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Ele ajuda? Mudança no papel do pai é segredo para mães menos sobrecarregadas

A divisão de tarefas no processo de criação dos filhos ajuda homens e mulheres a terem vidas mais felizes

Publicado em 12 de maio de 2019 às 05:52

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Ilustração: Felipe Rezende

“Por que, em pleno Dia das Mães, você vai fazer matéria sobre os pais?”, indagou minha esposa, movida pela estranheza. Soa como invasão de território, reconheço. Fora do lugar de fala, cá estou para dar um tom masculino bem no dia do calendário dedicado essencialmente ao feminino.

A mãe é a fonte maior e, do ponto de vista biológico, será sempre assim. É a personificação do amor incondicional, o que é lindo, porém extenuante. É pesado ser mãe e também esposa, mulher, filha, dona de casa, profissional de excelência no mercado de trabalho e todas as outras qualificações que cabem dentro desse ser que parece infinito.

As recém-chegadas à maternagem talvez se perguntem: como lidar com essa nova mulher que “nasceu” ao mesmo tempo em que “morreu” a que existia até bem pouco tempo atrás? Porque naquele dia em que a vida ganhou outro significado, seu “eu” passou a ter nova identidade. Uma com a qual se aprende a conviver na prática, sem ensaio. Em que a “loucura” até vira normalidade. 

Este texto não é o conto de fadas comumente visto no segundo domingo de maio. É para mães que, muitas vezes, se sentem cansadas, irritadas, atribuladas demais. E para os pais que se preocupam com essa realidade. Não é mimimi: 25% dos casamentos terminam em divórcio em até cinco anos após o nascimento do primeiro filho, segundo pesquisa feita nos Estados Unidos pelo The Relationship Institute – um índice maior que a média em outros períodos. A esse fenômeno recorrente dá-se o nome de baby clash (choque do bebê, em tradução literal).

Em busca de respostas ou pelo menos problematizações, o CORREIO conversou com a psicóloga Ana Marcílio, especialista em Psicologia Social e mestra em Educação e Justiça Social pela Universidade de Londres. Ela é coordenadora de ações estratégicas da Avante, ONG fundada em Salvador em 1991 que integra a Rede Nacional Primeira Infância (RNPI).

Questionada sobre o estresse a que as mulheres são submetidas, Ana alerta que a vida contemporânea já é um fator em potencial, além de haver uma herança cultural que sobrecarrega o feminino. 

“Antes, a preocupação era com a casa e a comida, hoje é algo muito mais elaborado de convivências e necessidades. Mais velocidade, mais tecnologia, mais conexão, mais conversa, mais isso, mais aquilo, mais informação...”, enumera.  

“A gente está transformando a realidade em algo mais complexo. Além do extravasamento do trabalho para o ambiente doméstico. Não se encerra o ofício no escritório; ele permanece dentro dos nossos celulares, entra nas nossas casas e extrapola o momento da rotina”, avalia Ana Marcílio. 

Para ela, há muitos anos a mulher lida com essas duas cargas e elas são pouquíssimo compartilhadas. “A cobrança é toda em cima da mulher mesmo, o homem não é cobrado pela casa nem pelos filhos”, analisa, antes de concluir: “Existe uma iniquidade enorme no ambiente familiar e doméstico, completamente contrária a uma maior qualidade de vida das mulheres porque o fardo que ela carrega é muito mais pesado”.

A solução é óbvia: dividir as tarefas relativas à casa e aos filhos. Questão de matemática, já que o dia tem 24 horas, e algumas delas precisam ser dedicadas ao que é de ambos. “Se a mulher não estiver fortalecida para perceber que a maioria das coisas que a sociedade impõe a ela como mãe não é  responsabilidade (só) dela, ela pira. A participação paterna deixa a maternidade mais leve. Pai não é ajuda. Ele é pai e tem que cumprir a parte dele. Eu assumo minha parte e ele assume a dele. A gente precisa de uma sociedade que pare de colocar a responsabilidade só na mulher”, comenta a educadora parental Elisama Santos, autora do livro Educação Não Violenta. 

Ela completa: “Mas é uma sociedade que infantiliza o homem, né? Quando ele vai trocar a fralda de uma criança, tem sempre alguém querendo ajudar. Ninguém ofereceu ajuda quando eu estava trocando fraldas do meu filho, entende? É normal tratar o homem como se ele fosse um menino”.

Evolução da lei A evolução é lenta, mas, numa análise histórica, está em curso. Inclusive, um dos pontos de atuação da RNPI é a negociação com governo, setor privado e sociedade civil para que a esfera legal seja propulsora de uma mudança cultural.

A legislação brasileira é recente no sentido de abranger a responsabilidade paterna no ato de cuidar. Por exemplo, só em 2016, o homem passou a ter direito a faltar ao trabalho para acompanhar uma consulta pré-natal da futura mãe de seu filho. Naquele mesmo ano, a licença paternidade foi aumentada de cinco para 20 dias  se o empregador fizer parte do Programa Empresa Cidadã. 

Já a lei federal 11.108, que permite à mulher ter um acompanhante à sua escolha durante todo o processo de parto nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) - o que abre a possibilidade do pai participar do nascimento do bebê - data de 2005.

“As coisas são complexas porque os direitos da criança e da família são negociados com o empresariado. A lei que garante a possibilidade do pai acompanhar o pré-natal é importante, facilita ao homem, nesses nove meses, tornar-se pai. Ele vai se dando conta. Muitas vezes ele só participa desse momento depois que o neném nasce. Vinte dias é pouco para o pai entender o que é ser pai. Mas se pensar que eram cinco, já quadruplicou”, pontua Ana Marcílio. 

Momento de se redefinir Na visão dela, parcela considerável dos problemas de relacionamento entre casais após o nascimento da criança se dá por falta de preparação. “Pouco é dito para os pais do cuidado que é necessário que se tenha com as mães. Uma pessoa que antes era acostumada a ser senhora de si, de repente, se vê presa. É muito intenso para todos, e para a mulher ainda tem os reveses biológicos. Então, é fundamental cuidar do cuidador. Às vezes, cuidar da criança é cuidar da mãe da criança”, afirma.

Elisama enxerga o que chama de “caminhar de homens” em direção ao assunto e também mais participação da mídia no que seria a construção do novo papel de pai, antes restrito a ser autoridade e provedor. “A gente está vivendo um momento social em que o homem também está questionando esse papel e buscando assumir essa responsabilidade, porque ele percebeu que o distanciamento também traz consequências na vida dele. É necessário que os dois estejam dispostos a se redefinir depois da chegada de um filho”, destaca.

Foco no consumo A psicóloga Ana Marcílio também provoca uma reflexão sobre os hábitos tradicionalmente cultuados quando a mulher está grávida, o que aumenta os problemas com estresse no primeiro ano de vida do filho ou filha. “Há uma série de mudanças, e nem o pai, nem a mãe foram preparados. Na gravidez, o foco está voltado para consumo. Dá vontade mesmo de comprar roupinha, brinquedo, montar o quarto. Mas passa nove meses nisso, em vez de focar na preparação familiar, emocional de todos. Só que o bebê nasce e muda tudo. Refazer esse processo do pré-parto é importante para ter um pós-parto com mães mais tranquilas e pais mais participativos”. 

‘O pai ajuda?’

Atenção à palavra  Você, mulher, já perguntou ou foi perguntada se o marido ajuda nas tarefas domésticas? Ênfase no verbo: ajudar tem uma carga semântica que indica que a realização da tarefa cabe à mulher, e o homem só auxilia. Destoa da busca por equidade. “É responsabilização. Acho que falta dar esse passo. Às vezes o pai ama, mas ele não é responsável pela criança. É diferente. Se tem o trabalho que a mãe faz, tem o trabalho que o pai faz, e de tudo. Fora a amamentação, o resto todo  pai pode fazer”, argumenta a psicóloga Ana Oliva Marcílio.

Cinco dicas para ter mais leveza 

Menos controle Acredite: você não tem controle sobre todas as variáveis na educação dos filhos nem no relacionamento. Porém, quanto mais informação e dedicação, é normal querer atingir esse ideal. O resultado geralmente é cansaço e estresse. Portanto, siga suas convicções, mas evite os extremos para não sofrer. 

Divisão de tarefas Se um dos componentes do casal faz muito mais tarefas que o outro, eis um fator de potencial insatisfação e cansaço. Por tabela, de perda do equiilíbrio emocional. O ideal é que as tarefas sejam compartilhadas. Aos homens, um alerta: a mulher em licença maternidade não está descansando. Vale para elas também: o homem no trabalho não está curtindo.  Com ambos em casa, tentem uma divisão igual no cuidado da casa e da(s) criança(s).

Menos culpa O sentimento de culpa é comum entre as mães de primeira viagem. Ninguém é uma mãe desnaturada porque sente vontade de estar bebendo quando está em casa amamentando, por exemplo.  “A mulher aceita essa culpa porque acha que não existe outra opção, que não existe maternidade sem culpa. Quando meu primeiro filho nasceu, me falaram isso. E eu me senti culpada diversas vezes. Só que hoje, quando essa culpa vem, eu percebo: opa, eu estou vestindo uma roupa que não é minha. Não sou a única responsável por essa criança. Eu não sou onipotente”, conta Elisama Santos. 

Crie espaços de convivência O simples ato de “ver a rua” pode causar um alívio enorme. Especialmente nos primeiros meses de vida da criança, é normal que as mães fiquem reclusas em casa submetidas à rotina do cuidar.  Porém, é preciso criar momentos de descanso para a mente. Uma dica é aproveitar ambientes em que seja possível conversar e trocar experiências. 

Rede de apoio  Esta é útil para quem tem filhos pequenos. Quem pode assumir algumas tarefas para apoiar os pais? Avó, avô, tia, irmão, vizinho... Quanto maior a rede de apoio, menos pesada fica a rotina e pode até sobrar tempo para uma saída.