Dossiê da vacina: tudo que você precisa saber sobre as candidatas à imunização contra a covid-19

Atualmente, quatro vacinas estão sendo testadas no Brasil, mas número deve chegar a seis. Saiba o estágio de cada uma

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  • Thais Borges

Publicado em 3 de outubro de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arquivo AFP

De uma hora para outra, algumas palavras se tornaram figurinha comum no noticiário. Umas já eram até mais familiares - Oxford, Butantan. Mas outras eram completa novidade para quem provavelmente não trabalha com ciência ou saúde: Gamaleya, AstrazeNeca, Sinovac, e por aí vai. 

Todos são nomes de laboratórios e centros de pesquisa responsáveis pelo que talvez seja o anseio de boa parte da população mundial hoje: uma vacina eficaz contra o coronavírus. 

Nessa corrida, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há pelo menos 169 concorrentes ao redor do mundo. Desse total, pelo menos 43 candidatas à vacina já estão nos testes com humanos (entenda as fases abaixo). Pode parecer muito, mas na prática, é melhor mesmo que existam tantos estudos pelo mundo - e que o maior número possível deles seja eficiente.“Uma vacina pode ser feita de várias formas. Com isso, a gente tem maior chance de conseguir sucesso. Se uma não funcionar, a outra tem chance de funcionar”, diz a imunologista Viviane Boaventura, pesquisadora da Fiocruz e da Rede Covida e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Além disso, os laboratórios têm limites de produção e, quanto maior o número de gente produzindo, ainda que de diferentes formas, significa dizer que mais pessoas ao redor do planeta seriam imunizadas em um tempo menor. 

Oficialmente, não dá para prever quando alguma delas ficará disponível. No entanto, com algumas candidatas consideradas promissoras por especialistas, a expectativa é de que mais de uma possa imunizar a população já em 2021. 

Desenvolvimento no país No meio disso tudo, o Brasil desponta como um "lugar ideal" para a realização desses testes. Quatro vacinas já estão sendo testadas aqui, mas o número pode chegar a seis ainda nas próximas semanas. Dessas quatro, três têm estudos na Bahia - que deve receber pelo menos mais uma. 

“Faz parte do protocolo de testagem identificar um local onde está tendo um número alto de casos, ou seja, onde a doença está numa alta de propagação”, explica a imunologista. O Brasil é, hoje, o segundo país com mais mortos pela covid - já passa de 145 mil. 

No entanto, de acordo com a pesquisadora, há outro aspecto que também influencia a escolha do país.“Tem um lado bom que é o fato de o Brasil ter uma certa capacidade e expertise, porque a gente tem uma série de grupos de pesquisa clínica que já trabalham com desenvolvimento de vacinas”, pondera. Esta semana, inclusive, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou um novo modelo de submissão de análise de registro de vacinas. A ideia é que o processo seja mais simples e, com isso, autorizações podem sair em até 20 dias. 

No entanto, há uma diferença. As quatro vacinas que já estão em testes - AstraZeneca e Universidade de Oxford; Sinovac e Instituto Butantan; Pfizer-Wyeth e Janssen-Cilag - também estão autorizadas a ser desenvolvidas no Brasil, se os resultados forem positivos. 

Mas nem sempre é o caso. Se o desenvolvimento clínico da vacina for inteiramente feito em outro país, não é necessário ter anuência da Anvisa. Mesmo assim, todas precisam ser registradas. O registro é a última etapa do processo e é o que garante que o imunobiológico pode ser distribuído no Brasil. Na última quinta-feira (1º), a agência anunciou que deu início à primeira solicitação de análise de uma vacina - a de Oxford/AstraZeneca. Na sexta, o governo do Estado de São Paulo enviou documentos à Anvisa para o registro da desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Butantan.

Esse seria o caso justamente da vacina russa - a Sputnik 5, que deve ser produzida pelo Instituto Gamaleya. Em setembro, o governo da Bahia anunciou o acordo a Rússia para a aquisição de 50 milhões de doses da vacina. O Paraná também firmou um acordo semelhante. 

Por aqui, devem ser testados 500 voluntários a partir de outubro. No entanto, de acordo com a Anvisa, a agência ainda não recebeu nenhuma solicitação de registro ou estudo da vacina. Por enquanto, essa é a situação de uma nova vacina cujos testes foram anunciados no Brasil no mês passado - a da estadunidense Covaxx, que será conduzida aqui em parceria com o laboratório Dasa. 

Confira, a seguir, em que estágio estão as vacinas que já estão sendo testadas - ou devem começar a testagem em breve - no Brasil.

A vacina de Oxford-AstrazenecaFase 3 dos testes e acaba de solicitar análise de registro    Uma das candidatas mais promissoras à vacina contra o novo coronavírus, produzida em conjunto pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e pelo laboratório AstraZeneca, ela foi a primeira a pedir análise de registro à Anvisa, na última quinta (1). A vacina já vinha sendo testada no Brasil - inclusive na Bahia - desde junho, mas também essa semana anunciou o recrutamento de novos voluntários.

O número de brasileiros participantes do estudo deve passar de 5,5 mil para 10 mil, de acordo com a professora de Saúde Global da Universidade de Oxford Sue Ann Costa Clemens, diretora do grupo de vacinas da instituição. Na Bahia, onde 1,5 mil já são monitorados, a expectativa é de que pelo menos outros mil sejam recrutados, sem restrições de idade.

Além de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, foram inaugurados três novos centros de testagem nos últimos dias: Natal (RN), Porto Alegre (RS) e Santa Maria (RS). Ainda não dá para dizer, porém, quando a fase 3 deve ser concluída, segundo Sue Ann, que é representante da universidade no Brasil."A fase 3 é mundial. Nossa curva está elevada, mas dependemos da curva do Reino Unido, que estava mais baixa, e das curvas da África do Sul e dos Estados Unidos", diz, citando os outros países onde os testes sendo realizados.O total deve chegar a 50 mil voluntários. "O que eu posso dizer é que a gente espera conseguir provar a eficácia dessa vacina ainda esse ano. Estamos fazendo todo o possível a nível de estrutura clínica", garante. A vacina de Oxford, que usa um vetor viral e é composta por duas doses, foi uma das primeiras a ser desenvolvida porque os cientistas já estavam desenvolvendo um imunobiológico para outro coronavírus. Assim, foi rápido chegar à fase 1. Há um contrato com a Fiocruz que prevê a produção de 100,4 milhões de doses no Brasil. A previsão inicial, que era entregar as primeiras doses até dezembro, passou para janeiro, segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

A vacina da Janssen-CilagFase 3 dos testes   A vacina mais recente a ter iniciado testes no Brasil é a da Janssen-Cilag, braço farmacêutico do grupo  Johnson & Johnson. O anúncio foi feito na segunda quinzena de setembro,  junto com a divulgação de que as fases 1 e 2 tiveram resultados positivos - mostraram tanto eficácia na resposta imunológica quanto segurança.

No Brasil, serão 28 centros de testagem em 11 estados - incluindo a Bahia. Por aqui, os testes serão coordenados por pesquisadores do Complexo Hospital Universitário Roberto Santos (Hupes), da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Ao CORREIO, o Hupes informou que ainda não convocou os voluntários, mas que até duas mil pessoas sejam chamadas na Bahia.

Ao todo, está prevista a participação de 60 mil voluntários com idades a partir de 18 anos em oito países. A vacina, que tem um vetor viral em sua composição, usa a mesma tecnologia que o laboratório utilizou para desenvolver a vacina contra o ebola e para candidatas à vacina contra o zika. Segundo a Janssen, os estudos para a covid-19 vão usar uma dose única da vacina em comparação a um placebo.

A empresa informou que está ampliando a capacidade de produção para que consiga fornecer até um bilhão de doses da vacina, por ano, no mundo. Assim, os primeiros lotes já devem estar disponíveis para uso emergencial ainda no início de 2021, se a pesquisa mostrar segurança e eficácia nos resultados.“Valorizamos muito a colaboração e suporte de nossos parceiros científicos e autoridades de saúde globais, enquanto nossa equipe global de especialistas trabalha incansavelmente no desenvolvimento da vacina e amplia nossa capacidade de produção com o objetivo de entregar uma vacina para autorização de uso emergencial no início de 2021”, afirmou o Vice Chairman e Chief Scientific Officer da Johnson & Johnson, Paul Stoffels, em nota oficial divulgada pela companhia. A vacina do Instituto GamaleyaFase 3 dos testes   A vacina russa Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia de Gamaleya foi considerada a primeira do mundo a ser registrada contra a covid-19, em agosto. Em setembro, o governo da Bahia anunciou que assinou um acordo de cooperação com o Fundo Soberano da Rússia para que o estado comercialize a vacina no Brasil, através da Bahiafarma.

Pelo acordo, a Rússia deve fornecer até 50 milhões de doses da vacina à Bahia, com possibilidade de entrega a partir de novembro deste ano, se o imunobiológico for aprovado pela Anvisa. Atualmente, 40 mil pessoas participam dos testes da vacina na fase 3 na Rússia. Ainda em setembro, o governo estadual informou que submeteria, à Anvisa e à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, um pedido para testes clínicos em 500 brasileiros.

Esses testes teriam início ainda neste mês de outubro. Procurada pelo CORREIO, a Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) informou que ainda não pode divulgar outras informações devido ao acordo de confidencialidade entre as partes.

A tecnologia da vacina também é o uso de um vírus. No caso dela, porém, trata-se de dois vetores de um adenovírus humano - as outras que usam vetor viral têm apenas um. A vacina russa chegou a ser questionada pela falta de estudos a longo prazo, quando fez o registro em agosto. A comunidade científica de outros países contestava a ausência de dados sobre as etapas anteriores.

No entanto, em setembro, o instituto publicou resultados das fases 1 e 2 que indicam a eficácia do imunobiológico na revista científica The Lancet, uma das mais importantes do mundo. Além disso, os cientistas identificaram segurança na vacina. 

A vacina da CovaxxFase 1 dos testes   A vacina da Covaxx, uma unidade da United Biomedical, também será testada no Brasil. Atualmente, o imunobiológico está na fase 1, com testes em 60 pessoas em Taiwain. No entanto, os testes das fases 2 e 3 serão conduzidos no Brasil, em parceria com o laboratório Dasa.

De acordo com o laboratório, pelo menos três mil brasileiros serão recrutados para avaliar a resposta imune e a segurança da candidata à vacina. A tecnologia dela é baseada em peptídeos - moléculas formadas por grupos de aminoácidos.“Dependendo das respostas dos estudos clínicos de fases 2 e 3, a vacina poderá ser aplicada em dose única”, afirmou o diretor médico da Dasa, Gustavo Campana, através da assessoria.Os primeiros estudos pré-clínicos tiveram "alto grau de imunogenicidade", segundo a empresa - ou seja, produziram uma resposta de anticorpos alta. O imunobiológico é 100% sintético e não requer tempo para cultivo de vírus. A Covaxx anunciou que a produção estimada para os primeiros quadro meses de 2021 é de 100 milhões de doses. Ao todo, em 2021, devem ser 500 milhões de doses.

“Garantimos 10 milhões de doses para Dasa e Mafra para distribuição ao mercado privado brasileiro, após aprovação dos órgãos reguladores. Destinaremos, ainda, outras 50 milhões de doses para o mercado público do país”, disse médica Mei Mei Hu, co-Founder e co-CEO da COVAXX, também em nota.

Outros aspectos específicos da testagem no Brasil, por outro lado, ainda estão sendo definidos. Ao CORREIO, a Dasa informou que o laboratório ainda delineava quantos voluntários serão chamados a cada etapa e quais estados serão inseridos. Assim, ainda não é possível afirmar se haverá testagem dessa vacina na Bahia. 

A vacina da Pfizer/ BioNTech Fases 2/3 dos testes combinadas   No Brasil, desde agosto a vacina da Pfizer está sendo testada em São Paulo e na Bahia. Em Salvador, o centro de testagem funciona no hospital das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), com 1,75 mil voluntários. Inicialmente, seriam apenas 500 pessoas, mas o número já foi ampliado duas vezes.

Até o fim do mês, os últimos 750 participantes devem ser convocados, segundo o infectologista Edson Moreira, doutor em Epidemiologia e coordenador do Centro de Pesquisa Clínica das Osid. Essa vacina é composta por duas doses, sendo que a segunda é feita três semanas após a primeira.“O estudo é duplo cego, então, nem os participantes, nem os investigadores sabem quem recebeu o qué. Só quem olha os dados de eficácia são as pessoas que estão fazendo a parte de análise”, explica.No mundo, são mais de 35 mil pessoas sendo acompanhadas. Até o momento, os dados têm indicado segurança da vacina. Em sua composição, ela usa uma nanopartícula de gordura que é 'engolido' pela célula.  "A expectativa é que até o final desse mês ou mês que vem a gente possa concluir se a vacina protegeu ou não. Isso vai ser um divisor de águas", adianta o coordenador.

Logo em seguida, ele acredita que já devem começar as tratrativas para o registro com a Anvisa. Como a agência já modificou a forma de submissão para análise das vacinas de covid-19, ele acredita que os prazos não devem ser longos. "Quando alguém submete um medicamento ou vacina, a Anvisa tem um ano para responder. Se é algo muito importante, o prazo cai para seis. Com a covid-19, pode ser de semanas ou de dias. Essa redução não significa que a análise não será feita com cuidado, só que vamos ter prioridade. É não gastar tempo na fila", explica. 

A Pfizer não tem nenhum acordo específico com governos federal ou estaduais no Brasil, mas a farmacêutica já está produzindo 100 milhões de doses da vacina. A partir de janeiro de 2021, a produção deve ser de 100 milhões de doses por mês. "Já foi informado que eles estão fabricando essas vacinas a pleno vapor, apesar de não ter a resposta final, correndo o risco de jogar tudo fora caso não funcione", diz o infectologista. 

O desafio da Pfizer e de cada uma das farmacêuticas é de suprir a demanda mundial que, nesse momento, vem ao mesmo tempo. Por isso, a vacinação provavelmente será escalonada nos países."Não é só fabricar a quantidade de doses necessárias. Mesmo que a gente tivesse como fabricar, não haveria frascos, seringas e agulhas para o mundo inteiro de uma vez. É um problema de escala global", explica. Mesmo após esse resultado, que seria a conclusão da fase 3, os estudos de acompanhamento devem durar por dois anos. 

A vacina da SinovacFase 3 dos testes e acaba de solicitar análise de registro Batizada de CoronaVac, a candidata à vacina da empresa chinesa Sinovac também uma das consideradas mais animadoras para a comunidade científica. A vacina está na fase 3 no Brasil desde julho, além países como Indonésia e Turquia. Aqui, 13 mil pessoas estão sendo testadas em cinco estados e no Distrito Federal.

A Bahia não faz parte dos estudos desse imunobiológico, mas a previsão é de que a vacinação dos voluntários nos estados participantes seja concluída até o dia 15. Essa vacina usa um vírus inativado para levar à produção de anticorpos. A imunização acontece em duas doses com intervalo de duas semanas.

Os participantes da testagem também não sabem se receberam a vacina ou o placebo. Em setembro, o laboratório divulgou dados que mostraram que a vacina era segura e eficaz, mas que, em idosos, a resposta imunológica era mais baixa do que em adultos.

Esta semana, o governo de São Paulo anunciou um contrato que prevê 46 milhões de doses da vacina ao estado até dezembro por US$ 90 milhões e, na sexta-feira, enviou documentos à Anvisa para solicitar o registro. Pelo acordo, haverá ainda a garantia de transferência da tecnologia da vacina para o Instituto Butantan. Assim, o instituto brasileiro também deve começar a fabricar doses.

A produção do Butantan pode chegar a 120 milhões de doses - o suficiente para imunizar até 60 milhões de brasileiros. Além disso, até fevereiro, a Sinovac deve enviar outras 14 milhões de doses. Segundo o governo de São Paulo, todas as 60 milhões de vacinas devem ser disponibilizadas para o Programa Nacional de Imunização do Sistema Único de Saúde (SUS).

No entanto, o governador de São Paulo, João Dória, afirmou que, se não houver acordo em nível federal, todas as doses serão destinadas à população paulista. Assim, até março de 2021, todo o estado de São Paulo seria vacinado. A imunização começaria no dia 15 de dezembro deste ano.