagens enviadas em um grupo de WhatsApp de alunos do Cândido Portinari. Os insultos aconteceram no último dia 13. A menina, negra e moradora da periferia da capital, foi atacada por um colega da mesma idade, no grupo de uma das turmas do 8º ano. "Vamos fazer uma vaquinha pra te tirar da favela", e "Existe inocente na favela? Só na globo" são alguns dos insultos racistas que o jovem profere, ao que é respondido com protestos da garota.

O caso só foi denunciado após a visibilidade de um caso parecido de racismo em outro colégio particular, a Escola SEB Sartre, que foi acusada de omissão por pais e estudantes da unidade Itaigara, em Salvador. Segundo a denúncia, a unidade escolar não tomou uma ação “enérgica” após o vazamento de conversas, trocadas por pelo menos sete estudantes do 1º ano em um aplicativo de troca de mensagens virtuais, que evidenciaram diálogos de cunho racista e de ódio à comunidade negra.  “Pretos morram”; “Pode macaco no gp?”; “Baniram piada de negros porém não sabem que os negros já são a piada” são alguns dos trechos. Após alguns dias, o colégio tomou uma decisão e afastou os sete estudantes envolvidos na troca de mensagens de cunho racista. 

Em 2018, alunos do Colégio Antônio Vieira (CAV), uma das instituições mais tradicionais de Salvador, também trocaram mensagens de cunho racista em um grupo de WhatsApp. “Eu tenho vontade de dar uma paulada na cabeça dela”, “Tortura essas p*** dando 5 facadas logo”, “Que tal mandar os bandidos pras reservas indígenas? Aí eles se matam e matam os índios também”, “Índio é inútil, só serve pra ter feriado” foram algumas das mensagens. O grupo era batizado de “Direita Delirante”, com cerca de 120 membros. O ex-professor de química do CAV, Marivan Santos, na época, era um dos integrantes do grupo e pediu afastamento por tempo indeterminado das atividades. 

*Com supervisão da subchefe de reportagem Monique Lôbo