Crença em teorias da conspiração move grupos antivacina, analisa pesquisadora

Onda de desinformação produzida por eles é constante, mas nem sempre tem o mesmo alcance visto agora, na pandemia

Publicado em 21 de agosto de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Michael Swan/Imagem em domínio público

As redes sociais estão cheias de conteúdos distorcidos a respeito das vacinas contra a covid-19 - e o suposto fim da resposta imune delas tem ganhado força nos últimos dias, sobretudo porque notícias a respeito da já esperada redução na proteção conferida pelas vacinas se tornaram mais constantes.

Na semana passada, uma entrevista do médico israelense Kobi Haviv, diretor do Herzog Hospital de Jerusalém - que atende idosos -, rodou o mundo. Haviv afirmava que a proteção ds vacinas estava diminuindo e que a maior parte dos pacientes atendidos na unidade eram vacinados. Foi o suficiente para grupos antivacina espalharem as imagens pelas redes sugerindo que as vacinas não funcionavam. Mas, o vídeo estava cortado e não mostrava que o médico defende a vacina e atribui o surto à variante delta.

O post foi apontado como enganoso pelo Projeto Comprova, coalizão de mídia, da qual o CORREIO faz parte, que combate a desinformação nas redes. Desde o início da quarta fase do Comprova, em junho, 73 conteúdos foram verificados. Destes, 21 tratavam de vacinas: 14 foram classificados como enganosos e 7 como falsos - nenhum era verdadeiro.  (Imagem: Projeto Comprova) Mas, como um vídeo de uma entrevista em hebraico veio parar no Brasil, gerando desinformação aqui? Para Dayane Machado, doutoranda no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, onde pesquisa desinformação sobre saúde com foco em vacinas e em covid-19, esse fenômeno é característico da disseminação de desinformação online - os mesmos boatos podem se espalhar em vários países em intervalos de tempo muito curtos - e isso pode acontecer por conta da "popularização e exploração das redes sociais pelos manipuladores midiáticos", diz.

O discurso não é novo. Aliás, a desinformação sobre vacinas sempre existiu, mas nunca teve tanta atenção quanto agora, durante a pandemia. A diferença é que os conteúdos constumam ser reciclados - para que se encaixem melhor nos novos contextos, explica Dayane. E os autores e distribuidores desse conteúdo se valem de uma ansiedade do público por ter respostas, mesmo que a ciência não dê conta de respondê-las de um dia para o outro."A desinformação sobre as vacinas não é usada só pelos movimentos antivacinação, ela pode ser adotada por outros grupos. É por isso que é comum encontrar produtores de conteúdo que se envolvem com vários tipos de negacionismo e teorias da conspiração ao longo do tempo. Se a desinformação for oportuna ou vantajosa, ela acabará atraindo a atenção de vários grupos oportunistas", analisa.Aliás, teorias da conspiração estão entre os assuntos 'preferidos' dessas pessoas. E o pensamento conspiratório se caracteriza por sentimentos como suspeita absoluta, imunidade a evidências e contradição. Uma pessoa que começa a espalhar desinformação sobre a pandemia, por exemplo, pode ao mesmo tempo dizer que a covid-19 não existe e que ela é uma arma biológica, exemplifica Dayane. “Os principais tipos de desinformação relacionados a esse tema são os que questionam a segurança das vacinas ou a efetividade delas, que promovem saúde alternativa, que tentam associar as vacinas à moralidade, as teorias da conspiração e a rejeição a vacinas fantasiada de luta pelas liberdades individuais”, afirma.Discurso velho Dizer que vacina mata não é um discurso muito novo. "A falsa conexão entre a morte de pessoas e o consumo de vacinas é um boato muito antigo. Ele entraria no tipo de desinformação que questiona a segurança ('vacinas matam', 'vacinas causam as doenças que prometem combater') ou a efetividade das vacinas ('vacinas não funcionam', 'meu tio tomou a vacina e mesmo assim ficou doente', 'se a vacina não protege 100%, não vale a pena tomar'). E todo boato tem maior chance de viralizar quando envolve uma pessoa midiática, como aconteceu no caso do Tarcísio Meira. Com base nisso, é esperado que esse tipo de acontecimento seja adotado e distorcido pelos ativistas pra gerar insegurança e desconfiança em relação às vacinas", continua a pesquisadora.

O problema é que não são só os grupos antivacina que consomem esse tipo de conteúdos. Eles acabam, na verdade, atrapalhando uma estratégia de saúde pública na medida em que algumas pessoas acabam mesmo influenciadas. “Essas pessoas podem atrapalhar substancialmente quem tem dúvida. Como doença não é uma coisa determinística, é probabilística, pode ser que eu não fique doente, mas alguém que eu influenciei tenha um dano permanente”, alerta a epidemiologista Mariur Gomes Beghetto, professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Para ela, o problema fica ainda mais grave quando esse tipo de discurso parte de profissionais de saúde, professores ou pessoas que exercem um poder sobre uma comunidade, como líderes comunitários. Sem conta naqueles que exercem poder econômico sobre outras pessoas, como chefes que pressionam seus empregados.

"Tem uma parcela da população que sempre vai negar os benefícios de vacinas ou de outras coisas... São pessoas que já buscam alternativas para cuidar da sua saúde ou da sua vida, por caminhos que nem sempre são os caminhos que a ciência mostra. Se hoje em dia tem gente que imagina que o homem não foi pra lua, sempre vai existir uma parcela de pessoas que lida com essas informações muito mais pela fé do que pela demonstração objetiva de fatos", completa Mariur.

Dayane Machado explica que já há um grande volume de pesquisas sugerindo que a crença em desinformações e em teorias da conspiração está associada a uma diminuição na intenção de se vacinar.

A boa notícia é que o brasileiro, superada a Revolta da Vacina de 1904, gosta de se vacinar. E nem todo discurso antivacina nos convence. ""O Brasil tem uma tradição muito forte em relação às vacinas. A maior parte da população vê as vacinas como um direito e como a norma e isso faz toda a diferença", diz. Pode até balançar, mas a hesitação, afirma Dayane, nem sempre leva à rejeição. Pesquisa do Datafolha aponta que 94% dos brasileiros pretendem se vacinar.