Duda Mendonça: um maluco genial

Com filmes irreverentes e muito afetivos, publicitário baiano conquistou prêmios em importantes festivais, como o Leão de Ouro em Cannes

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  • Nelson Cadena

Publicado em 18 de agosto de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: divulgação

"É o comercial que eu gostaria de ter feito. O criador ou é maluco ou é genial”. Esse foi o comentário de um jurado espanhol no festival Iberoamericano de Publicidade-FIAP, realizado em Cartagena, em 1982, onde eu estava cobrindo o evento para a revista Propaganda e de penetra na sala do júri por conta de minhas origens. Nasci na Colômbia. Me facultaram esse privilégio.

O criativo espanhol se impressionou com o comercial “Cadeiras”, da campanha do governo ACM para estimular a vacinação contra a poliomelite. No filme, o apresentador mostra os belos modelos de confortáveis cadeiras de rodas e, num surpreendente final, a locução em off anuncia: “A Secretaria de Saúde da Bahia garante que nunca comerciais como este existirão em nossa televisão... No país do futebol é triste ser doente das pernas... Vacine seu filho”.

Esse era o Duda. Provocativo. Dizia que, para convencer a população a aderir a uma campanha de vacinação, tinha que chocar e nada mais inusitado do que um vendedor de cadeiras de rodas sofisticadas, inclusive esportivas, com a sugestiva oferta de várias prestações sem juros, como no varejo. E foi no varejo, o nosso maior segmento de mercado, nas décadas de 1970 a 1990, que Duda Mendonça imprimiu a marca da inovação, emocionando as pessoas, a oferta em segundo plano.

Emplacou um Leão de Ouro, no mais importante evento de publicidade do mundo, o Festival de Cannes, com o filme “Menino, Menina”, uma história de amor entre dois adolescentes, criado para as Óticas Ernesto. Foi a primeira e única vez no século XX, na história do festival que um filme de varejo conquistou um leão dourado. Esse componente de emotividade na propaganda era a antítese da propaganda convencional que assimilamos dos americanos e ingleses com suas fórmulas testadas em pesquisas qualitativas. Não testadas no Brasil e muito menos na Bahia, um país à parte. De emoções à parte.

Um dia, Duda inventou de fazer um comercial de Natal com Mãe Menininha do Gantois, em um ambiente respeitoso, de acordo com o personagem. A agência mais criativa do Brasil na época, que tinha como diretor de criação Washington Olivetto, convenceu o Terreiro do Gantois a permitir um close fotográfico da líder espiritual. Imagem utilizada numa campanha das máquinas de escrever Olivetti, veiculada no Dia das Mães, na revista Veja.

Duda se enfureceu com a ousadia da agência e comprou uma briga com a agência e com Olivetto. Escreveu uma carta irada para os jornais do Sul, dizendo: “uma coisa é a Mãe Menininha divulgando uma mensagem de amor e paz, outra é vendendo máquinas de escrever”. Exigiu respeito. A briga lhe rendeu visibilidade nacional e ele me confidenciou na época que “se for para brigar tem que ser com alguém maior do que você, mesmo perdendo você ganha”.

E ele ganhou essas e outras brigas menos polêmicas. A DM9 marcou pela ousadia, criatividade, forma de fazer propaganda, fora da curva, vendendo produtos através da emoção, do resgate de nossas tradições culturais e do bom humor. Certa feita, conquistando a conta de varejo da Feira dos Tecidos, se viu na contingência de criar algo para além do grito de oferta, característica desse cliente. Marivaldo Sarkis, proprietário da rede, insistiu que queria porque queria a frase “queima de estoque” no comercial. No mínimo, uma intromissão no processo criativo. Duda não se intimidou e queimou a “loja”, literalmente.

Contratou o humorista Paulo Silvino e provocou um incêndio no estúdio de gravação da produtora. Era para ser um incêndio controlado, afim com a proposta de queima de preços. Saiu do controle e quando o ator se deu conta que o incêndio se alastrava, se apavorou. Os extintores de incêndio entraram em ação e algumas das caretas de Paulo Silvino Duda aproveitou e colocou no ar. Nada mais realista que uma queima de preços de verdade.