Distribuição de absorventes pode ajudar a diminuir evasão escolar

Prefeitura de Salvador anunciou que 28 mil pessoas que menstruam vão receber dois pacotes com 16 produtos todo mês

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  • Gil Santos

Publicado em 23 de novembro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr./Secom

A menstruação ainda afasta as meninas pobres da sala de aula em pleno século XXI. Isso porque, sem condições de comprar absorventes higiênicos nos dias de fluxo, elas param de frequentar às aulas por não ter como conter o sangramento que é mensal e rotineiro em suas vidas. Ontem, a prefeitura de Salvador deu um passo para garantir o cuidado menstrual para as integrantes da rede pública municipal de educação e lançou o programa Ciclo de Cuidados – Programa de Dignidade Feminina. A iniciativa vai distribuir 500 mil absorventes para 28 mil adolescentes e mulheres com idades entre 11 e 60 anos.

Serão dois pacotes por mês para cada beneficiada. A medida vale tanto para as alunas do ensino fundamental quanto para quem cursa o Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e para aquelas que iniciarem o clico menstrual antes dos 11 anos. Uma das beneficiadas será a filha da professora de dança Giza Kizumba, que ontem esteve na escola onde a menina estuda para assistir ao lançamento do Ciclo de Cuidados.

Quando Giza começou a menstruar, recorda, foi uma preocupação para os seus pais. O casal tinha 11 filhos, sendo seis mulheres, e morava no Engenho Velho da Federação, em uma habitação humilde. Ter dinheiro para comprar absorventes higiênicos não era fácil. “Eu achei a ideia muito boa. Temos meninas que realmente precisam desse cuidado com a saúde, então, o lançamento desse projeto é muito importante. Precisamos de inciativas como essa. No meu tempo nunca houve esse tipo de ação, então, estamos evoluindo”, afirmou.

A filha dela é uma das 500 estudantes da Escola Municipal Teodoro Sampaio, no bairro de Santa Cruz, onde o programa foi oficialmente lançado. A prefeitura estima que 28 mil meninas serão beneficiadas e afirmou que a entrega dos primeiros 500 mil produtos ocorrerá nos próximos dias. Salvador é uma das primeiras cidades do país a desenvolver um programa de cuidados com a saúde e a dignidade menstrual.

O prefeito Bruno Reis contou que também foi elaborada uma cartilha que explica as mudanças naturais que ocorrem no corpo nessa fase e que o material vai ajudar a esclarecer dúvidas de estudantes sobre o tema.“Os absorventes serão distribuídos de forma mensal. Estamos investindo cerca de R$ 700 mil por ano para garantir essa ação que evita, entre outras coisas, a evasão escolar. Muitas meninas deixam de ir à escola durante o período menstrual por não ter condições de comprar o absorvente e com isso acabam comprometendo o seu aprendizado”, disse.Cartilha e palestras

Haverá também palestras, oficinas e atividades de conscientização nas escolas sobre menstruação, higiene e saúde feminina. Pais e estudantes lotaram o auditório para acompanhar o lançamento do programa. A diretora da unidade, Maria de Lourdes Torres, trabalha há 20 anos na educação e contou que são frequentes os casos de meninas que usam materiais impróprios para conter o ciclo menstrual por falta de absorventes.

“Só quem mora ou trabalha na periferia é que entende a importância de um projeto como esse. Nós que vivenciamos no dia a dia vemos jovens e adolescentes utilizando material inadequado para uso no período menstrual. Por isso, a proposta de trazer essa discussão para a escola é de suma importância para a comunidade como um todo, porque uma mãe não fica feliz em não poder dá algo tão essencial a sua filha”, disse.

A distribuição ocorrerá em todas as escolas da rede municipal. A dona de casa Sueli Nascimento, 45 anos, lembra que quando as contas apertavam, ela e as duas irmãs improvisavam.“Já usei algodão, tecido e outros matérias, mas nenhum deles resolve. Diversas vezes a gente deixou de ir à escola porque não tinha como conter a menstruação. Quem passa por isso fica com vergonha, mas era o país que deveria se envergonhar de ter meninas vivendo nessa situação”, opinou.Em outubro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou a lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, mas vetou a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes carentes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias.

Na época, o governo federal argumentou que havia problemas técnicos no projeto, mas depois de duras críticas da sociedade e entidades de classe, anunciou a redução de 12% para 10% da alíquota do Imposto de Importação incidente sobre os absorventes e também sobre fraldas infantis. Desde então, governadores e prefeitos têm se mobilizado para atender essa demanda.

Dignidade para todes

A vice-prefeita e secretária de governo de Salvador, Ana Paula Matos, foi a idealizadora do programa na capital e contou que as discussões para tirar a ideia do papel e colocar em prática começaram em maio, cinco meses antes da polêmica do Governo Federal. Na época, foi realizado um drive-thru onde foram arrecadados absorventes para as alunas da rede municipal.

“Em média, estamos trabalhando com estudantes de 11 a 59 anos, porque temos Ensino de Jovens e Adultos, mas muitas meninas têm menstruado antes. Quem apresentar essa necessidade também vai ter apoio. A Smed fez a conta de dois pacotes por jovem, na verdade a gente chama de pessoas que menstruam, porque temos adolescentes que não se identificam com o gênero feminino. O mais importante é que estamos marcando mais um passo de política social e de dignidade”, contou.

Ana Paula disse que o tema foi debatido também durante a visita que ela fez à Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra (Suíça), na semana passada, como uma questão de saúde pública. “Muitas vezes o uso de um papel de pão ou de um papel jornal gera infecção e atrapalha a vida reprodutiva dessas pessoas, então, a gente está fazendo a prevenção. E ainda tem a questão emocional de faltar a aula por não ter um item de higiene tão básico. Estamos dando mais um passo para a garantia de uma Salvador efetivamente inclusiva”, afirmou.