De celular, mulher monitorava câmeras instaladas por traficantes na Liberdade

PMs encontraram quatro câmeras, uma delas escondida dentro de uma caixa presa em um poste

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 14 de julho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Na palma da mão, ela sabia de tudo em um raio de 100 metros. As informações coletadas eram passadas para a Ordem e Progresso (OP), facção que domina o tráfico de drogas entre a Liberdade e a Rua Nilo Peçanha, trecho da Calçada. Uma mulher recebia no próprio celular, em tempo real, as imagens das câmeras instaladas pelos traficantes para monitorar o acesso de policiais e da arquirrival, a organização criminosa Bonde do Maluco (BDM).

A mulher, que não teve o nome revelado, foi surpreendida em casa por policiais militares das Rondas Especiais (Rondesp) Baía de Todos os Santos (BTS) no sábado, 11, na Rua Lino Coutinho, Liberdade, no mesmo dia em que os PMs encontraram quatro câmeras, uma delas escondida dentro de uma caixa presa em um poste. Na Vila Campo Formoso também foi encontrada outra câmera.

Na casa dela, no segundo andar de um prédio, os policiais militares encontraram um aparelho de DVR, utilizado para a gravação das câmeras, que funciona como um computador, mas de maneira simplificada. Ou seja, era uma central de monitoramento. As imagens eram todas enviadas para o celular da mulher através de um aplicativo. Desta forma, ela e outros olheiros tinham como avisar aos traficantes da área a chegada da polícia ou de grupos rivais. “Ela também participava da associação criminosa como olheira. Uma olheira através da tecnologia”, declarou o comandante da Rondesp BTS, tenente-coronel Elismar Leão. Rondesp encontrou câmeras conectadas a uma residência (Foto: Marina Silva/CORREIO) No início da tarde desta segunda-feira, 13, policiais da Rondesp BTS localizaram mais duas câmeras da Rua Melo, na Liberdade, conectadas à central de monitoramento montada na casa da mulher. 

Levada para a 5ª Delegacia (Periperi), a mulher se manteve o tempo todo em silêncio.  “Ela não se justificou em nenhum momento. O que se sabe é que as imagens das câmeras iam todas para o celular dela através de um aplicativo específico. O aparelho dela, assim como todo o material apreendido, foi para a perícia”, declarou o comandante da Rondesp BTS, tenente-coronel Elismar Leão.[

Companheiro traficante

Segundo o comandante, a mulher convive com um homem que já responde por tráfico de drogas. “Na casa foram encontradas 26 ‘trouxinhas’ de maconha que seriam dele. Isso também está sendo apurado. Então, foi conduzida à Polícia Civil que abriu um inquérito para verificar qual a participação dela nisso tudo. Ela poderá responder por associação ao tráfico”, explicou.  

De acordo com o tenente-coronel, as câmeras foram instaladas pelos próprios traficantes na Rua Lino Coutinho e na Vila Campo Formoso. “Em algumas situações, traficantes obrigam pessoas da própria comunidade a realizarem algumas atividades. Isso é comum com pedreiros, mestres-obras. Mas não foi esse o caso. Foram os próprios traficantes da área que fizeram a instalação dos equipamentos nos postes. Isso quer dizer que tem gente com conhecimento técnico que faz parte do grupo criminoso”, disse o comandante.

A Rua Lino Coutinho e a Vila Campo Formoso não receberam as câmeras dos traficantes à toa. As duas localidades dão uma visão ampla de toda a Calçada, ainda de acordo com o comandante da Rondesp BTS. “São pontos estratégicos que, obrigatoriamente, quem vem da Nilo Peçanha para a Liberdade, tem que subir por esses pontos. As câmeras serviam não só para monitorar a chegada da polícia, como também a presença do grupo rival”, explicou.

O comandante disse ainda que após essa apreensão, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) vai intensificar as ações em bairros onde o tráfico está mais concentrado. “A medida é para identificar novos pontos com câmeras instaladas por traficantes. Vai se observar nesses locais os pontos estratégicos de observação de chegada da polícia e dos rivais”, acrescentou.  

O CORREIO perguntou à SSP se já existe um mapeamento de locais onde há outras centrais de monitoramento de câmeras operadas por traficantes. Em nota, o órgão respondeu que “ não temos mapeamento dessa natureza. Na Liberdade o flagrante ocorreu durante patrulhamento de rotina”.  (Foto: Marina Silva/CORREIO) Coruja

No início da manhã desta segunda-feira (13), policiais da Rondesp BTS retornaram ao local, na tentativa de prender os traficantes. Eles realizaram algumas incursões e fizeram abordagens por volta das 7h30 na Rua Lino Coutinho e a Vila Campo Formoso, mas ninguém foi preso.

Questionando sobre qual facção atua no local, o comandante da Rondesp BTS, tenente-coronel Elismar Leão, preferiu não falar o nome da organização criminosa. Apesar se referiu como “o grupo criminoso”. No entanto, o CORREIO apurou com fontes da SSP que o comando da Liberdade e parte da Calçada é o traficante Thiago Adílio dos Santos, conhecido como Coruja, líder da facção chamada OP (Ordem e Progresso) - dissidência da CP (Comando da Paz/Comissão da Paz). 

Coruja foi preso em fevereiro do ano passado na comunidade de Jardim Caiçara, controlada pela facção Comando Vermelho, na cidade carioca de Cabo Frio. Na ocasião, ele era apontado pela SSP como o bandido mais procurado de Salvador. 

Em Cabo Frio, ele vivia numa casa sem luxo, evitando exposição, pois sabia que era procurado pela polícia. A prisão de Coruja foi resultado de uma Força-Tarefa da polícia baiana – Superintendência de Inteligência, Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) –  e do Rio de Janeiro, além da Polícia Federal baiana.

Logo após a captura do líder da OP, o delegado André Rocha do Departamento de Repressão de Entorpecentes (DRE) da Polícia Federal, disse, na época, que a facção movimentava mais de R$ 1 milhão por mês.

Paripe teve caso parecido há três anos

Em Paripe, situado no Subúrbio Ferroviário, um caso semelhante ao da central de monitoramento clandestino desbaratada na Liberdade ocorreu em 2017. No bairro, na época, era através também do celular que os traficantes de Paripe acompanhavam a chegada da Polícia Militar. O esquema foi descoberto durante uma ação da 19ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Paripe), na tarde de 21 de setembro de 2017, uma quinta-feira, na localidade conhecida como Portelinha.

No local, os policiais constataram que os traficantes haviam obrigada moradores a instalarem as câmeras de vídeomonitoramento para acompanhar em tempo real de seus smartphones a chegada dos militares e o trânsito de viaturas no local. As câmeras foram retiradas e apreendidas na operação.

Quando encontrou o esquema de olheiros digitais de Paripe, a Polícia Militar havia ido ao bairro em busca do traficante conhecido como Ciel, após reconhecerem a residência dele através de um vídeo postado nas redes sociais pouco antes do começo da operação. No vídeo que viralizou, Ciel estava impondo castigos físicos a dois adolescentes, acusados de cometerem estupros na comunidade.

Ao perceber a presença da polícia, o suspeito fugiu pelos fundos da casa. Já a comparsa dele, uma mulher de 28 anos, foi presa no local.  Os policiais militares encontraram também, além das câmeras, duas granadas e 20 trouxas de maconha. A acusada e o material  apreendido foram apresentados no Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco).