Covid-19 implode economia em cidades baianas dependentes do turismo

Setor projeta segundo semestre com mais perdas; três feriadões podem ser termômetro do verão

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  • Vitor Villar

Publicado em 20 de julho de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

A Bahia recebeu o dom natural do turismo. É o estado brasileiro com maior litoral, com seus 932 km de extensão. E o baiano sabe explorá-lo bem: o setor de hospedagem e alimentação, sozinho, corresponde a 4% do PIB, de acordo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI). Medir a participação total do turismo na economia baiana é algo inimaginável.

Difícil de imaginar, também, é a perda que o setor vem tendo após quatro meses de inatividade, forçada pela chegada do novo coronavírus. “É impossível calcular o prejuízo para o turismo baiano, porque ele continua sendo contado”, lamenta Fausto Franco, chefe da Secretaria de Turismo da Bahia (Setur). “À medida que o tempo passa e as coisas não voltem a funcionar, a conta aumenta”, completa.

No centro dessa ininterrupta implosão do turismo estão municípios do imenso litoral em que quase toda a atividade econômica gira em torno do consumo de visitantes. Em cidades como Mata de São João (na Região Metropolitana), Cairu, Itacaré, Maraú (no Sul), Prado e Porto Seguro (Extremo Sul) o cenário, infelizmente é de terra arrasada. E o pior: ainda sem uma perspectiva plausível de retomada.“Imagine você: Morro de São Paulo (distrito de Cairu) e Itacaré vivem diretamente do turismo. Não há um único hotel aberto nessas cidades. Em Porto Seguro e Ilhéus, também, tudo fechado. E não sabemos se vão retomar as atividades. Quando mais demora, mais agrava a situação e vai ficando insustentável”, diz Luciano Lopes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hoteis na Bahia (ABIH-BA).Segundo levantamento da entidade, os hotéis baianos registraram uma queda de 61% do faturamento no primeiro semestre do ano. “Isso porque tivemos o Carnaval nesse período e funcionamento normal de janeiro a março, no verão. Imagine o impacto que teremos no segundo semestre”, lamenta Lopes.

Em meados de julho, a previsão dos maiores complexos de hotelaria do estado – alguns deles nessas cidades citadas – era de reabrir em 1º de julho. Sem demanda de hóspedes, voltaram atrás. O mês já se apoxima do fim e pouquíssimos retomaram as atividades. Um deles é o complexo Costa do Sauípe, em Mata de São João, que reabriu no último dia 17 de julho, mas com capacidade reduzida.

“2020 é um ano perdido para o turismo. O pior dos últimos 70 anos. Só comparável, talvez, ao período da Segunda Guerra Mundial. O que se pode fazer agora é refazer tudo, reinventar. Precisamos encontrar novas formas para trabalhar”, lamenta Lopes.Presidente da Federação Baiana de Hospedagem e Alimentação (FeBHA), Silvio Pessoa quantifica o tamanho do prejuízo: “Já foram perdidos em todo o estado 60 mil postos de trabalho em restaurantes e bares e 20 mil em hotelaria. Além de 240 mil empregos indiretos do setor”.Confira vídeo com empresários do setor de turismo:

Mata de São João Alguns dos destinos próximos de Salvador mais procurados por turistas ficam em Mata de São João, na Região Metropolitana. Praia do Forte, Imbassaí e Costa do Sauípe são os propulsores da economia no município e, consequentemente, da sua arrecadação.

“Temos o litoral com a maior concentração de resorts de alto luxo do Brasil. Todos fechados durante a pandemia. Imagine como isso atinge a circulação de renda, o emprego e a nossa arrecadação”, lamenta o prefeito de Mata de São João, Marcelo Oliveira.“Estamos prevendo uma queda de 25% entre o que foi orçado para 2020 e o que está sendo realizado. Isso é dramático. Um corte de ¼ da arrecadação acaba cerceando nossa capacidade de investimento, isso num momento em que a despesa aumentou para combater a covid-19”, completa.Mata de São João possui 10 mil leitos de hotelaria, com uma taxa média diária de 60% em 2019, considerando alta e baixa estação. Isso, sem considerar turistas que se hospedavam em outras cidades e passavam o dia nas praias do município. Só o Projeto Tamar, na Praia do Forte, recebe 800 mil pessoas por ano. O centro de visitação, por sinal, está fechado desde março.

O município abriga quatro grandes complexos hoteleiros. Além de Costa do Sauípe, ficam lá o Grand Palladium (Imbassaí), o Iberostar e o Tívoli (Praia do Forte), principais empregadores da população local. Segundo o prefeito, a MP do Governo Federal ajudou para que as demissões após o fechamento fossem reduzidas: “Preferiram suspender o contrato de trabalho para não terem que demitir e contratar depois. Creio que 20% do quadro de cada um acabaram desligados”.Como morador da região, e não como prefeito, Marcelo diz que o cenário é deprimente: “Estou numa casa que tenho em Praia do Forte há quatro meses e não gosto de ir na vila. É triste para mim passar por lá e ver tudo fechado, não ver turistas. Um silêncio que nunca ouvi na minha vida nesse lugar”.O que tem segurado a economia local é o auxílio emergencial pago pelo Governo Federal. “Temos mais de 16 mil pessoas recebendo os R$ 600. Numa população de 50 mil pessoas, é uma quantidade muito significativa”, comenta Marcelo Oliveira. Além disso, um bom número de moradores de Salvador e cidades vizinhas que possuem casa de praia e decidiram passar a quarentena por lá têm ajudado a movimentar o comércio.

O poder municipal ainda tem dificuldade de visualizar a volta do turismo ao normal. Nem a reabertura de Costa do Sauípe anima: “reabriu com 60 apartamentos de 1,5 mil que possuem. É mais para marcar posição, passar confiança aos clientes”, comenta o prefeito.

De qualquer forma, o complexo hoteleiro foi reaberto graças ao processo de retomada de Mata de São João, que teve início na semana passada. “O decreto de interdição dos hotéis venceu no dia 15 e não renovamos, justamente para darmos um início. Eles podem voltar a funcionar, mas com cuidados muito sérios. Sauípe abriu, Tívoli, Palladium e Iberostar podem retornar até setembro”, conta o prefeito.

“A retomada será paulatina. Vamos avaliar a contaminação pelos próximos 15 dias. Daí, vamos avaliar liberar bares e restaurantes. Mais tarde, podemos abrir os parques. Vai ser assim, sempre em ciclos de 15 dias”, completou.

Cairu Cairu, no Baixo Sul baiano, é um município formado por 26 ilhas. Talvez seja menos conhecido pelo próprio nome do que pelas praias que possui: paraísos como Morro de São Paulo, Boipeba, Moreré, Garapuá, Pratigi, por exemplo, ficam por lá.

Antes do coronavírus, a economia local ainda colhia frutos do 'boom' turístico recente, provocado pela descoberta do arquipélago pelo grande público. “Graças ao investimento em marketing e infraestrutura nos últimos anos colocamos Cairu como 3º destino mais procurado da Bahia”, comenta Diana Farias, secretária de turismo do município.“O turismo é de longe a nossa principal atividade. Posso afirmar que ele gera 80% da renda que circula no município. Então você consegue imaginar como a pandemia nos atingiu em cheio”, diz a secretária. Segundo dados da prefeitura, Cairu recebe em média 200 mil visitantes por ano. Em 2019, no mesmo período de março a julho, o arquipélago teve cerca de 100 mil turistas.A arrecadação municipal foi junto no tombo. Deixou de ser arrecadada a Tupa – ou tarifa por uso do patrimônio do arquipélago -, paga pelos turistas ao entrarem no território. A taxa é uma forma de financiar a prefeitura, já que o município fica inteiramente dentro de uma Área de Proteção Ambiental.

Sem turistas, o que sobra em Morro de São Paulo e outros paraísos? “Vazio. Essa é a sensação. É triste ver destinos turísticos como os nossos como estão. Uma enorme tristeza para uma população que se acostumou a sorrir, abraçar e receber pessoas de todo o mundo”, lamenta Diana Farias.

Gilvan Reis possui um restaurante em Boipeba e se diz preocupado: “Desde 18 de março que as atividades turísticas foram proibidas na ilha. Fica a preocupação porque o turismo é a fonte de renda de todas as famílias e no final das contas é o que imprime uma dinâmica de vida a esses locais”.

Na tentativa de conter a covid-19, Cairu fechou o município para visitantes ainda em março. A medida drástica visava também reduzir a circulação de pessoas que faziam o trajeto diário da vizinha Valença a Morro de São Paulo para trabalhar. Quatro meses depois, Valença tem 954 casos confirmados, com 35 mortos. Já Cairu, tem 95 positivos e três óbitos.A interdição teve um impacto imediato no emprego. “No final de março, os empresários fecharam seus hotéis e pousadas e os empregados foram na grande maioria demitidos e ficaram recebendo o seguro desemprego. Mas há a perspectiva real de que a retomada essas pessoas voltem a ser contratadas. Essa é a nossa expectativa”, comenta a secretária de turismo.Para garantir que isso aconteça, a prefeitura tem buscado parcerias com associações como ABIH, Abrasel (de bares e restaurantes), Abav (de agências de viagem) e Sebrae para capacitar a população visando os protocolos de saúde para a retomada.

Não há qualquer previsão para retomada do turismo. Os decretos que interditaram hoteis no município, por exemplo, seguem válidos. Diana Farias conta que o processo tem sido discutido com calma pela prefeitura da cidade: “O que não queremos é que aconteça o que vem ocorrendo com outros destinos, que abrem e logo depois precisam fechar pelo crescimento de casos. O município tem tido o cuidado de discutir muito a questão para que isso não aconteça em Cairu”. Maior resort do Litoral Norte, Costa do Sauípe retornou com protocolos rígidos (Foto: Divulgação) Sem otimismo Ainda que o transcorrer da pandemia mude de maneira inesperada em agosto e a ocupação dos leitos de UTI despenque em todo o estado, o cenário do turismo continuará desanimador. “É um dos setores que mais sofreu, se não for o que mais sofreu. Um dos primeiros a pararem as atividades e será o último a retomá-las”, resume Luciano Lopes, da ABIH-BA.“Turismo não é como comércio. Não basta reabrir shopping para que o cliente apareça. O turista ainda vai demorar um pouco para viajar. A previsão é que em dezembro, no verão, os voos para Salvador fiquem em 60% da capacidade operativa normal. Será um segundo semestre desolador”, completa.Já que a visita de pessoas de outros estados é algo improvável, a aposta do setor está 100% no próprio consumidor baiano. “Nossa observação é de que há um desejo muito grande na população de fazer uma viagem quando as coisas melhorarem. Viagens mais curtas, de carro, para passar um final de semana”, avalia o secretário estadual de turismo, Fausto Franco.

A campanha do Governo do Estado seguirá essa linha. Os empresários do setor concordam: “Creio que o mercado interno pode surpreender”, diz Luciano Lopes. “Ninguém aguenta ficar mais de 120 dias em casa, sem lazer. Acho que as pessoas vão sair dessa pandemia com mais vontade de viajar, com desejo de passar um final de semana num lugar diferente”, completa.

Para quem se encaixa nesse perfil, a limitação de voos para outros estados e sobretudo para fora do Brasil vai acabar forçando viajar mais pela Bahia. “Tem muita gente que mora aqui e não conhece bem o seu estado. Temos destinos tão bonitos ou até mais bonitos do que os outros”, diz Lopes.

Na visão da Setur, o segundo semestre trará bons testes para essa estratégia interna. São três feriadões em meses diferentes, caindo sempre às segundas-feiras: 7 de setembro, 12 de outubro e 2 de novembro.“Tudo acontecerá em doses bem homeopáticas. A gente acha que 7 de setembro será um pontapé. Em 12 de outubro, podemos ter um cenário mais consolidado da retomada. E em 2 de novembro, talvez, um retorno mais concreto. Esses três feriadões serão os indicativos de como será a procura para o nosso verão”, explica o secretário Fausto Franco.O setor acredita que, mesmo com a proibição de grandes aglomerações e eventos, a população criará uma nova forma de aproveitar os destinos turísticos. “O que a gente percebe é que nesses locais como Praia do Forte e Morro de São Paulo o interesse no aluguel de casas para o Réveillon continua imenso. Mesmo sabendo que não haverá festas como existia, as pessoas vão se adaptar a um Réveillon entre a família, mantendo o distanciamento”, completa o secretário.

Natureza agradece O incentivo derradeiro para a volta de turistas vem da natureza. Com a redução das pessoas nas praias desses paraísos como Praia do Forte e Morro de São Paulo, veio o renascimento da vegetação natural das praias, a preservação dos mangues entre outros benefícios.

Daí surge a ideia, inclusive, de que com a retomada o turismo busque uma melhor relação com a preservação natural, até por conta da frequência menor de pessoas. “A natueza aqui em Praia do Forte está muito agradecida. A vegetação da restinga floreceu e está linda. Não tem pisoteio, então é ela que está ocupando a areia nesse momento”, conta o prefeito Marcelo Oliveira.

Os bichos, como micos, pássaros exóticos, preguiças e até cobras, voltaram a dar as caras nas vilas. Recentemente, foi documentado que houve o aumento da desova de tartarugas marinhas na região.“Como tudo tem um lado positivo, quem trabalha com a preservação do meio ambiente aqui em Cairu tem relatado notícias muito positivas. Os corais têm se regenerado, temos formações de piscinas”, diz Diana Farias, secretária de turismo do município. “O que entendemos é que esses lugares estarão mais bonitos, mais aprazíveis para a retomada. As pessoas que estão em casa estão sonhando com esse momento de reconexão com a natureza e nós também”.*colaborou Adele Robichez