Disputa de tráfico causa série de crimes em Camaçari: 'Não tem nenhuma inocente', diz delegada

Rixa entre dois grupos de tráfico provocou matança na cidade

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  • Thais Borges

Publicado em 30 de agosto de 2016 às 06:15

- Atualizado há um ano

Portas fechadas, pouca gente na rua. A ordem do dia é: ninguém sabe, ninguém viu. Com uma uma criança pequena no colo, um dos moradores que aceitou quebrar o silêncio por alguns instantes disse não aguentar mais conviver com a insegurança dos últimos meses e com as disputas de facções. “Quero é ir embora”, desabafou o homem, apontando “gente que vem de fora” como a razão do terror de quem vive no bairro de Nova Vitória, em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS).Em apenas oito meses, 19 pessoas foram assassinadas em Nova Vitória. Nos últimos dias, a violência tomou proporções assustadoras: entre a manhã de quinta-feira, dia 25, e a noite de domingo, 28, foram oito homicídios no bairro. Em toda Camaçari, no mesmo período, foram 11 mortes.À direita, casa onde adolescentes foram mortas, em Nova Vitória (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)Assim, Nova Vitória ocupa uma primeira posição indesejável – é o bairro com mais mortes em Camaçari. Os homicídios registrados no bairro este ano correspondem a 12% dos 156 registrados de janeiro a domingo na cidade. No ranking de homicídios, o bairro fica à frente de Vila de Abrantes, com 15 homicídios esse ano, e de Monte Gordo, que tem 13 ocorrências.A maioria dos crimes aconteceu numa mesma via: a Rua Maria Meire. Foi lá que um homem não identificado morreu na quinta. Também foi lá um dos episódios que mais chocou a população: três adolescentes – Emilly Lampanche Rocha, 17, e as irmãs Vitória Nataline Carneiro Cruz, 17, e Renata Carneiro Cruz, 16, foram mortas em uma mesma casa na noite de sexta. Além delas, o namorado de Vitória, Jackson de Jesus dos Santos, 20, que também estava na casa, foi sequestrado e encontrado morto no dia seguinte. Outro adolescente, de 16 anos, foi baleado na região do ouvido e continua internado no Hospital Geral de Camaçari.“Aqui sempre foi violento, mas era mais suave. De uns meses para cá, ficou assim. Moro aqui há muito tempo e está todo mundo com medo. A população já está acostumada com clima de violência, mas não com esse negócio de chacina”, contou, ao CORREIO, um projetista de 34 anos que vive em Nova Vitória há oito. Pai de duas crianças de 7 e 2 anos, ele diz que os filhos não saem mais de casa.Ontem, nas ruas de Nova Vitória, viaturas com policiais de armas em punho passavam a cada instante – especialmente na região da Maria Meire. “Estou apreensiva. Só saí de casa porque tive que ir na escola de meu filho”, disse outra moradora que estava na rua. As pichações com as iniciais do Bonde do Maluco (BDM), uma das facções mais violentas do estado, revelam um pouco da rotina dos moradores. "A senhora não sabe o que acontece aqui, moça", disse um homem. Ao ser confrontado, desconversou. Não seria ele a contar o que acontece ali. 

Tráfico na regiãoDe acordo com a titular da 4ª Delegacia de Homicídios de Camaçari, a delegada Maria Tereza, todas as vítimas têm ligação com o tráfico de drogas - inclusive, as três adolescentes mortas na sexta-feira. "Elas eram namoradas de grandes traficantes e estavam com eles no momento em que foram mortos e, por conta disso, também foram mortas. Não tem nenhuma inocente, todas têm vínculo com o tráfico de drogas. Inclusive, as famílias de todos eles sabem disso", diz.Pixação do BDM (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)Ela explica como uma disputa entre dois criminosos resultou na matança do final de semana. "Em Camaçari tem dois grandes traficantes, Kila e Nicão. Nicão, pra ganhar força, porque estava no presídio, se uniu a dois outros traficantes, que não eram tão grandes assim, mas que ganharam força com Nicão: Capenga e Nana. Esses três se uniram para atacar os meninos de Kila. Por conta disso, Kila se sentiu acuado e nesse final de semana atacou os meninos de Nicão. Então, houve toda essa chacina por conta da briga desses dois traficantes: Kila e Nicão. Bruno é um menino que se diz Máquina, se intitula Máquina, mas ele é o braço direito de Kila. Então, ele participou de forma direta desses homicídios e quando ele não mata, ele determina quem vai matar".

ReforçoAté o prefeito de Camaçari, Ademar Delgado (PCdoB), pediu reforço na segurança à Secretaria da Segurança do Estado (SSP-BA). Em nota, a SSP informou que intensificou o policiamento na região, com a presença de 200 policiais militares e civis, inclusive com a participação do Grupamento Aéreo da Polícia Militar (Graer).Traficante procurado é apontado como nome por trás dos crimes (Foto: Divulgação)O secretário da Segurança Pública, Maurício Barbosa, afirmou que, há quase um ano e meio, a polícia monitora as quadrilhas e facções de Camaçari. "Nós já fizemos inúmeras operações com apreensão de armas, drogas e prisão de pessoas. Infelizmente, algumas dessas pessoas que hoje rivalizam e que foram responsáveis pelas ocorrências do último final de semana acabaram conseguindo sua liberdade através de questões relacionadas a processos, mas que, infelizmente, isso voltou a acirrar essas disputas entre os traficantes", disse Barbosa.

"Uma das lideranças voltou a ser presa há quase 20 dias, depois de um esforço da Polícia Civil juntamente com órgãos de inteligência e sabemos que essa prisão pode ter relação com o enfraquecimento por parte deste traficante e uma possível tomada de território pelo seu rival. Então, a ordem é: primeiro, fortalecer as ações no bairro onde se deu essas principais ocorrências", explica.O comandante do 12º Batalhão da Polícia Militar (Camaçari), Henrique Melo, contou que o policiamento foi reforçado no bairro desde a quinta-feira, quando começaram as primeiras mortes. "Reforçamos o policiamento ostensivo e o serviço de inteligência para fazer a captura dos elementos suspeitos e garantir a segurança da população. Nova Vitória é um bairro sem infraestrutura, uma invasão com ruas de barro e barracos de tábua". Segundo ele, o policiamento é realizado a pé, além de viaturas e motocicletas.Policiais intenstificaram abordagens (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)A casa dos adolescentesA casa onde as três adolescentes foram mortas na sexta-feira foi alugada o último dia 11, segundo o proprietário. Por R$ 250, o adolescente de 16 que está internado e sua namorada, Emilly, alugaram o imóvel – na verdade, um quarto em uma casa de dois andares, que ainda tem outros três inquilinos.“Eu disse que não podia ter criança na casa e eles disseram que seria só para os dois. Mas depois começaram a aparecer outras pessoas, começou o movimento. Todos eram muito jovens, bem arrumados”, afirmou o dono do imóvel, em entrevista ao CORREIO. Ele estava saindo de casa, na sexta-feira, quando o carro vermelho de onde saíram os suspeitos de cometer o crime parou em frente ao local.Adolescentes foram mortas em casa: namoradas de traficantes, diz polícia (Foto: Reprodução)“Estava indo colocar o lixo para fora, com meu neto. Desceram dois homens armados, encapuzados, dizendo 'abre a porta, irmão, abre a porta'. Disseram para eu ir embora e voltar depois”. Meia hora depois, o homem voltou à casa, e encontrou um movimento e os corpos. “O bairro é perigosíssimo. Morre gente direto, a polícia tá sempre passando”.O adolescente que sobreviveu, segundo conhecidos, saiu da casa da família há alguns meses. Aos 14 anos, deixou de morar com a avó materna para viver com a mãe, numa tentativa de que voltasse a estudar. Não adiantou. “Ele ficou rebelde, mal via a família por causa dessas amizades. A mãe dele está desesperada. Agora, a gente vê essas meninas inocentes morrerem por ser mulheres desses caras. Dá conselho, mas não adianta. Quando encontrava a polícia, dizia que morava com a avó para se justificar, mas depois sumia”, disse um conhecido do jovem, que não quis se identificar.No sábado, além de Jackson, outro jovem foi morto: Anderson de Almeida Santos, 26, foi morto a tiros, na região da Maria Meire, por volta das 17h, de acordo com a polícia. Segundo moradores, ele foi morto em frente a um mercadinho e ao lado do ponto onde trabalhava como mototaxista, na Rua Padre Paulo Tonucci. Lá, era mais conhecido como “Dan”.

[[saiba_mais]]“Ele estava trabalhando no ponto dele, eu aqui no meu. Eu só ouvi a zoada dos tiros e corri para me abaixar. Todo mundo na rua correu. Quem é que fica? Quando fui ver, era ele”, contou outro mototaxista que não quis se identificar. “Ele morava para os lados da Maria Meire e não tinha nem um ano que era motoboy”. No domingo, a Central de Polícia informou ao CORREIO que Anderson era amigo de Jackson – o jovem sequestrado na casa e encontrado morto próximo ao campus do Instituto Federal da Bahia (Ifba).A décima vítima confirmada foi Elielton da Paixão Gomes, 19, morto na tarde de domingo. Segundo informações da Central de Polícia, o crime aconteceu por volta das 13h30, na Rua da Conquista, em frente a casa da vítima. Ele foi atingido por tiros na cabeça e no tórax e chegou a ser levado ao Hospital Geral de Camaçari, mas deu entrada sem sinais vitais.Além dele, no domingo também foram mortos Yves Ribeiro Santos de Jesus, 17, também no bairro Nova Vitória, Josilândia de Jesus Santos, 22, e Luan Angel de Souza Santos, 26, ambos no Centro da cidade. Luan, que foi encontrado próximo às linhas de trem de Camaçari, tinha passagens pela polícia por furto. No corpo, tinha tatuados os dizeres "matador de polícia" e "BDM". 

* Colaboraram Gil Santos e Clarissa Pacheco