Cursos cancelados e edital suspenso: como o bloqueio no MEC atinge institutos federais

Com bloqueio, Ifba e IF Baiano só funcionariam até setembro

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  • Thais Borges

Publicado em 7 de maio de 2019 às 05:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Divulgação)

A lista ia da elaboração e impressão de material até os equipamentos de uso nas aulas, como alicates. Esses são só alguns dos itens que o professor Luiz Machado, do Instituto Federal da Bahia (Ifba), precisa ter para manter o curso Diretoria de Gestão da Tecnologia da Informação (DGTI) Social em funcionamento. No ano passado, com atendimento gratuito para 128 moradores de Salvador, os custos chegaram a R$ 20 mil ao longo de seis meses. 

Mas, para 2019, a previsão não é boa. Depois de colocar o orçamento na ponta do lápis, o professor Luiz já percebeu: o curso não deve acontecer este ano. Pelo menos, não depois que o Ministério da Educação (MEC) anunciou que os cortes nas instituições de ensino superior – que começaram especificamente com três universidades, incluindo a Federal da Bahia (Ufba) – seriam ampliados também para os Institutos Federais. 

Com 30% do orçamento de custeio bloqueado, as contas de água, luz, telefone, limpeza e vigilância do Ifba estão ameaçadas. Mas não só isso: não vai haver verba para projetos como o DGTI Social – cujo recurso vinha diretamente dessa rubrica. Na prática, o bloqueio sobre os valores de funcionamento chega a 38%, porque não afeta a assistência estudantil – ou seja, R$ 24 milhões dos 61 milhões previstos estão fora do alcance da instituição. 

No Instituto Federal Baiano (IF Baiano), o drama é parecido. Com o bloqueio também na casa dos 38%, a instituição já não pode contar com R$ 15,6 milhões do orçamento previsto inicialmente. Nesta segunda-feira (6), o reitor Aécio José Araújo teve que agir rápido: suspendeu um edital de estímulo à produtividade de pesquisa e inovação lançado no mês passado. 

A proposta inicial de conceder R$ 90 mil em bolsas, cujo montante viria do orçamento de custeio, não teria como se manter.“Se o bloqueio virar corte, nós teremos um impacto muito sério. Com o que estava aprovado na LOA (Lei Orçamentária Anual), nós conseguiríamos adotar e terminar o ano com responsabilidade fiscal. Com o corte, a gente vai ter que diminuir atendimento. A maioria das nossas unidades não chega ao final do ano”, adiantou Araújo, ao CORREIO. 'Se não tiver luz, limpeza, segurança, não tem pesquisa', diz reitor da Ufba Ministério da Educação bloqueia R$ 40 milhões de mais três universidades baianasMEC contraria discurso e congela 2,4 bilhões da educação básica, além das faculdadesDa descoberta do zika vírus a nanopartículas em fungos: conheça a 'balbúrdia' da Ufba

Otimização No Ifba, o bloqueio foi identificado na sexta-feira (3), através do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). Com R$ 24 milhões a menos, o reitor do instituto, Renato da Anunciação Filho, já calcula o que terá que deixar de fazer em 2019. 

O Ifba, com 24 campi em cidades como Camaçari, Juazeiro e Paulo Afonso, já vinha sofrendo com contingenciamentos. Desde 2014, os recursos repassados têm sido reduzidos ou bloqueados (mas liberados no segundo semestre do ano em questão). E, desde então, a administração já tentava otimizar. Sem chance de trabalhar fora do limite de orçamento, os custos de energia e de água já tinham sido reduzidos. 

Hoje, a instituição conta com quatro usinas fotovoltaicas de 100 KW (em Paulo Afonso, Irecê, Jacobina e na reitoria, em Salvador), além de sistemas de aproveitamento de água da chuva, na maioria dos campi. A maior parte do orçamento de custeio vai para a segurança patrimonial, seguida da limpeza. Só a vigilância consome, em média, 30% do valor total. “Não tem sobra, não tem gordura para cortar. Com o orçamento, só dá para funcionar até setembro, a não ser que a gente faça cortes em áreas que colocam em risco o patrimônio. Se cortar da vigilância, coloca o patrimônio em risco”, explica o reitor.Cada campus tem, no mínimo, 30 mil m² de extensão. Cada posto de vigilância com quatro profissionais custa R$ 19 mil por mês – quase R$ 230 mil por ano. “E a gente não funciona com posto só. Em média, temos um custo de R$ 700 mil por campi (por mês), na vigilância”. 

Mesmo assim, ele tem traçado estratégias: redução de diárias de passagens; substituir viagens por webconferências; diminuir o uso de combustível limitando as saídas com veículos oficiais e até controlar o gasto de água e energia, ainda que já sejam otimizados. Nem a segurança deve ficar de fora, por ser o maior valor – a ideia é fazer um estudo de redução de postos de vigilância e limpeza. 

“No ensino, em si, o impacto é menor porque é local. Mas hoje temos um grande número de grupos de pesquisa, apresentamos trabalhos nacionais e internacionais. Tem impacto sobre isso, visitas, participações em seminários. Participação em evento é divulgação científica, prestação de contas à sociedade. A redução da difusão desse conhecimento reduz o movimento de evolução científica e tecnológica do país”, explica Anunciação Filho.

“A primeira ideia que se tem é que você não vai conseguir concluir o curso”, desabafa Maria Clara Simas, 17 anos, estudante do Curso Técnico em Química do Ifba. Hoje e amanhã, alunos da instituição vão se reunir para definir um posicionamento em relação ao bloqueio.

“É um sentimento de decepção com a situação do país, não só com a gente, mas com outros institutos. A gente não consegue ter nem ideia do que vai acontecer e dá medo”, afirma Luciano Rebouças Neto, 23, aluno de Engenharia Industrial e Elétrica. Em nota, o MEC disse que o “critério utilizado para o bloqueio de dotação orçamentária foi operacional, técnico e isonômico para todas as universidades e institutos”.

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Atividades paradas Ainda que, oficialmente, o bloqueio não atinja atividades de ensino, pesquisa e extensão, isso acontece de forma indireta. É por isso que o DGTI Social já é um dos projetos dados como certos para não acontecer em 2018 – a menos que o bloqueio seja revisto. Se fosse para acontecer segundo o cronograma original, as inscrições teriam que ser abertas em junho, com aulas previstas para serem iniciadas entre julho e agosto. 

No ano passado, três mil pessoas se inscreveram para o projeto, que ofereceu 128 vagas – 64 no curso de informática e manutenção e 64 no curso de redes. Os dois são divididos em duas fases: 100 horas de aulas teóricas e práticas e outras 100 horas de estágio no próprio campus do Ifba, em Salvador. Os participantes, que são selecionados por sorteio, são pessoas em situação de vulnerabilidade social. 

Na última edição, cuja formatura aconteceu em fevereiro, houve até um aluno autista e um aluno com deficiência auditiva. No caso do primeiro, o estudante foi encaminhado para uma equipe de pedagogia e psicologia da instituição. Já o estudante com deficiência auditiva tinha uma tradutora da Língua Brasileira de Sinais (Libras) que o acompanhava em todas as aulas. Todos os custos eram bancados pelo Ifba.  Os participantes do curso de 2018 tiveram uma formatura em fevereiro (Foto: Acervo pessoal) “O nosso curso é barato, comparando com outros. Mas a gente precisa, de fato, da impressão dos materiais. A gente poderia ajustar e entregar online, mas a realidade é de pessoas carentes, que não têm acesso a computador”, explica o professor Luiz Machado, que coordena a iniciativa. O cenário ideal, inclusive, era de que o Ifba oferecesse ajuda de custo para os estudantes. No entanto, isso já não era possível. “Tinha aluno que saía da Boca do Rio andando até a reitoria, saía da Ribeira andando. Chegava com fome e não tinha direito para o transporte para fazer um curso”, conta. 

No curso, eles aprendiam desde como diagnosticar um problema no computador – a partir de um barulho estranho ou de um vírus, por exemplo – até como corrigir ou formatar o equipamento. Além disso, aprendem noções de atendimento ao cliente e valores aproximados para cobrar de serviços como uma formatação. 

“É frustrante porque nosso papel não é apenas ensino de qualidade e pesquisa, mas trazer a comunidade. A gente traz isso através da extensão. São pessoas que nem sempre têm perspectiva e, a partir da extensão, você consegue mostrar para elas que é possível”. 

O grupo de pesquisa em Sistema de Automação e Mecatrônica, da professora Andrea Bitencourt, do Ifba/Polo de Inovação Salvador, deu início a uma capacitação em robótica para deficientes auditivos nesta segunda. Mas, se não estivesse com tudo pago, o curso, com duração prevista para dois meses, provavelmente seria cancelado. 

Outras ações – que são realizadas em locais como o Bairro da Paz e a Escola Parque – estão possivelmente suspensas. O projeto, que existe desde 2013, promove ações de diferentes durações, ao longo de cada ano.  No projeto coordenado pela professora Andrea, os estudantes têm contato com a robótica (Foto: Divulgação) “Essa que começou precisa de intérprete, material para usar nas oficinas, bolsa para os alunos. Tudo isso são recursos que vão ser reduzidos com esse corte. Quando a gente fala em corte de recursos, envolve desde bolsa até material de consumo. Claro que eles estão dizendo que esse corte de bolsa e assistência não vai ter, mas, se corta terceirizado, me priva de proporcionar curso para os alunos surdos, por exemplo”, pontua a professora. Onde não há cortes totais, há redução prevista. No ano passado, o projeto tentou ampliar o conhecimento da robótica em 18 campi do Ifba. Cada um recebeu kits de robótica com auxílios que custavam por volta de R$ 10 mil.

“Você tem esses campi com materiais que podem desenvolver ações em suas comunidades, mas esse ano, a gente vai conseguir um recurso menor. Ano que vem, pode nem ter”, diz Andrea. Agora, essas mesmas unidades podem receber auxílios de R$ 700.

Edital suspenso No IF Baiano, o incentivo à pesquisa parecia estar encaminhado. No mês passado, a instituição tinha lançado um edital de R$ 90 mil para conceder 15 bolsas - cada uma de R$ 6 mil, a serem pagas em três parcelas mensais - a professores e pesquisadores da casa. 

No entanto, quando os cortes anunciados pelo MEC se materializaram como um bloqueio que chega a 38% do orçamento de custeio (assim como no Ifba, sem a assistência estudantil), o reitor Aécio José Araújo se viu sem saída: teve que suspender o edital. O valor seria pago pela própria instituição, vindo da verba de custeio. 

O caso do IF Baiano é mais delicado em alguns aspectos. A instituição conta com alunos em regime de internato pleno – ou seja, estudantes que vivem em alojamentos – em quatro dos campi: Uruçuca, Catu, Guanambi e Santa Inês. Nesses locais, o valor destinado à assistência estudantil é, historicamente, maior. 

Como o valor repassado à assistência não foi incluído nos cortes, o percentual acaba mudando. Nesses campi, onde a assistência representa um quantitativo maior, o restante da rubrica de funcionamento é menor. Assim, o valor bloqueado representa um percentual maior: nesses quatro campi, o orçamento pode ser cortado em índices entre 40% e 50%. 

As residências estudantis atendem alunos de cidades vizinhas às que têm unidades do instituto. Sem elas, o reitor avalia que os índices de evasão escolar seriam altos. Ao contrário do Ifba, porém, o IF Baiano não tem usinas fotovoltaicas. O instituto estudava a aquisição de uma usina para o próximo ano, mas, agora, o reitor acredita que é um cenário improvável. “Temos que fazer um estudo geral para ver onde adotar revisões de contratos, mas digo que é impossível adequar tudo até chegar a 38%. O impacto é a precarização do atendimento. A gente não sabe como as atividades pedagógicas vão se resolver”, diz o reitor, que também prevê que as contas só devem ser pagas até setembro. Impacto na formação Para o superintendente de comunicação do Comitê de Fomento Industrial de Camaçari (Cofic), Érico Oliveira, ainda que recente, os próprios IFs é que podem fazer uma análise do impacto na formação. A indústria é um dos principais mercados de destino desses profissionais. 

"O que a gente espera é que, seja qualquer que seja a política ou desdobramento, qualquer medida possa trazer um resultado cada vez melhor para o ensino e a educação. Hoje, o polo é atendido principalmente pelo Senai, mas não é o único". 

Para o reitor do IF Baiano, Aécio José Araújo, mais do que prejudicar a formação de profissionais para mercados como a indústria, a situação dos institutos federais preocupa devido ao próprio modelo de educação profissional utilizado por eles. Nos IFs, é possível estudar da educação básica, através do Ensino Médio técnico, até a pós-graduação, com programas de mestrado e doutorado. 

“O Ensino Médio técnico se adequa muito mais à formação de um profissional imediatamente absorvível, mas, nos institutos, os alunos têm a oportunidade de fazer o Médio e, dentro da própria estrutura, se verticalizar, passar para graduação, pós-graduação”, diz. 

Esse modelo, para ele, uma das grandes vantagens dos IFs – que consegue, ainda, chegar a cidades que não têm muito acesso à educação. “Se realmente vier a diminuir, a gente vai prejudicar esse modelo todo. Hoje, os institutos têm que ser visualizados como algo diferenciado. São instituições criadas há 10 anos (o IF Baiano é de 2008), então elas não podem ser cobradas como as que já produziam cientificamente, mas já estão dando resultados”.  

O Instituto Federal da Bahia (Ifba) Fundação: 1910 (como Escola de Aprendizes da Bahia, passou por diferentes nomeações até se transformar em Cefet) 24 campi 32 mil alunos – ensino presencial  4 mil alunos – educação à distância Cerca de 60% dos estudantes são do ensino médio técnico, enquanto 40% são do ensino superior

O Instituto Federal Baiano (IF Baiano) Fundação: 2008 14 campi e uma reitoria (em Salvador) 16 mil alunos