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Da Redação
Publicado em 22 de setembro de 2022 às 05:10
Sem trabalho fixo e sem oportunidade para reingresso no mercado de trabalho. É assim que vive Fabiana Borges, 33, desde que sofreu um acidente na vértebra e perdeu movimentos do pescoço para baixo, em 2008. Há 14 anos, ela não recebe admissão de nenhuma empresa, inclusive, das que têm políticas de inclusão para Pessoas com Deficiência (PcD). >
“Cinco anos depois da lesão, vi num site que estavam fazendo entrevista para PcD e no card tinha uma pessoa que usava cadeira de rodas. Fui para entrevista e o gerente disse que eu não poderia participar da seleção porque o restaurante não tinha espaço para minha cadeira”, recorda. Já sem esperança, hoje Fabiana se sustenta com o salário mínimo que recebe pela aposentadoria por invalidez. >
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados na quarta-feira (21), no Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, revelam que a situação de Fabiana não é exceção, mas regra. Na Bahia, a taxa de desemprego chegou a 15,4% para o público PcD, em 2019. O número superou a média nacional (10,3%) e atingiu o maior percentual de desemprego para a classe em todo o país. Fabiana sofreu acidente em 2008 (Foto: Ana Albuquerque/CORREIO) A participação das PcD no mercado de trabalho formal do estado não chega a 1%. Os 20.525 mil trabalhadores somam só 0,93% do mercado de trabalho, mediante 2,1 milhões de pessoas sem deficiência, conforme Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2020 - dado mais atual -, fornecidos pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI). >
Os dados do IBGE concordam com a disparidade. A pesquisa ainda mostra que a taxa de participação na força de trabalho das pessoas com deficiência era 29%. O número representa menos da metade daquela entre as pessoas sem deficiência (64,4%). No Brasil, a distância era de 28,3% das pessoas com deficiência na força de trabalho, ante 66,3% das sem deficiência.>
Sidenise Estrelado, coordenadora da área de Defesa de Direitos da Federação das Apaes do Estado da Bahia, associa o destaque negativo do estado ao índice de escolaridade das pessoas com deficiência. “[Ainda há] processo de exclusão escolar em voga no estado da Bahia, onde políticas públicas não se efetivaram. É uma defasagem muito grande em relação a outras pessoas sem deficiência e o mercado não vai absorver pessoas que, ainda que tenham baixa escolarização, não tenham mínima conduta laboral para estar no ambiente do trabalho”, afirma. >
Em 2019, no estado, quase quatro em cada 10 pessoas de 10 anos ou mais de idade com deficiência eram analfabetas (37,6%), o que representa 549 mil pessoas sem saber ler nem escrever. A taxa é quase quatro vezes superior em relação às pessoas sem deficiência (10,8%).>
Inclusão >
Em paralelo, para Sidney Reis, conselheiro no Conselho Estadual Da Pessoa com Deficiência (COEDE), órgão integrante da estrutura da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), o estado está no foco porque há ampla mobilização da classe, o que torna os números mais fidedignos que em outras unidades. Ele também destaca a ausência de interesse empresarial para contratar e adaptar ambientes.>
Formado em psicologia, Sidney, que é cadeirante, diz que só depois de remover informação sobre ser PcD do currículo que começou a ser chamado para entrevistas de emprego. “A Lei de Cotas [Empresas com 100 ou mais colaboradores precisam preencher de 2% a 5% do seu quadro de funcionários com PcD] é boa e importante, mas tem empresa que não cumpre e prefere tomar multa porque iria gastar mais contratando do que pagando a multa”, protesta. E acrescenta: “as pessoas precisam entender que a inclusão não é um favor, é um direito”.>
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência dispõe que a classe tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Mas, a desigualdade acontece até mesmo dentro da classe, quando empresas dão oportunidade para pessoas com limitação parcial e preconizam quem tem alguma habilidade totalmente comprometida. >
O produtor cultural Ednilson Sacramento, 60, perdeu a visão gradualmente durante a fase adulta. Enquanto estava na fase de baixa visão, ainda conseguiu dois empregos. Contudo, após a perda total do sentido, não foi mais chamado. Ednilson está desempregado há 25 anos e hoje vive como aposentado.>
“Para pessoa sem deficiência o mercado de trabalho já é complexo e um funil, para pessoa com deficiência esse funil fica mais apertado. Embora a gente tenha uma lei, há dificuldade do empresário entender que PcD é capaz”, argumenta. Além da produção cultural, Ednilson ainda é consultor em acessibilidade e segue estudos em comunicação.>
No estado, 80% das pessoas com deficiência vivem com menos de um salário mínimo per capita >
A pesquisa do IBGE inclui que oito em cada dez pessoas com deficiência (79,6%) vivem com até um salário mínimo per capita na Bahia. O estado era o terceiro com maior percentual de população com deficiência no país e tinha 1,182 milhão de PcD morando em domicílios com renda mensal per capita inferior a R$ 998. >
É o caso de Luis Alves, 42, cadeirante e desempregado há mais de seis anos. Ele conseguiu direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), mas diz que ainda assim é difícil sustentar as contas da casa e, por isso, continua buscando trabalho. Luis conta que já conseguiu emprego em empresa que oferecia vagas exclusivas para PcD, porém, apesar da inclusão, o caminho até o trabalho era dispendioso e inacessível para ele.“Não tinha condições de ficar indo no trabalho no horário que queriam, adaptações dos ônibus estavam quebradas, eu tinha dificuldade para continuar trabalhando porque queriam que chegasse 8h para largar 17h, sendo que os ônibus vinham cheios e motoristas não queriam me levar”, explica, lembrando que era diária a tentativa de pegar ônibus e ver o motorista passar direto. Para resolver a situação, a orientação dos especialistas é que haja mais incentivos governamentais às empresas, assim como da família no processo de educação e alfabetização da PcD. A reportagem do CORREIO entrou em contato com o titular da Superintendência dos Direitos da Pessoa com Deficiência - vinculada à SJDHDS -, Alexandre Baroni, para saber quais iniciativas a instituição tem tomado, porém, não recebeu retorno.Conheça os direitos assegurados>
Advogada e sócia no escritório PcD, Camilla Varella esclarece direitos garantidos a PcD, com adição de informações da cartilha do Ministério Público do Estado de Rondônia:Não sofrer discriminação em relação a salário ou critério de admissão; Não ser dispensada, sem justa causa, das empresas privadas; Cursos de formação profissional de nível básico, condicionando a matrícula à capacidade de aproveitamento e não ao nível de escolaridade; Para receber o BPC de um salário mínimo, a pessoa com deficiência deve comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família Pagamento mensal de R$ 240 ao próprio beneficiário ou ao seu representante legal para auxílio psicossocial - há condições específicas para atendimento que podem ser confirmadas em contato com o Ministério Público. Uso de cão-guia para pessoas com deficiência visual Para qualquer informação sobre colocação ou recolocação no mercado de trabalho, deve-se procurar a Delegacia Regional do Trabalho.*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro >