Delegado morto em abordagem da PM tinha cocaína no sangue, diz laudo do DPT

Ministério Público denunciou um PM por homicídio qualificado; caso foi em Itabuna

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  • Tailane Muniz

Publicado em 17 de junho de 2019 às 20:54

- Atualizado há um ano

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Peça do inquérito policial que investiga a morte do delegado José Carlos Mastique de Castro Filho, 55 anos - assassinado em abril, durante uma abordagem da Polícia Militar, em Itabuna, no Sul do Estado -, o laudo toxicológico produzido pelo Departamento de Polícia Técnica (DPT), ao qual o CORREIO teve acesso, apontou a presença de cocaína no sangue e na urina da vítima. 

Cleomário de Jesus Figueiredo, um dos PMs envolvidos, foi denunciado pelo Ministério Público do Estado (MP-BA) em 29 de maio por homicídio qualificado.

Realizado pela Coordenação Toxicológica Forense do DPT, no Laboratório Central de Polícia Técnica, o exame também encontrou cocaetileno - substância produzida pelo fígado humano quando uma pessoa utiliza, simultaneamente, cocaína e álcool, além de benzoilecgonina, um metabólito da cocaína ou do chá de coca. Nas vísceras, rins e estômago de José Carlos, no entanto, nada foi detectado. 

O laudo é assinado pelo perito Gustavo de Argôlo Ferreira e informa que tem o objetivo de pesquisar “cocaína, maconha, ecstasy”. Ainda de acordo com o documento, as análises são feitas “por meio da técnica de imunocromatografia para detecção de metabólitos da cocaína, maconha, anfetaminas, benzodiazepínicos e barbitúricos, sendo obtido resultado indicativo para a presença de metabólitos da cocaína [benzoilecgonina]”. 

Representante da família do delegado morto, o advogado Gustavo Gomes Brito disse à reportagem que a família de José está "bastante abalada com a exposição negativa". "Eles [familiares] não vão se manifestar por dois motivos: primeiro pelo desgaste emocional e, segundo, porque em nada muda o fato de ele ter sido brutalmente assassinado. Eu ainda não tive acesso ao laudo, até hoje à tarde, eu consultei o processo e ele não estava lá". Laudo detectou presença de cocaína (Foto: Reprodução) Para Gustavo, o questionamento quanto à utilização de drogas, ou não, por parte de José Carlos, não muda as circunstâncias do caso. "A pergunta que tem que ser feita não é se ele é usuário de drogas ou não e, sim, se a Polícia Militar tem o direito de executar alguém, ainda que fosse um usuário. É uma tentativa desleal de manchar a imagem dele", afirmou. 

O CORREIO procurou o DPT para compreender as circunstâncias do laudo e se é possível afirmar, por exemplo, que José Carlos Mastique de Castro Filho estava sob o efeito de cocaína no momento do crime ou se os vestígios indicados podem ser de datas anteriores, mas, por meio da assessoria, a pasta informou que não poderia falar sobre um laudo “cujo inquérito está em andamento”.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) afirmou, por meio da assessoria, que não se pronunciará acerca do assunto antes da conclusão do inquérito, que é conduzido pela 6ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Coorpin/Itabuna). A reportagem não conseguiu contato com o delegado André Aragão, responsável pelo caso.

Provas e denúncia do MP A morte do delegado ocorreu num posto de combustível, no bairro Jardim Vitória. A princípio, outro policial militar, além de Cleomário, era suspeito de envolvimento na morte do delegado José Carlos Mastique. Eles chegaram a ser presos preventivamente, também em abril, mas foram liberados pela Justiça no prazo de 30 dias - o inicial no caso das prisões temporárias.  Ambos são lotados no 15º Batalhão da Polícia Militar (BPM), em Itabuna, mesmo município em que ocorreu o crime. 

No dia 30 de maio, no entanto, o MP ofereceu denúncia apenas contra Cleomário. O advogado Gustavo Gomes afirmou que as imagens do posto de gasolina registraram o momento em que o delegado foi morto."As imagens são claras e uma prova substancial para embasar a denúncia do MP. Além de imagens, tem as testemunhas e, ainda, o tempo que levou até ele [José] ser socorrido, coisa de 20 minutos", acrescentou.Segundo Gustavo, o inquérito já foi concluído. "Até onde sei, tudo começou porque José foi defender uma mulher que estava sendo agredida por um homem. Uma terceira pessoa, um policial à paisana, acabou discutindo com ele. Ao ser desacatado, ele deu voz de prisão e, então, chamaram a PM. A Militar chegou e colocou ele no chão, apontou a arma, ele não reage", destaca, ao comentar as imagens.  

O processo está em segredo de Justiça, mas o CORREIO teve acesso à denúncia do Ministério Público, que corrobora a versão da família da vítima. No documento, assinado pelo promotor de Justiça Rafael Lima Pithon, o argumento da denúncia é de que o soldado Cleomário atira na vítima, mesmo quando o delegado já se encontrava "com a arma apontada para o alto e os braços erguidos, em posição evidente de rendição". 

A denúncia utiliza as imagens como referência para descrição do caso, que, também de acordo com o MP-BA, teria sido iniciado após José Carlos ser parado por uma mulher, quando passava no local, que havia, junto com o namorado, se desentendido com um outro casal, entre eles, um PM. O delegado, acompanhado de um investigador e uma mulher, teriam se identificado, mostrando suas carteiras funcionais.

"Contudo, os policiais militares adotaram um comportamento hostil, exigindo que os agentes da Polícia Civil deitassem no chão e entregassem as armas, mesmo após constatarem que se tratava de agentes estatais", diz a denúncia. A reportagem procurou o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA), mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

Outra versão A versão do 15º BPM é diferente. Conforme registrado em boletim de ocorrência, na 6ª Coorpin, os dois militares afirmaram que receberam uma denúncia de assalto na loja de conveniência do posto, por meio de um casal. Cleomário e o outro PM disseram que, no local, encontraram um carro de cor prata, com uma mulher no interior do veículo e "dois indivíduos ao lado" - um deles seria José. 

Afirmaram que um dos homens, que portava uma arma na cintura, "aparentava sinais de embriaguez" e que os policiais, então, pegaram sua arma. Neste momento, os PMs afirmam que José se afastou e sacou uma segunda arma para atirar contra eles. O boletim narra que foi neste momento que o soldado Cleomário, com uma submetralhadora, dispara e atinge José no peito.

José Carlos estava há 15 anos na Polícia Civil e era lotado na 13ª Delegacia (Cajazeiras), em Salvador. Ele era casado e deixou um filho.

Veja denúncia do MP-BA contra soldado: