Construção de usina põe em risco mais de 900 ararinhas azuis ameaçadas de extinção

Complexo eólico deve ser construído em Canudos, área de conservação da espécie

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 7 de julho de 2021 às 05:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação/Change.org

Uma petição online que já reúne mais de 46 mil assinaturas no Brasil, França e Estados Unidos quer impedir a construção de um complexo eólico em Canudos, na região da caatinga baiana, a 400 km de Salvador. O argumento é que o empreendimento, liderado pela multinacional francesa Voltalia, pode colocar em risco a vida das cerca de 900 araras-azuis-de-lear que habitam a região. A espécie está em perigo de extinção e é endêmica da caatinga brasileira, ou seja, não é encontrada em outros locais do país e nem do mundo. No Brasil, existem apenas 1.800 indíviduos dessa espécie. 

A região onde o complexo será construído engloba a Estação Biológica de Canudos, área de preservação da arara-azul-de-lear instituída pela Fundação Biodiversitas, que se dedica à conservação de espécies ameaçadas de extinção há cerca de 30 anos. No projeto, está prevista a instalação de 81 turbinas eólicas, divididas em duas fases. O complexo deve ter, ainda, uma rede de transmissão de energia de 50 km, adentrando o município de Jeremoabo, que venderá toda a eletricidade produzida no local à Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). 

O abaixo-assinado foi criado na plataforma Change.org no dia 5 de junho. A criadora, Náthaly Marcon, de 18 anos, é ativista da causa animal, defensora das araras-azuis e estudante de auxiliar de veterinária. “Eu me deparei com a notícia do complexo eólico e fiquei indignada. Eu fui me aprofundar no assunto e vi que, de fato, a construção poderia representar um perigo enorme para as araras e então decidi criar o abaixo-assinado”, explica. Náthaly ainda coloca a sua principal preocupação: “No local, vem sendo feito um trabalho de conservação que vem conseguindo alcançar o crescimento da espécie e, com esse complexo, todo esse esforço pode ir por água abaixo”, acrescenta. 

Como além de voar em pares, essas aves também se locomovem em bandos, caso colidam com as turbinas, muitas podem morrer, levando, em pouco tempo, à diminuição de sua população. “Elas sempre voam em pares ou em bando, saindo por volta de 5h30 da manhã, em revoada em direção às áreas de alimentação. No final da tarde e início da noite, elas retornam às suas casas para dormir. O complexo eólico está no meio desse percurso e é aí que está o risco de colisão com as turbinas e, consequentemente, a morte desses indivíduos”, explica Gláucia Drummond, bióloga e superintendente geral da Fundação Biodiversitas, instituição coautora da petição.

Gláucia explica que é importante que o país substitua energia proveniente de combustíveis fósseis por matrizes mais sustentáveis, como a solar e a eólica, mas que esse movimento não pode ser feito colocando em risco a vida de animais. “A energia eólica é uma matriz sustentável e a Biodiversitas é a favor disso,mas nós ficamos preocupados porque a área de construção fica exatamente na rota que a espécie utiliza e as usinas eólicas trazem muitos prejuízos para os animais voadores. No Brasil, a gente não tem tradição de monitoramento desse impacto, mas, em países que fazem esse monitoramento, os números de mortalidade provocada por acidente nas usinas são muito altos”, destaca.  Foto: Divulgação/Change.org A bióloga e superintendente da Fundação Biodiversitas ressalta a importância da espécie arara-azul-de-lear e a necessidade de preservá-la. “É uma espécie considerada em perigo de extinção pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), eleita uma das sete maravilhas da natureza e é endêmica da Caatinga baiana, ou seja, é um patrimônio nacional. Precisamos ter orgulho das nossas espécies e protegê-las. Não podemos deixar uma empresa internacional gerar energia com os nossos recursos e ameaçar uma espécie que é nossa, ainda mais descumprindo a lei”, argumenta Gláucia. 

Divergências

Segundo a Biodiversitas, um dos pontos que mais chama a atenção sobre o empreendimento é que a Voltalia não precisou apresentar para o Instituto Do Meio Ambiente E Recursos Hídricos (Inema) um licenciamento ambiental completo para obter a permissão para a obra. Uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece a exigência de Estudo de Impacto Ambiental completo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), além de audiências públicas, para plantas eólicas que estejam situadas em "em áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção e endemismo restrito".

“O que mais nos assusta é que a empresa foi dispensada de fazer um estudo completo prévio. O Inema não solicitou o estudo antes de conceder a licença de instalação. Nós fizemos um ofício para o Inema questionando isso, já que existe uma legislação no Brasil que é muito específica quanto à necessidade desses estudos completos em empreendimentos eólicos onde haja animais de espécie ameaçada. Até agora, não obtivemos nenhum retorno”, aponta Gláucia. 

A Fundação defende que os estudos sejam feitos para que seja possível apontar os impactos da construção do complexo eólico e que providências sejam tomadas. “O ideal é que a empresa mude a localização do complexo, mas a partir dos estudos é que vai ser possível definir isso. Se não tiver estudo, o risco é muito grande porque o potencial de impacto é nítido. Nós estamos abertos ao diálogo, mas não vamos abrir mão de insistir para que a legislação seja cumprida”, finaliza a bióloga.

O que diz a empresa?

A empresa Voltalia Energia do Brasil enviou uma resposta aos assinantes da petição afirmando que “possui todas as licenças necessárias para a fase atual do parque eólico e que já realizou e permanece realizando diversos estudos para avaliação e monitoramento de potenciais impactos na região, com propostas de ações de controle e preservação, reafirmando seu compromisso com o meio ambiente”, diz a resposta.

A Voltaria acrescenta que está ciente da petição e aberta ao diálogo. Além disso, reforça que “é produtora de energia limpa, com projetos alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, e reforça o seu respeito à biodiversidade e ao Brasil, país onde está presente há mais de 15 anos”.

“Como parte da aprovação do licenciamento ambiental expedido pelo Inema, a Voltalia está desenvolvendo os Programas de Conservação da Arara-azul-de-lear e Conservação do Licuri, principal alimento das aves, em parceria com a Qualis Consultoria, que possui os maiores especialistas do Brasil, com vasta experiência na espécie da arara azul-de-lear. As premissas dos programas foram baseadas no Plano de Ação Nacional para a Conservação das Aves da Caatinga, com orientação do ICMbio/CEMAVE e demais entidades. Os investimentos em ações socioambientais de preservação e conservação são planejados para todo o período de vida útil do projeto e, até o momento, a Voltalia investiu cerca de R$ 2 milhões e pretende permanecer investindo durante a operação do parque”, coloca. 

O CORREIO procurou o Inema, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem, ás 23h30 desta terça-feira, 06. 

A energia eólica na Bahia

De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do estado (SDE), a Bahia se manteve líder na geração de energia elétrica a partir das fontes eólica e solar no país em 2020. Pelo segundo ano consecutivo, o território baiano ocupou a primeira posição do ranking nacional na produção em ambas as fontes renováveis. De toda a energia gerada no país, 30% vem da Bahia. Estima-se que 15 empregos são gerados por cada megawatt de potência em toda a cadeia produtiva da energia eólica. Até março deste ano, a Bahia somava 185 parques eólicos e possuía outros 76 em andamento.

"No ambiente de energias renováveis, temos uma coisa chamada fator de capacidade. Isso é o quanto você consegue transformar em energia elétrica, da energia presente, seja no sol ou no vento. Então, no caso de energia eólica, a média mundial é de 25%. Na Bahia, a média fica em torno de 50%. E a gente já teve momentos em que a gente conseguiu fatores de capacidade de 80%", ressalta Paulo Guimarães, superintendente de Atração de Investimentos e Fomento ao Desenvolvimento Econômico, no SDE.

Na fonte eólica, o estado gerou 12.590,21 GWh de janeiro a setembro de 2020, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O inicio das atividades de 17 novos parques neste ano ajudaram na permanência do primeiro lugar na produção energética a partir da fonte dos ventos no Brasil. Os empreendimentos que entraram em funcionamento foram Caititu 2 e 3, Carcará, Casa Nova A, Corrupião 3, Serra do Fogo, Serra do Vento e Ventos de São Januário 01, 03, 04, 05, 06, 13, 14, 20, 21 e 22 localizados em Pindaí, Casa Nova, Sento Sé e Campo Formoso, respectivamente. Chegando a um total de 182 parques em operação comercial distribuídos por 20 municípios.

Doutor em Energias Renováveis e professor dos cursos técnico e superior nesta área no Instituto Federal da Bahia, Durval de Almeida explica que o tamanho do território da Bahia a coloca nessa preponderância em relação aos demais estados da região. Mas não só por isso. A existência de um forte corredor de ventos de baixa altitude que vem de Minas Gerais e atravessa a Bahia faz com que ela tenha um potencial muito acima. Quando projetos de obras saírem do papel, o estado pode ser imbatível."Somos um estado com um potencial absurdo, gigantesco. Não vejo país no mundo que tenha essa capacidade de geração que temos", diz.Além disso, o especialista destaca a geração de empregos com a necessidade da diversidade de mão de obra no setor. "A geração de emprego fomentada pelos empreendimentos eólicos começam desde a caracterização dos ventos da região - gerando emprego para instaladores de torres de medição anemométrica, coletores de dados anemométricos - passando pelo arrendamento de terras dos produtores agropecuários locais, pela análise de estudos de impactos ambientais, pela obra civil e mecânica do parque - onde é gerado a maioria dos empregos com bastante absorção da mão de obra local, pela operação e manutenção dos parques. Isso traz renda e desenvolvimento para a economia local, regional e nacional", explica.

*Colaborou Luana Lisboa

**Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro