'Cortina do Abraço': idosos se emocionam ao abraçar parentes após meses isolados

Projeto que possibilita o gesto através de material plástico chegou a Salvador nesta quinta-feira (6)

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  • Wendel de Novais

Publicado em 7 de agosto de 2020 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Tiago Caldas/CORREIO)

A pandemia do novo coronavírus e o consequente distanciamento, principalmente para os idosos que fazem parte do grupo de risco, tem relembrado as pessoas do significado do abraço, gesto simples e corriqueiro que foi tirado da vida social durante o isolamento. Para permitir que os mais velhos sintam o conforto, prazer e gentileza desse carinho, é que foi criado o Projeto Cortina do Abraço. Trata-se de uma cortina higienizada e segura para que os idosos possam abraçar seus familiares.

Nesta quinta-feira, (06), Luana Lima, 11 anos, teve a oportunidade de abraçar de novo a avó, que vive no Lar Franciscano Santa Isabel, depois de cinco meses, graças à Cortina do Abraço. A menina contou, emocionada, como sentia falta de ganhar o aconchego gostoso da avó e a ansiedade que sentia desde que soube que poderia abraçá-la.  "Faz muita falta. Eu tô ansiosa. Quero muito abraçar minha vó de novo. A minha expectativa é muito grande. Poder abraçar ela, sentir ela de novo. Eu tô muito feliz", disse Luana ao CORREIO.

Leonair Lima, 87, avó da pequena Luana, estava toda empolgada para a ocasião. Com um sorriso de orelha a orelha, que nem a máscara poderia esconder, afirmou que o momento era de felicidade pura. "Desde a pandemia, são eles lá e eu cá. Isso é ruim demais. Não poder abraçar quem você ama por tanto tempo. Por isso, hoje é só alegria para mim, que vou abraçar eles novamente. Avemaria!", contou, bem humorada. Luana Lima abraça o pai enquanto chora de felicidade por poder abraçar a avó novamente (Tiago Caldas/CORREIO) Para Alexandre Lima Cruz, 57, filho de Leonair, o abraço foi um momento de alívio e conforto após tanto tempo sem contato com a mãe. "Tem sido muito difícil ficar longe, mas é importante para a segurança dela. O abraço sempre é acolhedor e, hoje, finalmente poderemos sentir essa sensação de novo", comemorou Alexandre, que vai toda semana, acompanhado dos filhos, visitar a mãe. Antes da cortina, ele ficava separado dela pelas grades da janela do Lar Franciscano, localizado no bairro da Saúde. Abraço de Luana e Leonair (Tiago Caldas/CORREIO) Separação encerrada

A separação garantida pelas grades foi uma alternativa para que as famílias e os idosos pudessem realizar contato visual e conversar sem oferecer risco de contaminação para quem residia na casa e faz parte do grupo de risco.  Adriana Cardoso viu a mãe pela grade durante quatro meses (Tiago Caldas/CORREIO) Adriana Cardoso, 37, olhou a mãe por inteiro, sem os recortes da grade, e pôde abraçá-la. "Quando eu recebi a notícia que poderia participar desse abraço, eu parei o carro e comecei a chorar. Não consegui fazer mais nada por conta da ansiedade. Vê-la tão de perto sem as grades para nos separar e ainda poder tocar nela era tudo que eu mais queria. A gente aprendeu  a dar um valor danado para o abraço durante esse tempo. Quando tiram da gente que percebemos a falta que faz", contou.

Outra pessoa que não escondia a felicidade de poder abraçar um ente querido foi Mariana Varela, 32, que também ficava a 10 metros de distância da grade onde a avó se posicionava para vê-la.  A engenheira eletricista largou tudo para participar da Cortina do Abraço. "Eu soube na terça-feira e de imediato desmarquei tudo que precisava desmarcar para estar aqui nesse momento. Eu amo minha avó demais. Ela é tudo pra mim. Foi muito emocionante e prazeroso ter o abraço dela de novo", afirmou Mariana.

A avó da engenheira, Celina Varela, 87, estava radiante. Quando perguntada sobre o abraço, chegou a oferecer um para dizer que todo mundo deveria ser abraçado sempre e contar da emoção que foi ter entre seus braços uma pessoa amada novamente. "Abraço é uma coisa fantástica. Todo mundo merece um abraço. Só não te dou um porque dizem que não pode, não é. Foi gostoso demais. Minha vontade mesmo é abraçar sempre, mas não pode. Eu senti muita falta disso. Poder ficar pertinho delas, mesmo que com uma cortina nos separando foi um momento maravilhoso", disse. Celina e Mariana se abraçam após quatro meses (Tiago Caldas/CORREIO) Quem também queria distribuir abraços foi Maria José Ribas, 90, que afirmou que não faltaria carinho para ninguém se ela pudesse ter um contato mais direto com as pessoas.  "Meu querido, se eu pudesse, abraçava todo mundo que está aqui agora. Abraço é vida e a gente precisa passar isso", afirmou. 

Leonardo Ribas, 61, filho de Maria, declarou que o momento era único por nunca ter passado por nada parecido e por finalmente abraçar sua mãe depois de um período que, segundo ele, pareceu muito mais longo do que foi sem o contato com Maria. 

"Esse período foi terrível. A ansiedade foi muito grande. Quatro meses de distanciamento para um filho e uma mãe, isso é uma coisa horrível. Estou aqui toda semana para ver ela. Hoje, pude chegar pertinho e abraçar. Você pode ver que eu tô até emocionado. Gratificante fazer isso novamente depois de tanto tempo", declarou. Leonardo chora ao abraçar a mãe (Tiago Caldas/CORREIO) Cortina permanente

A cortina que permitiu os abraços é feita de plástico e foi higienizada após cada abraço com a aplicação de álcool em gel. Diná Rocha, artista plástica responsável pela criação das cortinas do abraço contou como estas foram produzidas: “As peças são confeccionadas com um plástico muito resistente, que não permite que haja o contato físico entre as pessoas, mas garante um abraço caloroso e com muita segurança”, explicou.

A iniciativa foi tida como uma experiência positiva e segura para o Lar. Lia Guimarães, gestora do local, garantiu que a cortina permanecerá por lá e que mais idosos e parentes poderão ter esse momento de proximidade. "Estou muito feliz de ver que eles finalmente podem se abraçar e ainda fazer isso com segurança, sem se expor a qualquer risco de contaminação. Para nós, foi fortalecedor porque são muitos os desafios. A emoção é essencial e precisa ser endereçada. A nossa cortina ficará disponível até o fim dessa pandemia para que mais idosos tenham esse encontro tão importante", informou. 

Emoção para os padrinhos

Os padrinhos da ação, que é realizada pela Sodiê Doces, também ficaram emocionados com os abraços e garantiram que a cortina passará por outros lugares. A cantora e apresentadora Carla Cristina, que perdeu o pai há menos de um ano, afirmou que participar da cortina como madrinha é uma coisa valiosa. "É uma honra participar e contribuir com a iniciativa. A gente já vive um momento muito difícil em que as pessoas não podem dar um abraço ou fazer um carinho em quem a gente ama. Quando eu tenho uma oportunidade de colaborar para o acontecimento de algo tão maravilhoso assim, para mim que já sou engajada em outros projetos, é algo que faço com muito orgulho. Ajudar a levar carinho e amor para os idosos é muito emocionante”, afirmou Carla. Carla Cristina e Ginno Larry ao lado da cortina do abraço (Tiago Caldas/CORREIO) Ginno Larry, promoter de eventos, disse que se emocionou tanto que pretende fazer parcerias com o Lar Franciscano e promover ações que beneficiem os idosos do local. "Pra mim foi uma emoção muito grande. Eu trabalho muito com ações sociais, mas essa teve um apelo diferente e muita saudade envolvida. Quando a Sodiê me convidou, a felicidade e a expectativa para participar foi grande. Já tinha visto a cortina do abraço em outras cidades e fiquei encantado. Pretendo me tornar parceiro do Lar e organizar coisas com eles também”, contou. A ação continua nesta sexta-feira (7) nos abrigos Dom Pedro, às 11h e São Gabriel, às 15h.

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro