Criadores de tecnologias repetem padrões excludentes, dizem líderes

'Esse poder hoje está centrado nas mãos de homens, brancos, heterossexuais, classe média/ricos', afirma Sil Bahia

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 12 de novembro de 2018 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO e Mateus Pereira /mphotos/Divulgação

Quantas mulheres você conhece trabalhando com tecnologia e inovação? E quantas delas são negras? Provavelmente poucas ou nenhuma. Os dados só reforçam a realidade que é reflexo de uma sociedade patriarcal, machista e racista: dos alunos que ingressam nos cursos relacionados à computação e tecnologia apenas 15,53% são mulheres, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). E 41% das mulheres que trabalham com tecnologia acabam deixando a área, em comparação a 17% dos homens, segundo estudo da Harvard Business Review.

“Fala-se muito no impacto positivo da revolução digital e na sua capacidade de resolver os grandes problemas sociais do mundo, mas o fato é que a tecnologia tem sido um importante vetor para a concentração de renda e das oportunidades. Mulheres na tecnologia já é uma coisa rara, porque a gente tem que lidar o tempo todo com o machismo. A gente está falando de uma estrutura de poder. Tecnologia é poder, é a política do mundo hoje”, afirma Sil Bahia, diretora do Olabi MakerSpace, organização social que trabalha para democratizar a produção de tecnologia. Ka, Sil e Brenda (Foto: Naiana Ribeiro/CORREIO) Sil defende que, embora as tecnologias estejam em evidência nessa nova era, o ser humano deve estar no centro das discussões e, portanto, os setores da sociedade precisam se voltar para lacunas sociais, como a falta de mulheres no mercado, para avançar e ter um mundo melhor. “A gente, que tem uma origem popular, já acessou vários lugares, mas é preciso ter uma atenção maior para isso. Quando falo que trabalho com tecnologia, muita gente pensa que lido apenas com máquinas e robôs. Mas a minha preocupação está no indivíduo: Qual é o impacto disso na minha vida? A dimensão humana é essencial no mundo tech: quem pensa essas novas estratégias também precisa pensar no consumidor”, pontua ela, que é coordenadora do Pretalab, iniciativa que busca dar visibilidade à negras e indígenas na inovação e na tecnologia. Sil Bahia: Jornalista carioca é diretora do Olabi MakerSpace, organização que busca democratizar a tecnologia. Coordena o Pretalab, iniciativa que busca dar visibilidade à negras e indígenas na inovação (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) As tecnologias estão carregadas com as visões políticas, econômicas e culturais de quem as cria, afirma Sil. Os que possuem esse domínio, portanto, ditam seu uso: “Esse poder hoje está centrado nas mãos de homens, brancos, heterossexuais, classe média/ricos. Isso já potencializa uma grande desigualdade, em um mundo cada vez mais digital”. 

Ou seja, em vários momentos, quem pensa e faz a tecnologia não está conectado com a grande maioria das pessoas que vão utilizar. “A gente precisa perceber que a diversidade é a realidade. Qualquer homogeneização é artificial. Ter a diversidade em qualquer âmbito – seja na tecnologia, nas artes ou na educação - é direito. A gente é diferente enquanto indivíduo, etnicamente e culturalmente. As mudanças e avanços vivem nas nossas nuances, na diversidade”, opina a pedagoga Ka Menezes, idealizadora do projeto Crianças Hackers, que proporciona o contato de crianças com a linguagem do universo tech desde cedo. Ka Menezes: Pedagoga baiana é presidente do Raul Hacker Club e idealizadora do Projeto Crianças Hackers. Professora da Faculdade de Educação da Ufba, ela é pesquisadora de tecnologias contemporâneas na educação (Foto: Mateus Pereira /mphotos/Divulgação) As supostas ‘aptidões’, inclusive, são construídas socialmente e limitam o escopo de atuação das mulheres desde a infância. “Na minha casa, por exemplo, eu sempre resolvo tudo. Mas tem muita gente que cresce cerceado de preconceitos do tipo que mulher não pode trocar engrenagem de bicicleta ‘porque é coisa de menino’. Não tem que ter isso. Temos que dar a oportunidade de as meninas testarem, se sujarem e saberem como as coisas funcionam. Quebrou? Concerta”, destaca a estudante de sistemas de informação Brenda Costa, cofundadora da OxenTI Menina!. Brenda Costa: Estudante de sistemas de informação baiana é cofundadora do OxenTI Menina!, que inspira jovens mulheres através da tecnologia. É mentora da competição global Technovation Challenge (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Além dos próprios pais não sonharem que suas filhas se tornem programadoras, as meninas encontram poucas referências femininas nas áreas de exatas.“É difícil sonhar ser algo que você nem imagina que é possível”, fala Sil Bahia.Representatividade é essencial, completa Brenda: “As meninas têm que se sentir representadas. Vivências diferentes trazem soluções melhores. Quando você vê que existem mulheres próximas que são tão capazes, que têm condições parecidas com a sua e que passaram por algo, você percebe que essas áreas não são tão distantes Representatividade é isso: a partir de outras pessoas, você sentir que pode fazer a mesma coisa e que pode ser o que quiser”.

O Crianças Hackers, o PretaLab e o OxenTI Menina! são apenas algumas das iniciativas que vêm atuando para mudar o cenário homogêneo do Brasil nesse ramo. Outros projetos - como a Rede de Ciberativistas Negras, Blogueiras Negras, Pretas Hackers e Criola - também buscam provar na prática e com dados que mulheres não são naturalmente inferiores aos homens em nenhuma função. Brenda Costa criou o OxenTI Menina!, Ka Menezes o Criança Hacker e Sil Bahia coordena o PretaLab (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Líderes listam possíveis soluções para diversificar o ramo

Como deixar o ramo da tecnologia e da inovação mais diverso? Para Ka Menezes, a saída está na pulverização do conhecimento - seja através das universidades, das escolas e/ou de coletivos.“A gente precisa de políticas públicas que fomentem e invistam em ações que são dispersas por todo território, por todo país. A gente precisa realmente investir nos nossos e dar espaço para os que querem pensar e inovar”, afirma a pedagoga. Para Brenda Costa, é importante que esses ambientes estejam abertos a gerar oportunidades e que levem em conta as diversas opiniões e vivências.“A grande qualidade do homem é justamente ser humano. É preciso ouvir a outra pessoa, ser empático, para traçar soluções e resolver problemas”, destaca. Além de ampliar o acesso às tecnologias, das próprias iniciativas de impacto social e do combate a preconceitos como machismo e racismo, Sil Bahia cita outras possíveis soluções para diversificar esses ambientes: “Contratando, formando, comunicando, capacitando, criando políticas públicas, etc”.

A líder também considera o diálogo uma ferramenta essencial. “A gente estimula a conversa com gestores públicos e privados. Precisamos criar pontes e dialogar com os outros. Não basta só criar cursos focados em negras, precisamos pensar em como os cursos que já existem podem criar condições para que essas mulheres tenham acesso e permanência nesses espaços”, explica.  Outra possível solução é se aproximar de grupos que estão pensando nessas coisas:“A tecnologia e a inovação muitas vezes estão dentro de bolhas. Por isso é importante se aproximar de grupos que que têm uma trajetória parecida com a sua. Isso cria empatia e já faz as pessoas buscarem entender melhor esse novo universo”.O Fórum Agenda Bahia 2018 é uma realização do jornal CORREIO, com patrocínio da Braskem, Sotero Ambiental e Oi, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, Consulado-Geral dos EUA no Rio de Janeiro, Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) e Rede Bahia; e apoio do Sebrae e da VINCI Airports.