Covid-19: a situação no Oeste da Bahia é realmente mais tranquila? Entenda

Com menores taxas de contágio, cidades recebem pacientes transferidos de outros locais, mas temem explosão de casos

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 9 de março de 2021 às 04:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

De uma hora para outra, os olhares da Bahia se voltaram para o oeste. É que enquanto a ocupação dos leitos gerais no estado chegou a atingir 84%, no início do mês, a região ostentava 49%. Por isso, o Governo do Estado começou a transferir pacientes do sudoeste para os hospitais do oeste, o que fez crescer a taxa de ocupação das UTIs da região - que estava nesta segunda-feira (9) em  88%, segundo o Portal de Transparência da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). O número é próximo à taxa de ocupação de UTIs do estado, de 86% .  

Mas, afinal de contas, a situação por lá está tão confortável mesmo? Para os especialistas e autoridades de saúde ouvidos pelo CORREIO, o cenário é mesmo favorável, contudo há indícios de agravamento para os próximos dias.   “Fato é que, na prática, a gente observa que as coisas demoram para chegar aqui. É como se fosse um delay, um atraso. Ao longo dos anos, vemos que as doenças os surtos chegam aqui por último. Não é só com a covid-19", explica o professor Jaime Henrique Amorim, do Laboratório de Agentes Infecciosos e Vetores da Universidade Federal do Oeste Baiano (Ufob).  Ele é um dos que estão preocupados com a ida de pacientes para a região. “É mais um motivo de preocupação que indica a necessidade de adotarmos medidas de restrição de circulação. Agora temos menos leitos disponíveis e a possibilidade de variantes mais contagiosas circulando”, aponta.  

A preocupação também pode ser observada na declaração de Laís Sento Sé, coordenadora da vigilância epidemiológica de Bom Jesus da Lapa, cidade de cerca de 70 mil habitantes. “Eu acho que aqui a gente não está tranquilo não. Na verdade, estamos em situação de alerta, pois sabemos que quando algo estoura em Salvador, aqui vem depois. Quando diminui na capital, aqui estoura”, conta. Ela também diz que os profissionais de saúde estão preocupados com a transferência de pacientes.  

“Os médicos estão muito apreensivos por causa disso. Aqui em Bom Jesus da Lapa temos respiradores para leitos clínicos já prevendo atrasos na regulação. Estamos trabalhando com a pior hipótese, que é lotar nossas UTIs. O problema é que tem complicações que não conseguimos lidar num leito clínico. Então, temos muito receio. Se continuar desse jeito, vai superlotar. O povo tá relaxando, deixou de usar máscara e se cuidar”, alerta.  Números  Segundo a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), nos últimos 15 dias, foram regulados 59 pacientes das regiões Sudoeste e Oeste para hospitais de Barreiras e Barra. Só em Barreiras, na manhã de quarta-feira (3), sete pacientes que ocupam os 40 leitos de UTI da cidade tinham vindo do Sudoeste. 

O epidemiologista Naomar de Almeida Filho, professor do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), também critica a medida. “De repente, o Brasil vive essa segunda onda e tudo indica que é causada pela nova variante. Levar para locais menos afetados os pacientes vindos de locais onde está tendo transmissão ativa dessa cepa não é correto do ponto de vista epidemiológico. Isso representa uma possibilidade de acelerar a transmissão da variante em todo o estado e agravar a crise”, argumenta 

Uma dessas variantes, inclusive, já foi encontrada na região Oeste, graças aos estudos laboratoriais coordenados pelo professor Jaime Henrique Amorim. Outras 20 amostras estão sendo analisadas atualmente pelo grupo, que acredita já haver transmissão comunitária na região. “Só com o resultado do sequenciamento é que vamos fazer uma previsão de como deve ficar a situação epidemiológica nos próximos dias”, disse. 

Procurado, o secretário de Saúde de Barreiras, Melk Neves, minimizou as transferências. “Tudo isso preocupa, mas não tem muito o que fazer, pois são vidas também. A gente tem que ser solidário. Não podemos de forma alguma fechar as portas. Agora nós esperamos que a vacina chegue o mais breve possível. Ela vai nos ajudar a nos livrarmos desse cenário”, conta. 

Geografia  A distância entra a capital baiana e o Oeste do estado chega a atingir mais de mil quilômetros. Para os gestores, isso pode ajudar a explicar a demora no avanço epidemiológico. A Bahia registrou o primeiro caso de covid-19 no dia 6 de março de 2020. Só 16 dias depois, no dia 22, que o Oeste teve a primeira infecção, quando o estado já tinha 49 casos espalhados por diversas cidades. Ainda assim, o ritmo de espalhamento da doença permaneceu lento até junho, quando a região tinha apenas 315 casos e três mortes. No mesmo período, a Bahia registrou 22,5 mil casos e 762 mortes.  “Os casos demoraram para chegar aqui. Em Bom Jesus da Lapa mesmo só registramos o primeiro contaminado em 18 de maio. Então, o pico da nossa primeira onda não foi no mesmo tempo do que o de Salvador. Possa ser que isso esteja se repetindo”, deduz Sento Sé. No entanto, segundo os pesquisadores, só a distância entre capital e região Oeste não explica o atraso epidemiológico. Para os especialistas, há um conjunto de fatores que precisam ser considerados, como a densidade demográfica, a genética do hospedeiro, o perfil de imunidade, quantas pessoas foram vacinadas, quantos casos ativos existem, dentre outros. "A diferença de um lugar para outro é multifatorial. Tentar cravar algo é especular”, defende o professor Jaime. 

Em nota, a Sesab informou que não há em curso, ainda, um estudo específico sobre o Oeste. Por outro lado, uma das leituras possíveis feitas pela Vigilância Epidemiológica da Bahia para o baixo número de ocupação de leitos na região é a baixa densidade demográfica. De fato, das 25 cidades baianas com menor densidade demográfica, 20 ficam na região Oeste. Para o professor Naomar, esse fator sozinho também não explica.  

“Densidade demográfica tem a ver com a distribuição da população no território. A região do Oeste tem cidades grandes, como Luís Eduardo Magalhães e Barreiras, que concentram população. As pessoas lá não estão espalhadas. Pelo menos a maioria fica concentrada nas cidades, onde se tem as aglomerações, interações e a transmissão do vírus. Barrar isso é fundamental”, aponta. 

Estratégias   Se ao longo dos anos os especialistas observam que os surtos de doenças acontecem com atrasos na região Oeste, as prefeituras acabam tendo vantagens estratégicas por poderem se antecipar a um problema. “Nesse caso, se antecipar é acionar uma medida restritiva baseada na quarentena da região ou de uma cidade. Isolar mesmo: ninguém sai e ninguém entra. Isso impede a chegada de novas variantes e aumento da transmissão do vírus”, argumenta o professor Jaime.  

O epidemiologista Naomar de Almeida Filho também reconhece que essa alternativa é adequada, mas deve ser seguida por uma estratégia de vigilância epidemiológica eficiente. “Quando alguém manifestar a doença por lá, tem que rastrear, testar os contactantes, deixá-los em isolamento. Mandarem eles voltar para casa e pronto é permitir a contaminação de outros. É aí que a gente perde a batalha para o vírus”, defende.  

Ambos pesquisadores também são críticos do lockdown parcial que a região Oeste viveu durante apenas três dias. Para eles, a medida não resolve muito. “A doença se manifesta depois de três dias, normalmente. O lockdown tem que obedecer ao período que chamamos de incubação do vírus. De fato, o Oeste precisa se antecipar, do ponto de vista epidemiológico, e não esperar a doença ficar mais forte. Se já sabemos que tem variantes circulando no estado e elas são contagiosas, precisamos diminuir a circulação do vírus”, explica Jaime Henrique Amorim. 

No entanto, na prática, essa antecipação não é o que está sendo observado na região. Por lá, a não ser das 20h às 5h, quando é válido o toque de recolher em todo território estadual, os comércios não essenciais podem abrir. Os próprios gestores admitem as dificuldades em conter as aglomerações irregulares que também ocorrem. “Para mim, o Oeste tinha que ter continuado em lockdown. Outros colegas que conversei pensam o mesmo, pois o povo tá na rua, não respeita o isolamento”, defende a coordenadora da vigilância epidemiológica de Bom Jesus da Lapa.  

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.