Danificado por infiltração, casarão do Museu Ruy Barbosa passará por reforma

Equipe técnica visitou o local pela primeira vez, nesta terça (1), após reintegração de posse da ABI

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  • Gil Santos

Publicado em 2 de março de 2022 às 06:03

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho

A infiltração manchou as paredes, danificou o teto e maltratou a fachada. As baratas se multiplicaram pelo imóvel e, junto com cupins, estão destruindo o assoalho. Foram essas as observações feitas durante a primeira vista pelo colegiado responsável pela programação que vai marcar os 100 anos de morte de Ruy Barbosa ao Museu Casa Ruy Barbosa, na rua de mesmo nome, no Centro de Salvador.  A visita aconteceu 16 dias após a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) retomar o comando o prédio depois de uma disputa judicial com o grupo que administra a Faculdade Ruy Barbosa. 

O casarão foi o local onde o ilustre jurista, político e jornalista baiano nasceu e onde viveu durante a infância. Está localizado numa rua estreita, próximo à Ladeira da Praça, e deveria preservar  um acervo com 3,6 mil peças. Ao cruzar o batente do número 12 da Rua Ruy Barbosa já é possível perceber o estado de abandono do prédio. Na parede esquerda do hall, cinco placas denunciam a importância do local. São registros de requalificações feitas pelo poder público e de feiras internacionais de livros desenvolvidas por ali. É o único sinal de sua grandiosidade em meio a tábuas corroídas, teias de aranha e muita poeira. Segundo o vice-presidente da ABI, Luis Guilherme Pontes Tavares, o local foi doado pela prefeitura à Associação na segunda metade dos anos 1930. 

Na época, houve um forte apelo pela restauração. O poder público e empresas privadas ajudaram, os soteropolitanos fizeram doações e o casarão, até então ruína, foi reconstruído com base em fotografias antigas. Em 1949, foi aberto como guardião  da  memória de umas das figuras  mais importantes do país. “Nós temos agora um bem valioso, mas também um desafio monumental. A  construção do museu só foi possível com a participação de instituições públicas e privadas, e das doações da comunidade. É  o que a gente aguarda a partir de agora”, afirma Tavares. 

Depois da abertura, o prédio viveu momentos grandiosos. Realizou eventos e sediou encontros nacionais e internacionais - foi revitalizado em 1986 e, novamente, em 1994. Em 1998, a ABI cedeu a administração à Faculdade Ruy Barbosa (UniRuy, atualmente), mas, em 2019, a instituição interrompeu a parceria. Foi então que o processo judicial se instaurou. No dia 13 de janeiro deste ano, a justiça reintegrou de posse à ABI. 

Cenário À esquerda da entrada principal está um salão amplo onde o assoalho de madeira está com buracos e a pintura das paredes descascando. Do outro lado do corredor, mais um  salão abriga os móveis da casa que Ruy Barbosa tinha em Petrópolis (RJ). Como estão embalados, não é possível dizer o estado de conservação. O teto dos pavimentos do  térreo está danificado, com buracos que caberiam a cabeça de um homem adulto. A escada no final do corredor leva ao pavimento superior. A madeira de qualidade ainda guarda o verniz dos tempos áureos, mas está cedendo.

Do lado de fora, a vegetação começou a subir na fachada encharcada pela infiltração. A diretora de Patrimônio e Humanidades da Fundação Gregório de Matos (FGM), Milena Tavares, acompanhou a visita: “O prédio foi recuperado através de fotografias. As telhas usadas não são as mais adequadas, tinha que ser telha colonial. O primeiro passo tem que ser um projeto de recuperação, inclusive, contemplando o telhado. A gente observa que a degradação do imóvel foi muito por conta das infiltrações. Os  forros estão ameaçando ruir, as paredes estão com afloramento de sais e uma série de questões que  indicam a emergência dessas ações”. 

Fazem parte do colegiado também a Associação Comercial da Bahia, o Instituto de Geografia e História da Bahia, a Câmara Municipal de Salvador  e a Academia de Letras da Bahia. O professor e vereador Edvaldo Brito (PSD) representa as duas últimas instituições e pediu  maior comprometimento da sociedade: “O povo mede a sua capacidade pela sua história. Ruy Barbosa é a maior expressão intelectual do país, então, reverenciar a memória dele é também dar aos jovens um exemplo”. 

O objetivo inicial era reabrir o museu em 1º de março de 2023, nos 100 anos da morte de Ruy Barbosa. Mas, sem os recursos necessários, isso será impossível. Agora, as instituições estão se organizando para buscar doadores. 

Acervo tem 3,6 mil documentos, móveis e objetos pessoais de Ruy Barbosa Diretor do Museu Ruy Barbosa e jornalista, Jorge Ramos conta que o espaço guardava livros, pinturas da família do jurista e móveis da casa de Petrópolis de Ruy Barbosa. Havia também correspondências do intelectual, medalhas, óculos, canetas e outros objetos pessoais. Com o tempo, alguns deles foram furtados, como um relógio de ouro que ficava na cabeceira do político. Em 2018, bandidos levadas 15 peças do local, incluindo dois bustos de bronze. 

Ramos também é pesquisador do Instituto de Geografia e História da Bahia (IGHB), instituição que faz parte do colegiado. Ele diz que o museu está fechado há cerca de 8 anos e que Ruy Barbosa deixou o imóvel após uma perda: “Ele nasceu na casa que existia aqui. Mas depois que a mãe dele morreu,  Barbosa foi estudar em internatos. Quando o pai dele morreu, anos depois, ele faz o inventário do pai, paga as dívidas e deixa todos os bens para a irmã. O imóvel dessa época desabou e esse de hoje em dia foi reerguido, com a fachada baseada em uma gravura antiga. O arquiteto fez a fachada, mas por dentro é diferente”.

Na época do desabamento, Ruy Barbosa já atuava como advogado. Justamente, a escrivaninha que ele usava para trabalhar é um dos móveis conservados.  A bibliotecária Ana Lúcia Albano faz parte do Grupo de Estudos Interdisciplinares da Raridade Documental, responsável pela transferência, higienização e acondicionamento do acervo que foi levado do museu para a sede da ABI. Ela diz que o acervo bibliotecário e documental precisa de pouca intervenção. “Estava armazenado em uma estante de madeira colada à parede e, por conta da infiltração, alguns estavam mais danificados, como folhetos e periódicos. Já os que foram encadernados estão mais bem conservados”, conta. 

O inventário inclui 115 pastas do acervo arquivístico, 745 títulos e 2.637 exemplares bibliográficos, e 125 peças museológicas. São 3.622 peças. Entre os documentos, alguns inusitados como 12 atestados de óbito de pessoas do século XX. As equipes não sabem como esses documentos entraram no acervo. Há também uma correspondência trocada entre Ruy e a esposa Maria Augusta, quando eles ainda não eram casados.