Cosme de Canabrava: o barbeiro que junta alimentos e presentes para Natal no bairro

A iniciativa surgiu há 13 anos e, com ajuda de amigos, doações chegam a 700 famílias

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  • Fernanda Santana

Publicado em 25 de dezembro de 2018 às 22:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

O Papai Noel da Rua dos Azulões, em Canabrava, não veste vermelho, nem tem uma longa barba branca. É Cosme Filho, quem tem nome de santo e apelido de Miserê. Foi ele quem idealizou um novo Natal para toda a comunidade. Da sacada da casa branca onde mora, junto com mais de 30 amigos, distribui presentes e cestas de alimentos para as famílias. Por isso, sempre que passa, recebe agradecimentos e a constatação do que, ali, é óbvio: "É o nosso Papai Noel". (Foto: Marina Silva/CORREIO) A doação de donativos e presentes para crianças começou às 9h desta terça-feira de Natal (25). Passam de mão em mão até chegarem, mais tarde, a casas de 700 famílias. Não fosse Cosme e os amigos, muitas nem teriam almoço ou janta."É muito gratificante. Eu já passei necessidade e sei o que isso significa para todos eles", diz Cosme Filho, 42, depois de mais um agradecimento.A boneca nas mãos de Ester, 2, e a bola nos pés de Levi, 7, são os maiores agradecimentos da mãe Tatiane Sales, 24. A catadora de material reciclável chegou à frente da casa de Cosme quando a fila sequer estava formada.

Com dois filhos e sem nenhuma ajuda dos pais das crianças, foi Cosme quem perguntou se não estava interessada em ganhar cestas de alimento. "Se tornou a alegria das crianças. Significa muito. Eu também preciso muito", emociona-se Tatiane. Pelo menos nos próximos dias, a mesa terá alimento. Aponta para a porta azul morro abaixo para reforçar:"Todo mundo aqui precisa muito", afirma Tatiane (Foto: Marina Silva/CORREIO) Triagem É por tanta necessidade não atendida que Cosme e os amigos levantam os casos mais graves. Da triagem, são eleitas as famílias e, um dia antes da entrega, distribuídas as senhas. Ano passado, 500 pessoas foram atendidas. Se, por um lado, o crescimento no número de atendidos mostra o sucesso do projeto, por outro evidencia a pobreza na periferia. Uma pobreza confinada à falta de atenção, acredita Maria Júlia, 49."O que ele está fazendo aqui ninguém faz não. Fora que isso aqui não acaba hoje. Quem precisa de ajuda eles ajudam. É o verdadeiro Papai Noel”, delcara. (Foto: Marina Silva/CORREIO) De tanto falar do Noel de Canabrava, a irmã de Maria, Rosa, 50, já conhece o evento sem nem morar na vizinhança. A fama da solidariedade ultrapassou os limites da região próxima ao final de linha do bairro, onde o rendimento dos 13,6 mil moradores não ultrapassa os R$ 730 – mais de R$ 200 a menos que o salário mínimo –, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).“Minha irmã só fala coisa boa. Tive que vir aqui para ver. Vou voltar para casa com cesta e presente”, compartilhou Rosa. As coisas boas são interrompidas pela dureza do dia-a-dia. Na infância, Jocilene Santos, 38, passou e compartilhou com o vizinho Cosme as dificuldades. A mesa vazia, a despensa com pouca comida, as noites de Natal sem possibilidade de comemoração. Hoje, a cozinheira desempregada relembra o passado para reafirmar o significado das doações para as famílias. Agora, a cozinheira desempregada voltou a precisar das doações. Sai da Suburbana para receber as cestas e os presentes para os três filhos.“Eu vi a dificuldade deles de começar a doar. O primeiro ano é sempre mais difícil. Agora é outra coisa... qualquer um que chegar pedindo ajuda vai conseguir” , afirma. (Foto: Marina Silva/CORREIO) O projeto Era outubro quando Cosme, em sua barbearia no Vale dos Lagos, começou a discutir com cinco amigos a vontade de doar alimentos para os vizinhos. “Eu já passei na pele o que muitos estão passando hoje. Foi daí que surgiu minha vontade de ajudar”, lembra. Na Barbearia Miserê, de onde vem o apelido de Cosme, finalmente nasceu a ideia colocada em prática ainda no Natal daquele ano, em 2005. 

Eram, então, cinco amigos envolvidos no projeto, chamado Natal Sem Fome. As cestas básicas recolhidas entre os amigos conseguiam atingir poucas dezenas de moradores. "Só com o tempo, as pessoas começaram a conhecer o projeto e a dar. Mas demorou. Hoje, muita gente que eu nem conheço já doa", compara Cosme.

O idealizador e os amigos perceberam a expansão do projeto à medida que cresciam a pergunta: "Pode doar brinquedo também?". Não tinham pensado na possibilidade, mas disseram, prontamente, "sim". (Foto: Marina Silva/CORREIO) "Claro que podia. E hoje olha como estamos, com banquinha de cachorro quente, com os presentes, é também um dia para a criança", comemora Cosme.O aumento de doações é paralelo ao crescimento da equipe de voluntários. Os amigos da barbearia começaram a apadrinhar a ideia. Dos 13 anos, em oito Everaldo Neto participa do projeto. Nem a mudança para a Cidade Nova conseguiu afastá-lo ali. Ano passado, conheceu uma crianças aos prantos em busca de um presente. O menino saiu de lá com uma bicicleta. Realização dupla. "Isso é o fortalecimento de tudo. É muito emocionante conhecer e ajudar todas essas pessoas que precisam tanto", afirma.Do nada, como costuma dizer Cosme, surgiu um dia capaz de mobilizar a comunidade a ajudar. "A ideia dá certo porque desde o início a gente só quer ajudar, não temos ligação nenhuma com poder nennhum", afirmou o 'Miserê'. Agora, para garantir o próximo ano, as portas da barbaria estarão abertas para fortalecer, ainda mais, a transformação. Lá, o Natal dura o ano inteiro. 

*Com supervisão da editora Clarissa Pacheco