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Disque ebó: comerciantes recebem pedidos por telefone e entregam em casa

Ebó de amarração é um dos mais pedidos aos comerciantes de São Joaquim que recomendam trabalhos, mesmo sem indicações dos terreiros

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  • Da Redação

Publicado em 17 de abril de 2011 às 12:00

 - Atualizado há um ano

Bruno Villa | Redação CORREIO Quiabo e pomba branca para lavar a alma. Maçã e mel para adoçar o cangote e trazer o amor de volta. Feijão fradinho e galo preto para ciscar uns trocados. Pênis de cera e testículo de boi para quem não aguenta mais ir à farmácia comprar as azulzinhas. A sabedoria dos orixás a respeito dos ebós - oferendas feitas às entidades para alcançar uma graça -, que veio da África nos porões dos navios negreiros e durante quatro séculos ganhou abrigo nos terreiros de candomblé, agora ginga livremente pelas ruelas da Feira de São Joaquim. Alguns comerciantes de produtos voltados para os rituais, inclusive, criaram um disque ebó. O cliente liga, pede o material e manda entregá-lo em casa ou no terreiro.

R$ 70 preço  do ebó recomendado na Feira de São Joaquim para melhorar o apetite sexual; 100 postos da feira oferecem artigos de candomblé. Mas nem todos vendem sem listaA tradição do candomblé manda que, antes de realizar um oferenda, o interessado procure um pai ou mãe de santo. Através do jogo de búzios, ialorixás e babalorixás receberão das entidades a receita dos remédios capazes de curar os males do espírito e a indicação do local onde o ebó deve ser arriado. Só que, de tanto escutar os lamentos dos fregueses e verem as listas fornecidas pelos responsáveis pelos terreiros com os itens necessários para os trabalhos, alguns comerciantes julgaram que poderiam começar a  indicar as oferendas.“O cliente vai comprando e a gente vai aprendendo as receitas. A gente sabe de muita coisa”, afirmou o proprietário da Casa Xangô, José Carlos dos Santos, de 45 anos, que há 18 herdou da família o estabelecimento, na Feira de São Joaquim. O cliente ainda pode optar por receber o material em casa, por ter o ebó enviado direto para um terreiro ou, ainda, o próprio comerciante pode arriá-lo em alguma encruzilhada. Tudo incluído no preço.

PROCURAJosé Carlos não sabe dizer quanta gente usa o disque ebó, mas explica que o que mais sai é o de amarração, para trazer ou segurar a pessoa amada. “A gente sugere um boneco e uma boneca branca. Pano branco, maçã, mel, pombo branco, um par de alianças e dois papeizinhos com os nomes do casal”, revelou. O trabalho sai por R$ 177.Os homens que perderam as energias para cair nas peripécias amorosas podem procurar a Casa Santa Bárbara. Ali, o ebó sugerido pelo gerente da loja, Reinaldo Lima, 26, custa de R$ 70 a R$ 100. “Bota um pênis de cera, um testículo ou pênis de boi, milho branco, boneco branco, azeite doce e mel”, disse. Há seis anos na Casa, Reinaldo também aprendeu as receitas com os clientes. “A gente sabe é de coisa aqui. Às vezes mais do que os pais de santo. A gente conhece coisas que eles nem imaginam”, brincou. Segundo ele, cerca de 20% das vendas são feitas sem orientação dos terreiros.Há, no entanto, quem se recuse a vender produtos  sem a apresentação da lista dos  babalorixás e ialorixás. O dono da loja Casa Santo Antonio, José Edmilson Palmeira, o Maluquinho, disse que não é doido de atravessar o caminho dos orixás. “Não sou especialista. Se der problema a pessoa vai cobrar. Tem gente que não acredita e leva na brincadeira, mas isso é coisa séria”, diz. O proprietário da loja Palácio de Oxóssi, Rodrigo Menezes, também não vende sem prescrição. Quando o cliente pede para entregar em domicílio e ele não pode conferir a lista, Rodrigo se isenta de responsabilidade. “Aí, cada pessoa tem que saber o que faz. Fica por conta do freguês”.

Mãe Stella de Oxóssi afirma que, sem receita, efeito do ebó é nulo

Líderes criticam prática e alertam para riscosO presidente da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro, Aristides Mascarenhas, condenou a prática dos comerciantes de assumirem o papel de pais e mães de santo. “Todos os ebós têm que ter uma orientação espiritual. Tem que consultar o sagrado através do jogo de búzios”, avaliou. Aristides é babalorixá do terreiro Ilê Axê Opô Ajagunã, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador.

Segundo o presidente, a composição do trabalho varia de acordo com as determinações dos orixás. “Não dá para o comerciante saber o que vai no ebó. Nem filho de santo está habilitado a fazer isso”, diz. Para Aristides, a oferenda pode causar problemas a quem realizou o trabalho. “Se o anjo da pessoa não estiver forte, ela pode sofrer com o efeito contrário”, explica.

Já a ialorixá do terreiro Ilê Axê Opó Afonjá, Mãe Stella de Oxóssi, acredita que uma oferenda feita sem a consulta aos orixás não tem efeito algum. “Sabe criança brincando de cozinha com as bonecas? É a mesma coisa, é tudo fantasia”, afirma. Mãe Stella diz que a responsabilidade também é daqueles que aceitam as orientações dos comerciantes. “Tudo errado, nota zero para todo mundo. O comerciante lucra com o sagrado e quem compra não tem juízo”, resume.

Mãe Stella explica que até para dar um banho de folhas a pessoa precisa estar preparada. “Todo mundo hoje em dia é pai de santo. Isso não é adivinhação, a pessoa tem que estar preparada para receber a mensagem”. A ialorixá explica ainda que o preparo do ebó é submetido a um ritual. “Não é qualquer pessoa que pode cozinhar, o material tem que estar limpo”, declarou.

O babalorixá do terreiro Ilê Odô Ogê, conhecido como Pilão de Prata, Air José Souza, acredita que os envolvidos podem ser punidos pelos orixás. “Essas pessoas podem ser alvo da ira dos orixás. Só os terreiros podem receitar os remédios”, diz.

Jogo de búzios indica o ebó  necessárioPara passar de filho a pai de santo e poder jogar os búzios são necessários, no mínimo, sete anos de preparação - apesar de os ialorixás e babalorixás afirmarem que o tempo de preparação normalmente excede esse mínimo. O jogo de búzios, chamado Ifá, é a base do candomblé. É através dele que os pais e mães de santo sabem com qual orixá estão se comunicando e interpretam as mensagens. É pelo ritual, cuja responsabilidade é exclusiva de babalorixás e ialorixás, que se identifica quais os problemas que a pessoa está passando e quais as soluções.

No caso dos ebós, que em iorubá, origem da maioria dos candomblés baianos, significa oferenda, até o local onde deixá-los é indicado no Ifá. Segundo o babalorixá do terreiro Ilê Axê Opô Ajagunã, Aristides Mascarenhas, há dois tipos de oferenda. “Os ebós de recuperação de energia são para resolver problemas. E os de fortalecimento servem para conectar a pessoa aos orixás”, explica.