Cresce a procura por Ivermectina em farmácias de Salvador

Anvisa decidiu nesta quinta-feira, 23, que venda agora só com receita

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 24 de julho de 2020 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Leitor CORREIO

Depois da moda de Annita, Cloroquina e Azitromicina passarem, a Ivermectina segue como o remédio mais buscado por quem está se automedicando por medo de pegar o novo coronavírus. A procura pelo medicamento cresceu durante as últimas semanas em Salvador e não são raros os casos de farmácias que esgostaram os estoques. No entanto, essa corrida desatada terá de ter um freio: é que na noite desta quinta-feira, 23, a Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária - decidiu que a venda da Ivermectina agora só irá ocorrer mediante prescrição médica e com a retenção da receita pela farmácia.

A decisão da Anvisa foi comentada pelo secretário de Saúde do Estado da Bahia, Fábio Vilas-Boas, no Twitter. Segundo o secretário, a medida é importante "porque tem pessoas usando para evitar o coronavírus, tomando toda semana. Casos de neurotoxidade estão sendo relatados", escreveu o secretário no microblog.

Com a norma da Anvisa, que visa coibir a compra indiscriminada do remédio, a Ivermectina entra na lista de outros 'queridinhos' que as pessoas vêm adotando para prevenir ou tratar a covid-19 por conta própria, sob risco de agravarem quadros de saúde ou terem sequelas, e que já estão sendo vendidos somente mediante prescrição e retenção da receita, como a hidroxicloroquina, cloroquina e nitazoxanida (Annitta). 

Pela norma da Anvisa, cada prescrição de Ivermectina terá validade de 30 dias, a partir da data de emissão, e só poderá ser utilizada uma vez. A receita terá de ser em duas vias, uma para ficar retida na farmácia e uma com o paciente. A medida foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) na noite desta quinta-feira, 23.

Busca em Salvador

A Ivermectina é vendida em caixas que contam com dois ou quatro comprimidos. A reportagem do CORREIO ligou de forma anônima para dez drogarias espalhadas pela capital baiana e a resposta de todas indicou que encontrar a Ivermectina não é das tarefas mais fáceis.

Até antes da portaria da Anvisa ser publicada na noite desta quinta-feira, 23, o protocolo de venda não exigia receita. A facilidade da compra atraia pessoas como o aposentado José Mário Vieira, 70, que soube do remédio pelo WhatsApp e pediu para a neta comprar algumas caixas."Eu tenho alguns amigos que são médicos e falaram que não faz mal. Só que também não sabem se de fato cura, tão em teste. Mas a gente fica tão preocupado que qualquer coisa tá tomando", conta.Não é só em Salvador que as pessoas estão se automedicando com Ivermectina. Em Feira de Santana, há pouco mais de 100km distante da capital, a dona de casa Maria Socorro de Andrade, 68, também começou a usar o medicamento após ver vídeos no Instagram e ouvir conhecidos fazendo a mesma coisa.

Dona Maria diz que teve coronavírus de forma assintomática, que confirmou fazendo teste rápido após a filha, enfermeira, testar positivo para a doença. Na época, ela já estava tomando o remédio sem prescrição.

Aqui na capital baiana, outra aposentada, dona Anete Dias, disse que comprou o medicamento primeiro por achar que estava com algum problema de verme e depois por ver no WhatsApp que os efeitos colaterais da Ivermectina não são tão agressivos. Some-se isso à facilidade de encontrá-la e está feita a receita da automedicação.

Antiparasitário Segundo a Rede CoVida, projeto de colaboração científica e multidisciplinar focado na pandemia de covid-19, formado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e a Universidade Federal da Bahia (Ufba), a Ivermectina é uma potente droga antiparasitária - o popular remédio de verme - conhecida há muito tempo e amplamente utilizada. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) elegeu a Ivermectina como droga para o programa de eliminação global da oncocercose - doença parasitária endêmica em vários países e responsável por causar cegueira.

Farmacêutica do Centro de Informação sobre medicamentos do Conselho Regional de Farmácia do Estado da Bahia (CRF-BA), Maria Fernanda Barros aponta que o uso indevido do remédio pode gerar efeitos colaterais como diarreia, náuseas, anorexia e constipação. Além disso, pode desencadear reações ao Sistema Nervoso Central e consequências na pele com urticária, prurido e erupções."Qualquer medicamento tem reações adversas se não for utilizado de forma correta e pode produzir danos a quem for utilizar. Por isso que qualquer utilização de medicamentos, principalmente nesse momento de pandemia, não deve fazer por conta própria", diz a especialista.Diretor de toxicologia e avaliação de risco da startup paulistana Altox, especializada em pesquisa de segurança toxicológica e farmacêutica, o baiano Carlos Eduardo Matos explica que em casos como esse, da suposta eficácia de um remédio contra o coronavírus, as pessoas precisam se questionar e buscar saber se alguma agência de saúde internacional testou a eficácia, os riscos e benefícios do medicamento em questão.

"A única novidade de evidências que temos é da Dexametasona, em que se sugere redução da mortalidade para pacientes graves e uma boa corrida nas vacinas que estão na fase III [das testagens]", afirma.

Valores O preço da medicação de fato subiu, mas, onde há disponível, não é difícil comprar. A reportagem do CORREIO conseguiu achar o produto até por meio de um aplicativo de entregas. Foi onde encontramos os preços mais baratos: R$ 10,85 pela caixa com 2 comprimidos. Com 4 comprimidos no mesmo lugar, o valor é de R$ 19,01. Os valores mais caros que encontramos foi de R$ 16 para a caixa com 2 comprimidos e R$ 29,99 para a caixa com 4.

Quatro das dez farmácias onde fizemos o orçamento tinham o medicamento esgotado. Na Farmácia do Bairro, no bairro de São Cristóvão, a atendente contou que a procura subiu de forma assustadora e que tinha poucas caixas em estoque. Inclusive, a versão com 4 comprimidos já estava esgotada. O que restou foi a com 2 comprimidos, custando R$16.

Professora da Ufba e infectologista, Nilse Querino conta que pacientes que foram tratados por ela para enfermidades relacionadas a vermes e parasitas do tipo relataram dificuldade em encontrar a medicação nas últimas semanas.

A infectologista diz que não é cética e tampouco sensacionalista quanto à eficácia do remédio contra a covid-19 e fala que é preciso ter mais calma na hora de utilizar essas medicações: ou seja, é preciso aguardar que novos estudos apontem uma funcionalidade mais efetiva da medicação contra o coronavírus.

Garota propaganda A cantora Baby do Brasil (ex-Baby Consuelo) defendeu o uso da Ivermectina contra a covid-19 de uma forma meio intempestiva, durante uma live com a também  Teresa Cristina, na última terça-feira (21).

No vídeo da live, que viralizou nas redes sociais, Baby pergunta à colega: “Já tomou Invermectina? Quando você toma vai 95% do sangue. Mata covid, chikungunya, dengue e piolho”, afirma, sem citar nenhum estudo científico para suas afirmações.

Constrangida, Teresa Cristina interrompe a ‘propaganda’ de  Baby e diz: "Depois a gente fala disso", mudando o assunto da conversa.

Há alguns dias, o presidente Jair Bolsonaro, que está com covid-19 e também é defensor ferrenho da cloroquina, outro remédio sem comprovação científica para a eficácia contra o novo coronavírus, afirmou que estava tomando, além da cloroquina, o vermífugo nitazoxanida, cujo nome comercial é Annita.

O presidente já fez três testes desde que foi diagnosticado com o novo coronavírus e todos deram positivo. Ele está em isolamento no Palácio da Alvorada.

*Colaborou a subeditora Andreia Santana