De mulher pra mulher: projeto feminista conserta casa e ensina reparos

Elas ajeitam redes elétricas, desentopem canos, instalam chuveiros, criam móveis... E empoderam outras mulheres

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  • Fernanda Santana

Publicado em 14 de julho de 2019 às 06:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Pessoal

Aqui, tudo é resolvido entre minas. As mulheres contratam e outras mulheres resolvem. O negócio surgiu em 2015, quando duas amigas, desconfiadas em receber prestadores de serviços homens dentro de casa, decidiram criar elas próprias uma empresa que serviria também como rede de apoio.

Desde então, as sócias do Entre Minas ajeitam redes elétricas, desentopem canos, instalam chuveiros, criam móveis e fazem de tudo um pouco para outras mulheres. Aqui, os homens não entram. 

No escritório no bairro de Saúde, os baús guardam instrumentos básicos para o grupo, como parafusadeira, serra circular, tico-tico.“Se um homem faz porque eu não posso fazer?”, diz May Barros, uma das sócias, ao receber a reportagem.As sócias preferem não dar entrevista, ficam apenas no serviço pesado. Cada uma, inclusive, costuma trabalhar com segmentos específicos. Encanamento, por exemplo, é assunto para Shel Lisboa, engenheira sanitarista. Já May, formada em Museologia, vai da eletricidade à marcenaria, uma paixão antiga.

As mulheres do Entre Minas enfrentam duas correntes: romper o estigma de que serviços como aqueles são assunto de homem e encorajar outras mulheres a acreditarem. Não são raras as clientes que perguntam: vocês dão conta mesmo? Elas dão. “A gente não aprende esse tipo de coisa. A resistência, por exemplo, é algo muito simples, mas que é aterrorizante. Justamente pelo medo”, conta May. Mas a principal situação segue a mais comum. Assim como os relatos de desconfiança masculina.

Num só dia de serviço, May precisava instalar luminárias e mexer em outras partes da rede elétrica do apartamento de uma cliente. Também precisou lidar com o pai da moça, que logo emendou questões, para descredibilizá-la. “Nunca vi mexer com elétrica e desligar o disjuntor”, resmungou. O recomendado pelos bombeiros é justamente desligar, como fez May. Mas ela permaneceu em silêncio. “Não trabalho para homem”. A filha, no entanto, não ficou quieta, e perguntou se o pai é quem pagaria o pelo serviço. Ele saiu, indignado.

As mulheres do Entre Minas realmente não trabalham para homens. Nem para atender os pedidos cada vez mais constantes.“A gente queria muito poder atender todo mundo, mas sabemos que não estamos seguras ainda”, responde May.No início, o medo era ainda maior. Tinham medo de ser levadas para uma emboscada por homens disfarçados de mulheres nas redes sociais. Tanto que gastavam horas do dia para pesquisar o perfil das clientes e garantir que eram, de fato, quem diziam ser. Nunca provaram o contrário. 

Ensinando as mulheres Boa parte da infância de May passou na oficina do pai, Seu Geva, antigo marceneiro no município de Cruz das Almas. Antes e depois da escola, e também aos sábados, observava o ofício do mentor entre parafusos e pedaços de madeira. Mas ela só aprendeu o que sabe anos depois, quando a necessidade foi maior. Era 2007, quando a então estudante de Museologia da Universidade Federal da Bahia (UFRB) precisou trocar, na intuição, uma torneira. Hoje, ensina outras mulheres como, sozinhas, podem fazer reparos domésticos. 

As oficinas surgiram em 2017 e já ultrapassaram até as fronteiras brasileiras. Já foram 18 edições realizadas. Em março, May desembarcou em Buenos Aires. No Brasil, já passaram por Minas Gerais e Brasília. A ideia é ensinar desde técnicas de marcenaria e reparos em tubulações. “Depois, elas não vão nos contratar mais. Mas nos sentimos bem compartilhando o que sabemos com outras mulheres”, diz May. Afinal, tudo pode ser aprendido. 

Afinal, há menos de quatro anos, a empreendedora trabalhava na implementação do Museu do Rio Vermelho, imersa nas intimidades da família Amado. Hoje, já faz de tudo um pouco. A mesa amarela do escritório, por exemplo, foi feita e pintada por ela. O baú roxo onde estão algumas das ferramentas saiu das mãos da antiga estagiária. 

As alunas, com perfis completamente diversos, costumam chegar às aulas desorientadas. Aos poucos, descobrem que uma resistência elétrica não é aterrorizante. Aos poucos, descobrem que a autossuficiência está, literalmente, na palma das mãos. 

*Com orientação da editora Mariana Rios