Crime brutal, desprezo e indignação: feminicídio de juíza faz STF avaliar lei e enfrentamento

Engenheiro matou ex-mulher na frente das filhas e deu de ombros ao ser questionado sobre arrependimento; STF diz que tragédia faz questionar efetividade da lei e das ações de enfrentamento

Publicado em 26 de dezembro de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Véspera de Natal, por volta das 18h30, Zona Oeste, área nobre do Rio de Janeiro. Na Rua Rachel de Queiroz, Barra da Tijuca, a juíza Viviane do Amaral Arronenzi, 45 anos, leva as três filhas - uma menina de 9 e gêmeas de 7 anos - para encontrar o pai, com quem as garotas passariam o Natal. Mas, o homem foi para o encontro levando quatro facas. Uma delas, que a polícia ainda não havia encontrado até a noite desta sexta (25), ele usou para matar a ex-mulher, uma cena que jamais será esquecida pelas crianças.

Enquanto o engenheiro mecânico Paulo José Arronenzi, 52, esfaqueava a ex-mulher, as filhas gritavam, desesperadas, pedindo que ele parasse. Não parou. Vizinhos gravaram a cena e o vídeo está sendo usado como prova pela polícia. Foram eles que acionaram uma equipe da Guarda Municipal, de plantão na base ao lado do Bosque da Barra. O Corpo de Bombeiros constatou que Viviane morreu no local, na frente das meninas.

Paulo José foi preso em flagrante por feminicídio. Mas, no país onde uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 horas, só durante o primeiro semestre deste ano, o engenheiro se comportou como tantos outros assassinos: atacou Viviane, primeiro, no rosto. E, depois, deu de ombros diante do corpo da ex-mulher e do desespero das filhas.

A ausência de qualquer demonstração de arrependimento chamou a atenção dos guardas que o prenderam. Ao ser questionado se ele se arrependia, Paulo José limitou-se a sacudir os ombros, como quem diz ‘tanto faz’. Disse que era melhor morrer, contou o guarda Adailton Moraes ao jornal Extra, do Rio. Paulo José acrescentou que era ameaçado pela mulher e que tomava remédios.

Premeditado Para a Polícia Civil, que investiga, o crime foi premeditado. Isso porque, no carro de Paulo José, foram encontradas três facas - além da que ele usou para matar a ex-mulher. Fazia três meses que Viviane havia dito ao então marido, em 14 de setembro, que queria colocar um fim no casamento. Amigos próximos contaram que ela acreditava que ele reagiria bem ao fim do relacionamento.

Pouco depois, numa carona que ela deu ao homem, eles começaram a discutir e, no final do trajeto, Paulo José empurrou Viviane do carro. Os dois foram parar na 77ª Delegacia (Icaraí/RJ) e Viviane disse que o homem tinha um “gênio explosivo”, mas que nunca a tinha agredido antes. Decidiu não prestar queixa contra ele e disse que não queria vê-lo preso.

A essa altura, é difícil dizer se Viviane sabia ou não do passado de Paulo José. Mas a Justiça já sabe. A juíza Monique Correa Brandão dos Santos Moreira, que decidiu prendê-lo preventivamente, ressaltou que contra ele havia delitos relacionados a violência doméstica e que o crime atual não é um “fato isolado em sua vida”. Em 2007, uma ex-namorada dele registrou uma queixa: a importunava e não aceitava o fim do relacionamento.

Aparentemente, não recorreu a facas na ocasião. Dois anos depois, casou-se com Viviane e teve três filhas. Após aquele episódio do empurrão do carro, Paulo José foi até a casa da mãe da juíza e ameaçou a ex. Ela, então, decidiu prestar queixa por ameaça e lesão corporal e pedir escolta. 

Em outubro e novembro, dois carros com seis homens armados se revezavam para escoltá-la 24 horas. Em dezembro, no entanto, Viviane estava sem escolta. Ela havia dispensado a proteção oferecida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), onde servia há 15 anos - estava na 24ª Vara Cível da Capital -, alegando questões pessoais, segundo a Polícia Civil.

Um policial que participava da escolta contou à imprensa carioca que Viviane nunca impediu Paulo de ver as filhas.

Reação O corpo de Viviane será cremado na manhã deste sábado (26), no Rio. Paulo José passou a noite da Delegacia de Homicídio no Rio, e se recusou a falar. Na manhã desta sexta, foi transferido para um presídio.

O crime despertou indignação das redes até do Supremo Tribunal Federal. A Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro e a Associação dos Magistrados Brasileiros disseram que o crime não ficará impune: “Asseguramos”.

O presidente do STF, Luiz Fux, disse que a violência assola mulheres de todas as faixas etárias, níveis e classes sociais, e que o STF e o CNJ se comprometem “com o desenvolvimento de ações que identifiquem a melhor forma de prevenir e de erradicar a violência doméstica no Brasil”.

O também ministro Gilmar Mendes disse que o feminicídio no Brsil é "endêmico". Para Fux, a tragédia o faz “questionar sobre a efetividade da lei e das ações de enfrentamento à violência contra as mulheres”.