Diário da Série B: Ninguém se salva

Com futebol que começou bom, mas terminou menos que medíocre, Vitória cai para o líder e se afunda na crise: Bragantino 2×0

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  • Gabriel Galo

Publicado em 2 de outubro de 2019 às 22:54

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fábio Moraes/Estadão Conteúdo

Bragança Paulista, 29 de setembro de 2019

Rodada 25 de 38

A revolta de PC

Ainda nem tinham batido as seis horas de relógio do dia 24 de setembro quando o presidente do Vitória, Paulo Carneiro, resolveu levar às últimas instâncias sua revolta. Em pleno dia de jogo contra o Atlético-GO, o mandatário rubro-negro instou-se a insultar, ofender e agredir a torcida. Qualquer um que lhe cruzasse os dedos de ódio de seu teclado tinha direito a um xingamento, a uma armada típica de gente que faz da ofensa o meio de conversa.

A relação com a torcida vem estremecida desde muito antes. O isolamento da nação rubro-negra não é de agora. Mas é a primeira vez que um presidente resolve atacar nominalmente um a um que ele julgue assim necessário.

Derrubou-se, pois, qualquer pano de civilidade. A realidade é retratada em áudios histéricos, ofensas descabidas, maus-tratos no chiqueiro da Fonte e muita, mas muita retórica com um pé na fantasia para manter o debate num clima longe da racionalidade.

Não se trata mais da incompetência “elegante” e inoperante de antes. Agora, só se resolvem as coisas na truculência e na ignorância. Para surpresa de absolutamente ninguém.

O silêncio do descaso

Os diversos vídeos da torcida espremida no anel superior da Fonte Nova geraram uma nota oficial do clube. E nenhum áudio, vídeo, ou qualquer menção de se aproximar da torcida rubro-negra. Aos seus, a força bruta; aos gestores da Arena, a parcimônia.

É apenas mais um episódio de absoluto descaso contra a torcida do Vitória.

O temido Bragantino

Já se vão quase 30 anos desde aquele Bragantino de Vanderlei Luxemburgo que encantou o Brasil, conquistando um título paulista e um vice-campeonato brasileiro, este último na gestão Carlos Alberto Parreira. A equipe que tinha Mauro Silva e Mazinho no meio-campo, depois tetracampeões mundiais de futebol nos EUA, jogava o fino da bola.

Muito pouco de relevante se viu do clube da simpática cidade de Bragança Paulista, conhecida como a terra da linguiça (lá ele). Perambulou por Séries B e C com esporádicas aparições na primeira divisão, sem tanto destaque. O ponto alto foi o título da Série C em 2007.

Recém-promovida da terceira em 2018, tendo terminado em quarto lugar, a nova história do Bragantino passou a ser escrita durante o primeiro semestre de 2019.

O Red Bull Brasil, de Campinas, fazia campanha excelente no Paulista, mas amarguraria apenas uma Série D no segundo semestre.

Os dólares que jorravam da multinacional de bebidas vinham com exigência de bons resultados. Pois, viu-se a oportunidade de comprar o Bragantino e uma vaga na Série B.

Assim se fez.

O RB Bragantino incorporou o elenco do Red Bull Brasil, saiu com mala e cuia de Campinas rumo a Bragança Paulista e continuou o trabalho na Série B. É líder disparado, com tudo pra subir. E com plano de crescimento para se manter e tornar-se destaque na primeira, como as filiais de Salzburg e de Leipzig na Áustria e Alemanha, respectivamente.

A ver.

O desastre da 99

O jogo começou bom para o Vitória. Organizado em campo, tentava evitar as investidas do time paulista, que controlava a bola sem dificuldades. Mas de vez em quanto o Vitória chegava.

Só que quando chegava, caía nos pés do desastre da 99.

E Wesley perdeu um gol. Perdeu dois gols. Perdeu três gols.

Perdeu, pois, todas as chances da equipe no jogo.

O que não se perde é a confiança dos treinadores de que uma hora o 99 desabrocha. Haja esperança.

Uma hora não dá mais

Enquanto isso, lá atrás, Dedé fazia partida segura. Mas o bombardeio era incessante. E o ditado diz: água mole em corpo mole, tanto bate até que sai um gol.

E saíram logo dois de uma vez. Em um minuto, pá-pum, a derrota esperada veio. Bragantino 2×0 Vitória.

O problema é a postura

Perder para o Bragantino fora de casa, neste 2019 lamentável para o Vitória, não seria tanto problema. Tanto pelo contrário, era até esperado. A questão é o que se vê em campo.

Uma equipe desconexa.

Entra técnico, sai técnico, não há um mínimo de coesão. Ainda é obviamente cedo demais para exigir resultados de Geninho, claro. Por outro lado, a situação do Vitória na tabela da Série B não aceita “paciência”. O Vitória tem que vencer e é agora.

Sem vontade.

Garra é o único recurso dos incompetentes. E diante do deserto de ideias e de qualidade de um elenco inchado e desqualificado, seria o mínimo a se esperar. Mas não. O descompromisso dá a tônica de um time que parece não querer estar junto, que já pensa num 2020 muito longe dali.

Acusações.

E quando o jogo se encerrou, nos microfones se via abatimento e tentativas de apontamento de culpa. Julgava-o “assim não dá”. Capa foi pra cima de Wesley. Gedoz cobrou atenção, logo ele, em péssima fase e que trava as ofensivas rubro-negras.

O problema é que nos tantos que treinam e vão para o jogo, ninguém se salva. E não percebem que, numa narrativa de aceitação, não é um jogo ou outro que servem para pedir a redenção. Trata-se, ora, de narrativa. Ficam estes, carentes de qualidade, pedindo que reconheçam a exceção como regra. Que o raríssimo bom jogo cubra a quase totalidade de partidas abaixo da média.

O bom senso se esvaiu em definitivo do Barradão.

Chafurdado no Z4

Como era de se esperar, o Vitória entrou no Z4. A vexatória 18° posição e estar a pelo menos duas rodadas de sair da zona do rebaixamento vão aumentando o clima de preocupação.

Mais do que isso: a preocupação vai se tornando desesperança para muitos.

Não há de se dizer menos torcedor deste que entende que não tem como escapar. Porque, analisando friamente, ele está correto.

Sofre com ataques de dirigentes e jogadores (não se esqueçam que Wesley, este mesmo 99, mandou a torcida se calar depois de um gol marcado). Sofre espremido nas arquibancadas “confortáveis” da Fonte Nova. Sofre com o aumento dos planos Sou Mais Vitória. Sofre ao ser extorquido para comprar a camisa mais cara, porque “o clube precisa”.

Como há de se julgar aqueles que, diante de tantas mazelas, resolve se proteger e se afastar?

Mais do que isso, como questionar a racionalidade deste torcedor que não vê horizonte produtivo, quando absolutamente todos os sinais são de tempos de trevas?

Ele está certo. Só louco para continuar na labuta inglória de ser torcedor do Vitória em 2019.

Aos loucos e desajustados, minha saudação e admiração.

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor. A opinião do autor não necessariamente reflete a do CORREIO.