'Cumprirei a missão mais difícil', diz pai de jovem morto após ser jogado ao mar

Robson tentou defender amigas de tentativa de estupro dentro de barco

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  • Fernanda Santana

Publicado em 7 de setembro de 2018 às 15:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor/CORREIO

No mar com os amigos, na tarde desta quinta-feira (6), o pescador Ariosvaldo imaginava o que faria caso encontrasse, ali no mar de Plataforma, um corpo. No bairro, comentavam o desaparecimento de Robson de Jesus dos Santos, 19, e os pescadores estavam mesmo preocupados. Um dia depois, por volta das 7h, justamente ele, junto a outro colega pescador, encontrou o rapaz desaparecido, na Praia do Alvejado. Pescador Ariosvaldo de São Paulo, 55: primeira vez que encontrou corpo no mar (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Seguiram, então, o plano coincidentemente traçado no dia anterior. "Lançamos a rede para trazermos ele para a praia. Conseguimos amarrar pelar pernas. Não chegamos a tirar o corpo da água", lembra Ariosvaldo de São Paulo, 55. Pescador há mais de 40 anos, pela primeira vez ele protagonizou uma cena parecida. Assim como o outro pescador, que, aterrorizado, passou mal após o resgate. Com o pedido de anonimato, ele falou:“Aqui tá acontecendo é coisa. Foi esse corpo, dia desses teve o tiroteio entre lancha e helicóptero... Ave Maria", afirmou o pescador. Na areia, os moradores acompanharam a chegada do jovem morto. Mesmo sob chuva, pelo menos 60 pessoas assistiram ao resgate. Um deles ligou para o pai da vítima, também chamado Robson. Pouco tempo depois, ele já estava na praia, acompanhado da mãe, para reconhecimento do rapaz. Os dois foram junto ao Instituto Médico Legal Nina Rodrigues para aguardar a liberação do corpo. Moradores acompanham trabalho da polícia (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) O pai, bastante emocionado, relembrou o pedido feito ao filho no dia do desaparecimento. Não esquece que pediu pra o filho não ir para a Ribeira, de onde embarcou com um grupo de amigos e dois desconhecidos. "A família hoje chora. O filho que enterra o pai. Hoje cumprirei a missão mais difícil de todas. Tanto que eu pedi pra ele não ir", desabafou. Pede, também, por justiça:"Eu acredito que vão encontrar as duas pessoas que fizeram isso [empurraram ele no mar]", disse o pai.Abraçado ao filho Robson, Maria Madalena de Jesus pensou nos planos abortados para o futuro do neto. Ela iria pagar um curso de cabelereiro para ele, previsto para o próximo mês. Agora, precisam planejar o enterro do rapaz. “Um menino tão alegre, tão querido, que se foi. A dor é muito grande”, emocionou-se.

Robson morava com o pai, a madrasta e o irmão mais velho, no bairro de Jardim Cruzeiro e recebeu por volta de 18h30 da quarta-feira (5) o convite de Ícaro para passear de barco. Avisou ao pai - que pediu para que ele não fosse - e saiu.

Investigação Quando foi encontrado, o corpo de Robson apresentava marcas de ferimento nos olhos e na orelha. Um amigo da família, Herbert Cerqueira, chegou a levantar a suspeita de um ataque homofóbico contra Robson, assumidamente gay. “Não que tenha sido só isso. Mas acho que tem preconceito envolvido, sim”, acredita.

Mas ao CORREIO, nesta sexta (7), o titular da 29ª Delegacia (Plataforma) Luís Henrique Costa Ferreira, responsável pelas investigações, descartou a suspeita.“Não teve nada de homofobia não, está descartado. Já está descartado latrocínio. O que estamos considerando, mesmo, é tentativa de estupro contra as garotas. As pancadas [no corpo] podem ter sido decorrentes de impacto com a pedra”, afirmou.A versão apresentada em depoimento pelos amigos sobreviventes - Victoria Maria Branquini, 22, Victoria Musi Vitti, 33, e Ícaro de Oliveira, 21 - é de que os três estavam em um bar, na Ribeira, quando foram convidados por dois desconhecidos para um passeio no mar, na tarde da última quarta (5).

Eles retornaram para a Ribeira, às 18h30, para buscar Robson e retomaram o trajeto até Plataforma. No mar, os dois tentaram estuprar as meninas e empurraram Robson e Ícaro no mar. As duas mulheres conseguiram pular e nadaram até a Praia do Alvejado. Nenhum objeto foi roubado das vítimas pelos suspeitos. Robson recebeu ligação de Ícaro, chamando para passeio de barco (Foto: Reprodução) Victoria Branquini chegou a publicar uma foto do passeio no Instagram em que os dois homens aparecem, mas deletou a publicação. Desde a tarde desta quinta (6), no entanto, a polícia começou a visitar alguns endereços em busca dos homens. O delegado adota cautela: “Eu estou evitando falar muito, para que, antes de chegar até eles, não estejam do outro lado do país”.As duas mulheres receberam um guia na delegacia para realizar um exame de corpo de delito nesta sexta. Na próxima segunda-feira (10), elas e Ícaro retornarão à delegacia para novos esclarecimentos.

Todos devem fazer novamente o trajeto realizado no dia do passeio pelo mar da Penísula de Itapagipe para ajudar os policiais a encontrarem os suspeitos. “Iremos em todos os locais até encontrá-los”, finalizou o delegado.Suspeitos identificados Conforme o Luís Henrique Costa, os dois suspeitos da morte do rapaz já foram identificados. "Sim, eles já foram identificados e reconhecidos pelas vítimas. Infelizmente, ainda não sabemos como chegar até eles, mas estamos correndo atrás disso", afirmou à reportagem.O delegado disse, também, que o barco - modelo de pesca -, onde os jovens passaram o dia com os dois suspeitos ainda não foi localizado. "Fizemos buscas ontem em algumas localidades, e continuaremos com as investigações até que os culpados sejam encontrados e presos". 

Luís Henrique afirmou que os responsáveis pelo crime vão responder por homicídio, lesão corporal leve e tentativa de estupro contra as duas mulheres. Segundo ele, a pena, para cada um, deve chegar a 20 anos de prisão. Conforme a Polícia Civil, o retrato falado dos bandidos já foram solicitados. 

Enterro O clima era de total comoção no sepultamento do jovem, na tarde desta sexta-feira, no Cemitério Campo Santo, na Federação. Ao menos 300 pessoas, entre familiares e amigos, participaram do sepultamento de Robson.

Bastante abalada, a mãe do rapaz relutou até ter coragem de entrar na sala onde era velado o corpo do filho. Ela, que tem uma outra filha, chorava muito e dizia que não estava preparada para viver aquele momento. Amparada, se aproximou do caixão - onde permaneceu até que o cortejo saísse.

Robson foi enterrado às 19h, sob aplausos. Muitos jovens, amigos da vítima, participaram da cerimônia. Amigo da família, o servidor público Luiz André de Jesus, 40, destacou que o menino era uma pessoa pacífica e sem maldade."Ele era tão do bem, tão ingênuo, que caiu nessa cilada. Se ele acreditasse na maldade do mundo, não teria morrido dessa forma tráfica", afirmou Luiz ao CORREIO.Ainda conforme o servidor público, Robson dividia a vida entre o Jardim Cruzeiro, onde morava o pai, e Itinga, na Regitão Metropolitana de Salvador (RMS), onde morava a mãe. "Ele era muito querido por todos. A família está realmente bastante abalada diante de tudo isso", comentou ele, acrescentando que Robson tinha uma irmã por parte de mãe e um irmão por parte de pai.  As outras três vítimas, amigos de Robson, não participaram do enterro. *com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier. Colaborou Tailane Muniz.