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Da Redação
Publicado em 27 de agosto de 2017 às 05:41
- Atualizado há um ano
Templos de fruição cinematográfica me deixavam alavontê e imerso no éter ao redor. Donde: passei nesses sacrossantos lugares bem mais tempo do que flanando no líquido amniótico de mamére – apenas reduzidos e insuficientes nove meses. [Conclusão lógica e dedutiva: o útero de mamére e o escurinho do cinema recendendo a fluídos nem sempre identificados foram as ambiências mais prazerosas da minha existência]. Explico: ao adolescer e me mudar para Salvador, descobri: o escurinho do cinema não era apenas local de fruição cinematográfica à qual tanto amo – o cinema sempre me foi segunda pele/película. Esses templos extáticos que me inebriavam tinham plus no qual este então-homossexual-assustado – eram os 1970 – mergulhou com gula pontagruélica. Os cinemas de rua de Salvador à época – Excelsior, Tamoio, Liceu, Popular, Guarani (depois Glauber Rocha), Tamoio, Bahia, Capri, Nazaré, Politeama/Bristol 1 e 2, Pax, Astor, Roma e Tupi – tornaram-se refrigérios da libido em brasa ardente de gentes feito eu e milhares de viados soteropolitanos que ainda não sabíamos a dor e a delícia de ser o que éramos e o que somos. [Assistir aos melhores filmes da história do cinema d’antanho – de Billy Wilder a Luis Buñuel, passando por Pier Paolo Pasolini, Louis Malle, Glauber Rocha et al – e, ao mesmo tempo, acariciarmos – e sermos acariciados por - corpos de homens que sentavam ao nosso lado; ou, nus nos banheiros, provarmos, contra as leis da física, que dois corpos masculinos podiam ocupar o mesmo lugar no espaço eram o melhor que havia sob o sol da Bahia]. Essa, digamos, fusion entre dois prazeres siderais, sexo e cinema – foi estupenda. Não me jacto, mas adquri sapiência e jogo de cintura precoces - graças a essa mistura fina – cultura cinematográfica notável + bem-vinda nonchalance diante desse falso drama hamletiano de ser ou não ser gay. [Ao chegar em Salvador, andava pelas ruas olhando pro chão, tanto era o pavor que, por conta do meu vultus profundis, alguém apontasse: - Viado, viado! [Essa imersão cinematográfica em obras primíssimas da grande arte aliada à sofreguidão com que eu descobria em mim bem-vinda pulsão de vida (e não de morte) me salvaram do suicídio programado deste os oito anos. Por essas e outras: viva o cinema – tanto a abissal forma de arte, quanto os lugares nos quais tudo nos luscofuscava, nos iluminava e nos revelava e nos desabria]. Citarei apenas um número: assisti ao genialíssimo Belle de Jour/A Bela da Tarde, de Luis Buñuel, no mínimo 50 vezes e 50 vezes subi na carruagem de Catherine Deneuve e fui com ela caçar homens no Bois de Boulogne, em Paris. [Entre carona e outra no coche de La Deneuve, a minha libido batia tambor, e como batia, nas cadeiras mais ao fundo do cinema]. Então, desgraças da sorte, o que era quase secreto alardeou-se: o nosso éden se desedenizou. Marginais passaram a se fingir de homossexuais, e, ao atrair as presas, crau: roubavam-nos tudo ou nos surrávamos sem dó. [Fui extorquido e espancado 5 ou 6 vezes. Mas não me intimidava. Me intimidar pra quê? Sempre soube: cada um faz do corpo o que melhor lhe apetecer. Ponto]. O cine Capri era o mais hypado cinema de pegação de Salvador. Honra ao mérito, tornei-me presença quase diária nesse jardim das delícias do Largo 2 de Julho. Um dia deu errado. Fiquei desconfiado – o sujeito não quis me beijar na boca e o não beijar na boca era sinal de alerta: o cara era do ‘mal’. Vacilei: caí de boca no sujeito e o sujeito me ameaçou levar à delegacia. Aproveitei o tempo que o cara abotoava a braguilha e subi a galope a escada em caracol que levava à rua. Ele me alcançou: rasgou minha camisa; cuspiu na minha cara. Sem dinheiro, o cara me deu uns tabefes e vociferou: - Se voltar aqui eu te mato, entendeu, viado de merda! [Eu entendi, mas o deus-ex-machina que nos rege, não. No dia seguinte, o cine Capri pegou fogo e virou toneladas de cinzas. Nunca mais se reergueu][#sanguidijisuistempudêmeunegônagô!#].