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Elas decidem: como as mulheres podem definir as eleições deste ano

Cinco motivos podem ser decisivos para o voto feminino; veja como quatro perfis diferentes farão sua escolha

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 1 de outubro de 2022 às 11:00

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Em frente a um dos maiores shoppings de Salvador, Andrea Chaves, 37 anos, está há duas horas sentada em uma cadeira de plástico e assim permanecerá nas próximas 13 horas. Ummini trio passa e, lá de cima, um homem fantasiado de cachorro pede votos a um candidato pela defesa de animais. “Ói, você me deixe”, desdenha a vendedora ambulante, dona do voto mais disputado nestas eleições – o feminino. O dela, por exemplo, será por obrigação. 

O showzinho barulhento do cabo eleitoral acaba em dois minutos e Andrea volta aos clientes que surgem na calçada com 100 ambulantes. Para ela, a esperança de mudança está mais na resposta positiva ao seu pedido de aposentadoria por invalidez, feito há um mês, que no resultado das eleições deste domingo. A autônoma representa bem o perfil das mulheres cujos votos são disputados, semana a semana.

Leia mais: Veja abaixo como evangélicas, empresárias e empregadas domésticas escolhem o voto

Desde que garantiram o direito ao voto no Brasil, em 1932, as mulheres superam os homens como eleitoras: somos 52% dos votantes. A massa estatística já justificaria a briga pelo voto delas. Mas, uma pandemia depois, o acúmulo de tarefas, a intensificação de ataques misóginos e da pobreza, enfim, a perda de qualidade de vida que sempre afeta mais elas do que eles determinaram novas especificidades na escolha eleitoral.

Essa é uma decisão em aberto. No dia 18 de setembro, o Datafolha apontou que quase duas a cada dez mulheres (19%) estavam indecisas quanto aos candidatos escolhidos. Os homens estavam mais determinados: 90% sabiam em quem votar.

Ouça: Noventa anos do voto feminino

A escolha eleitoral feminina, contextualiza Teresa Sachett, doutora em Ciência Política e pesquisadora sênior do Observatório Nacional da Mulher na Política, deve passar pelas transformações enfrentadas ao longo destes dois anos. Ela, que também é pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), lista os principais aspectos que podem impactar o voto feminino:

1)    O empobrecimento da população

É um dado traduzido por carências como a fome que, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), dói na barriga de 33% milhões dos brasileiros. As mulheres, sobretudo as pobres e negras, historicamente colocadas como cuidadoras e chefes de famílias, mas vulneráveis à falta de equidade de gênero no mercado de trabalho, enfrentam de modo mais intenso as consequências desse abismo econômico.

2)    Políticas de transferência de renda na berlinda

Depois da substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, em novembro de 2021, há um clima de incerteza em relação à manutenção de políticas de transferência de renda. De acordo com o Ministério da Cidadania, 81,6% dos contemplados pelo Auxílio são mulheres. Ou seja, as indefinições quanto essas políticas públicas tendem a afetar mais o voto feminino.  Mulheres são a maior parte dos eleitores (Foto: Agência Brasil) 3)    O aumento da violência doméstica

Em contraposição à diminuição do financiamento de projetos governamentais como a Casa da Mulher Brasileira, que acolhe vítimas, houve aumento dos casos de violência contra mulher. 86% das brasileiras perceberam aumento na violência contra elas, segundo o DataSenado e o Observatório da Mulher. Na Bahia, o número de medidas protetivas aumentou 100% em cinco anos. Essa realidade tende a levar à reflexão de parte das mulheres sobre quais candidatos e candidatas pautam assuntos de interesse público feminino em seus planos de governo. 

4)    O avanço de discursos e ataques machistas

A escala de violência também é discursiva e, inclusive, alavancada por candidatos – como o presidente Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição e protagonizou, por exemplo, casos recentes de agressões verbais a jornalistas mulheres. “Esse ranço contra posturas misóginas, grosseiras, que aparecia desde 2018, não vem só de mulheres feministas, mas de mulheres no geral. Na prática, a política do atual governo [federal] vai impactar a decisão”, acredita Sachett. 

5)   A piora da qualidade de vida

O adoecimento psíquico, o acúmulo de tarefas domésticas e a perda de familiares durante a pandemia serão outros pesos na balanças da escolha feminina. Se são as mulheres as responsabilizadas pelas atividades ligadas de cuidado, as consequências mais severas dessas obrigações recaem, com mais peso, sobre elas. Uma pesquisa global encomendada pelo Instituto Gallup mostrou as mulheres no limite emocional e físico.

O voto ganha novos contornos, portanto, conforme o grupo social. E um deles vale menção à parte: o de mulheres evangélicas. O primeiro motivo é numérico: elas representam 60% dos evangélicos brasileiros, que, por sua vez, são 65 milhões, informa o Datafolha. Na última semana, uma pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (Iser) destrinchou as complexidades do voto de evangélicas. “Talvez o mais fundamental seja que as mulheres evangélicas estão em trânsito neste mundo fragmentado. Mulheres evangélicas são mães, trabalhadoras, avós, tudo isso é importante para a formação de identidade delas e suas percepções da realidade social”, explica Lívia Reis, cientista social e uma das coordenadoras da pesquisa. A segunda razão é associada à escalada da moralidade cristã. “Há uma relativização que atribui um conjunto de moralidade ao evangélico. Mas esse jogo é mais flexível”, contrapõe Reis. 

Para atingi-las, há duas abordagens políticas em andamento: a do pânico moral – como os discursos de que certos candidatos fecharão igrejas – e a da contemplação das outras facetas da mulher evangélica, como o trabalho.

A uma semana das eleições, a reportagem conversou com quatro eleitoras. Da idosa evangélica à jovem autônoma, elas respondem como decidirão seus votos. 

A evangélica: o filho quer Bolsonaro, ela não sabe

Em recuperação de uma cirurgia dentária, Valdelina Souza, 67, está atrasada para um culto vespertino da Igreja Universal, na Avenida ACM. A aposentada veste uma camiseta com a frase em inglês “Love is free” – “o amor é livre” – para ouvir a pregação de um dos pastores que acompanha há oito anos, tempo em que Deus, segundo ela, curou uma depressão que os remédios não estancaram.

Aos domingos, segundas, quartas, sextas e sábados, Valdelina repete o trajeto de casa, na Boca do Rio à igreja. Vai e volta os nove quilômetros de distância de ônibus. Sobre política, esta senhora fala quase nada. Um dos quatro filhos insiste para que ela vote no presidente Jair Bolsonaro. Ela tem dúvidas.“Lula fez muita coisa feia, coisa que eu não esperava, e fez outras coisas boas. Bolsonaro não tem ficha suja e fala o que quiser”.O pastor, ela diz, não interfere na decisão dela, nem de ninguém. “Eu sei que o homem é pecador e Jesus disse que viriam períodos difíceis”. Embora cite a religiosidade, seu voto será definido a partir dela.   Valdelina: o voto indeciso (Foto: Fernanda Santana/CORREIO) Natural de Gandu, no sul da Bahia, Dona Valdelina criou os filhos às custas do trabalho doméstico como faxineira. O marido morreu antes de ela se aposentar, há 12 anos. Além das obrigações religiosas, ela preenche os dias ajudando os filhos e noras. 

Como gosta de votar e nunca deixou de fazê-lo, Valdelina escolherá seus candidatos para todos os cargos – mas deve decidir de frente para urna. “Coloque lá assim: ‘Que Dona Valdelina quer alguém que acabe com a morte das mulheres e essa violência toda, de criança andar armada na rua”. 

Para ela, nenhum candidato aborda o suficiente a violência contra a mulher. Dona Valdelina nunca viu a agressão de perto, mas lamenta as notícias. 

A trabalhadora doméstica: o assédio diário

Sendo ela uma das trabalhadoras mais antigas do prédio onde vivem os patrões, é esperado que todos conheçam Romilda Reis, 59 anos. Em 30 anos como empregada doméstica de uma família, viu gente nascer, crescer, romper namoros e casar de novo – e todos fofocarem a respeito. O tema da vez é a política. “Vai votar em fulano, né? Por favor”, perguntam. “Vou”, ela responde. Aí aparecem outros. “Vai ser em fulano?”. “E eu digo: 'sim’. É uma pressão terrível”.

As empregadas domésticas são uma das classes trabalhistas mais afetadas pela pandemia:  as condições de trabalho pioraram para parte delas – que viram o salário ser diminuído ou perderam o trabalho – e as denúncias de trabalho análogo à escravidão pipocaram. “Foram muitas perdas. Lutamos por nossos direitos e tiram... é difícil”, lamenta. 

Romilda é quem custeia a casa, em Vista Alegre, mas teve o salário e os dias de trabalho reduzidos. R$ 1,2 mil mantém ela e o marido, impossibilitado, por problemas de saúde, de trabalhar. “A política, hoje, veio para matar”. 

Faz um dia que Romilda viu essa morte: enquanto panfletava por um candidato, uma maneira de complementar a renda, um criminoso apontou a arma para ela e as colegas. Elas correram. A violência é um dos pontos que nortearão os votos dela, ainda em aberto. “Gostaria de ter mais uma tranquilidade de sair da rua, que investissem em segurança, e também na saúde, que está muito difícil. Hoje eu fui para a médica  e ela me passou os exames que custavam quase 600”.É o que ela gostaria, mas não acredita. “Acredito só em Deus”.

A vendedora ambulante: a escolha pelas oportunidades

Há 24 anos, Andrea Chaves está nesta calçada onde se vende de cerveja a capas de celular. Quando a mãe dela morreu, o pai a trouxe de Maraú, no sul baiano, a Salvador. Adolescente, parou no mercado informal. Antes, faxinou em casas de família. As humilhações eram tantas que, aos 13 anos, ela migrou para a venda salgados, como funcionária de uma vizinha. Desde então, finalizou os estudos, mas nunca teve a carteira de trabalho assinada.

A autônoma é casada com outro ambulante, João, com quem vende bebidas e gelo. O número de trabalhadores informais como eles passa de 3,2 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A realidade que Andrea conhece é a de trabalhar mais de 60% do dia, ganhe ou perca candidato. Dali, na maior parte do tempo, ela viveu a gestão de cinco presidentes e governadores da Bahia. 

Está pior nos últimos tempos, ela acredita, pela queda da renda e a dificuldade de acessar a saúde pública. Durante a pandemia, ficou três meses sem trabalhar. Usou, nesse intervalo, reservas financeiras. Ela não recebe benefícios sociais. 

Diagnosticada com epilepsia, ela solicitou no mês passado a aposentaria por invalidez. No dia anterior à nossa conversa, por exemplo, ela passou quatro horas na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Brotas, sem ser atendida.  “Eu não entendo de política. Mas eu tento escolher alguém que tente melhor as condições de saúde e oportunidade de trabalho”, diz. Para evitar conflitos, ela evita falar em política entre os colegas de trabalho ou familiares. A vendedora ambulante votará – já decidiu os candidatos – mais por obrigação que por esperança. Seus sonhos mesmo são comprar uma casa na terra natal e ter saúde.

A empresária: trabalho e equidade de gênero

Entre 4h e 4h30, Rosemma Maluf, 56, está de pé. Primeiro, vai à academia. Em seguida, emenda as obrigações do trabalho de empresária e de mãe e dona de casa. Ela e a irmã presidem o Outlet Center, um shopping com 240 lojas, no bairro do Uruguai. Até o início da noite, fica por lá.  

Diferentemente de boa parte das brasileiras, Rosemma escolheu o momento de ser mãe de acordo com a estabilidade financeira. Quando a primeira filha nasceu, ocupava cargos de chefia. “Para mim, uma das pautas fundamentais da política é a equidade de gênero, por meio de políticas públicas como a de cotas que diminuam a distância entre nós e os homens”.

Nesse ponto, ela enxerga um descompasso justificado pela preponderância masculinas nos cargos legislativos. “Se as mulheres não participarem de alguns espaços de discussão, as leis existirão, mas não serão regulamentadas. Não se pode discutir aborto em um fórum composto só por homens, nem auxílios”.

Rosemma se vê como “uma feminista do século 21 que não quer renunciar aos seus anseios femininos [para ter sucesso]”. 

Enquanto a pandemia fechou o comércio, Rosemma passou cinco meses em ligações e reuniões para discutir o futuro do seu negócio e dos outros. Ela lembrará dessa época ao definir seu voto, resultado de três perspectivas.

A primeira é o histórico da pessoa candidata. A segunda, se as propostas estão alinhadas aos anseios dela – principalmente os de viés empresarial com políticas afirmativas voltadas para mulheres. A terceira, a competência técnica para ocupar um cargo – se forem mulheres, melhor. “Se alguém me diz que não vai votar, incentivo a ir, se nos omitirmos, alguém escolhe por nós”.