CrossFit não é nome de esporte, mas virou febre entre os baianos

Só em Salvador e Região Metropolitana são 15 boxes licenciados pela marca milionária

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 9 de agosto de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Gian Coloni/Upside
Ring Muscle Up é um exercício inspirado na ginástica artística; confira glossário explicando os termos do CrossFit no final do texto por Foto: Reprodução/CrossFit

O que vem à sua cabeça quando ouve falar na palavra “CrossFit”? Para você que nunca viu, nem comeu e se limita a ter escutado falar por aí já fique sabendo que não se trata de uma modalidade esportiva e sim uma marca, com patente e tudo que tem direito. Ela foi criada por dois norte-americanos, no início dos anos 2000, e basicamente se trata de uma atividade física de alto impacto e que envolve exercícios de vários esportes. Atletismo, ginástica artística e levantamento de peso, por exemplo, fazem parte do cardápio dessa prática que tem feito sucesso na Bahia e no Brasil recentemente.

No mundo todo, 141 países praticam a série de exercícios nos mais de 14 mil boxes, nome dado às academias que têm a liberação da CrossFit Inc. para utilizar a marca em suas fachadas. Na Bahia, são 29. Boa parte desses boxes terão alunos competindo no Arena Challenge, uma espécie de torneio Norte-Nordeste de CrossFit que vai acontecer sábado e domingo (10 e 11), na Fonte Nova.

Atrai gente como Igor Santana, 22 anos, que tem apenas quatro meses praticando a modalidade e já vai para a sua primeira competição. Estudante de eletrotécnica, ele começou no CrossFit por causa de seu emprego como recepcionista em um dos 15 boxes disponíveis em Salvador e Região Metropolitana. Acabou fazendo amizades, ouvindo histórias e se interessou em praticar em horário oposto ao trabalho. “Comecei porque eu estou um pouco gordinho e acabei gostando. É bom porque sempre muda, nunca cai na monotonia”, explica o estudante.Igor vai competir na categoria scaled, a mais leve entre as quatro possíveis no evento que está na capital baiana pela quarta vez. Os atletas também podiam se inscrever nas categorias intermediário (médio), RX (avançado) e elite (profissional). As inscrições estão encerradas.

É possível competir em trios, que costumam ser montados nos próprios boxes, ou de forma individual. É como a fisioterapeuta Thais Pinheiro prefere competir. Ela é uma atleta experiente, já pratica o CrossFit há cinco anos. E revela que ainda tem dificuldade de encontrar outras mulheres na cidade que conseguem competir no nível mais alto.

Quando começou a participar de campeonatos, inclusive, Thais era “obrigada” a procurar torneios fora de Salvador para ter essa experiência competitiva. Em seu currículo há competições Brasil afora: Rio, Brasília, Goiânia, Recife e Fortaleza já ganharam a visita da baiana que vai buscar o primeiro lugar na categoria Elite. Thais treina há cinco anos (Foto: Gian Coloni/Upside) A separação de categorias é prévia. Antes das inscrições, a organização de cada evento costuma divulgar as séries de provas específicas para cada uma. Há aqueles, como o Arena Challenge, que fazem uma qualificação prévia para os competidores da categoria Elite. Thais enviou um vídeo realizando as provas para mostrar que estava apta a ser selecionada para uma das quatro vagas femininas.  Acabou contemplada.“Eu fazia musculação e a rotina ficou meio sem graça. Deixei de lado e comecei a praticar corrida, só que eu sentia falta de algo de mais explosão e força. Aí dei uma chance pro CrossFit e me apaixonei na primeira aula. Sou fisioterapeuta, tenho cuidado com o corpo e vejo que muita gente da área tem começado a experimentar e curtir esse método porque faz bem”, contou a crossfiteira, já vendendo o peixe de sua paixão.Crossfiteiro há um ano e meio, Luciano Oliveira, 21, participou da última edição do Arena Challenge também como scaled. Desta vez ele não vai participar porque adoeceu e deixou sua vaga com um outro colega do box que frequenta. 

Assim como Thais fez há cinco anos, Luciano começou no CrossFit porque estava enjoado do que classificou como “rotina monótona da academia”: já sabia os exercícios, dificuldades e ficou desmotivado com a atividade física. Por influência dos amigos fez uma aula experimental no CrossFit e não abandonou mais. Hoje, é sua atividade exclusiva e utiliza as competições para sempre ter um objetivo e não deixar a peteca da motivação cair.“É bom para quem é iniciante buscar essas competições porque você fica sempre ligado, se dedica aos seus WOD’s e sabe que tem que estar bem para as competições, para se superar”, afirma o rapaz.Por causa da origem nos Estados Unidos, muitas das expressões usadas nas atividades são em inglês. O tal do WOD citado por Luciano, por exemplo, significa “workout of the day” e é o termo utilizado para designar o treinamento do dia, espécie de circuito de atividades. Nas competições, o WOD [confira mini-glossário no final do texto] é o circuito de desafios que precisam ser cumpridos pelos competidores.

Casos como o de Luciano e Igor não são raridade entre os crossfiteiros. O estímulo à competição tanto consigo mesmo quanto com os companheiros de box é algo recorrente na rotina dos praticantes da modalidade e, muito por causa disso, a coragem para se inscrever em torneios chega cedo.

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Médico ortopedista e pós-graduado em medicina esportiva, Thiago Barros aponta que isso pode ser perigoso caso os atletas não tomem cuidado com o corpo. Ele pondera que o CrossFit tem um índice lesivo igual a outros esportes de impacto e que, portanto, os alunos devem ter os cuidados inerentes a qualquer prática esportiva.

Segundo Barros, é importante respeitar o limite do corpo, mesmo sabendo que o CrossFit é uma prática que tem quase como mantra a ideia de superação e quebra das próprias barreiras. Tudo isso é interessante para quem busca um estilo de vida mais saudável, mas é preciso se preservar para não sofrer uma contusão.

O médico conta ao CORREIO que, devido ao aumento no número de praticantes, recebe mais pacientes de CrossFit reclamando de dores. De acordo com Thiago Barros, os diagnósticos mais recorrentes apontam lesões articulatórias: ombro, coluna e joelho são as partes do corpo que mais sofrem.“A progressão do treinamento é muito importante. O CrossFit é uma atividade que exige muito do corpo: movimentos balísticos, de aceleração, e se o praticante não tiver o mínimo de treinamento, somado a uma progressão abrupta aumenta a chance de lesão, como é natural em qualquer atividade”, aponta o especialista.Os cuidados não são coisa de outro mundo. Basicamente é reconhecer os próprios limites na hora de aumentar a carga de exercícios e pesos durante a rotina de treinamentos. 

A progressão abrupta do treinamento é um dos principais fatores para o desenvolvimento de lesão. O que acontece muito no CrossFit, segundo Thiago Barros, é o seguinte: por ser um esporte praticado em grupo, há alunos iniciantes e avançados no mesmo ambiente. O que é interessante por um lado, por apresentar referências e pessoas para se espelhar, é ruim por outro, por ficar difícil para o treinador monitorar tudo ao mesmo tempo.

Apesar das precauções, o médico enxerga com bons olhos a prática da moda. Ele percebe durante sua rotina no consultório que o CrossFit fideliza bastante os seguidores. Também reconhece que os resultados são satisfatórios e concorda com a ideia de ter sempre um WOD diferente para motivar os praticantes. No final das contas, o CrossFit está aprovado pelo crivo médico.

Quem também aprova são os donos de boxes espalhados pelo planeta. As empresas licenciadas para usar o nome CrossFit precisam passar por um licenciamento obrigatório oferecido pela dona da marca e obter o certificado Level 1, que tem o custo de 1000 dólares (R$ 3.940 na cotação atual) e deve ser renovada a cada cinco anos sob o custo de 350 dólares (R$ 1.379).

Apesar do investimento apenas para ostentar a marca, sabe-se que mais 14 mil locais são registrados com a marca da CrossFit Inc. no mundo. Os dados são da própria empresa, que tem um mapa com todos os lugares licenciados nos cinco continentes. Com estes números, a companhia norte-americana tem um lucro anual de mais de US$ 42 milhões, cerca de R$ 165 milhões. Com tudo isso dito, não dá para dizer que o CrossFit é um mau negócio.

Glossário do CrossFit:

AMRAP (sigla para As Many Rounds/Reps As Possible) - máximo de séries ou repetições possíveis em um determinado tempoAbMat - almofada utilizada para exercícios abdominaisBox - nome dado às academiasBox Jump - salto na caixaBurpee - um exercício complicado: começa em pé, depois agacha e faz flexões antes de voltar a ficar de pé e pular com as mãos para o altoCoach - Treinador ou professorDouble Under (DU) - dar 2 voltas com a corda pelo corpo em apenas um puloKettlebell Swing (KBS) - Kettlebell é um equipamento do CrossFit. Neste exercício, ele deve ser balançado acima da cabeçaLunges - andar tocando o joelho no chãoMedicine Ball - bola pesada utilizada no 'wall ball shot' e no 'wall ball'Muscle Up - É como se fosse uma barra um pouco mais complicada porque em vez de chegar à altura do queixo é preciso se erguer até ficar com a barra na cinturaPistol - exercício famoso em fotos, quando o "crossfiteiro" agacha com apenas uma perna e deixa a outra suspensa simulando uma pistola com o próprio corpoPR (sigla para Personal Record) - em português, significa Recorde Pessoal. Significa os melhores tempos e pesos que cada pessoa consegue alcançarQualifiers - espécie de eliminatórias para participar de campeonatosRing Muscle Up - Em duas argolas suspensas, a pessoa tenta levantar. É um movimento de ginástica artísticaSit-up - abdominaisSnatch - Movimento que também é conhecido como arranco. É uma espécie de levantamento de peso. O atleta agacha, ainda agachado ergue a barra sobre a cabeça e depois levanta antes de soltá-laWall Ball - arremessar a bola na paredeWall ball shot - exercício que mistura agachamento e arremesso até um alvo na paredeWOD (sigla para Workout of the day) - basicamente, esse é o termo utilizado para o treinamento do dia, espécie de circuito de atividades.  

*Com supervisão do editor Herbem Gramacho