Em 20 anos, número de diaristas cresceu 141,7% na Região Metropolitana de Salvador

Conheça Jara: após demissão como empregada doméstica, ela se dedica exclusivamente ao trabalho como diarista

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  • Yasmin Garrido

Publicado em 25 de abril de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Yasmin Garrido/CORREIO

Jara trabalha como empregada doméstica desde os 13 anos (Foto: Yasmin Garrido/CORREIO) Jaraildes dos Santos Portela, 47 anos, ou, simplesmente, Jara, trabalha como empregada doméstica desde os 13. Natural de Feira de Santana, no centro norte baiano, ela, que é mulher negra e mãe solteira de três filhos, de 22, 17 e 10 anos, estava, desde 2017, se dividindo entre um trabalho de carteira assinada e diárias como faxineira e cozinheira. Em março deste ano, no entanto, foi demitida e tenta se virar apenas como diarista. “Comecei a trabalhar na informalidade, sem carteira assinada, ainda muito nova. Quando completei 18 anos, consegui o primeiro registro como doméstica. De lá pra cá, tive só mais dois empregos - um que durou muitos anos e o outro que eu fiquei de 2017 até março”, contou ela ao CORREIO. Jara, que estudou até a 7ª série ou 8º ano do Ensino Fundamental, recebe, hoje, a ajuda da mãe para complementar a renda mensal. O movimento de Jara é uma realidade cada vez mais forte no dentro do mercado de trabalho doméstico da Bahia. A Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região Metropolitana de Salvador (PED-RMS), divulgada ontem pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) em parceria com o Dieese, apontou que o número de diaristas cresceu 141,7% nos últimos 20 anos (1997 a 2017).  

Nesse mesmo período, a quantidade empregadas domésticas de carteira assinada, que possuem vínculo empregatício, também aumentou 96%, diferente das que viviam na informalidade, categoria que teve queda de 55,6%. Mas, esse cenário mudou a partir de 2018: enquanto a atividade de diaristas continuava em alta, o emprego doméstico formal teve redução. 

Para Luiz Chateaubriand, analista técnico da SEI, “esse novo cenário surge a partir das alterações significativas nas relações de trabalho deste segmento, além de sofrer influência da crise econômica do país”. Ana Margaret Simões, Coordenadora Técnica da PED-RMS, também argumentou que, “apesar de não aparecer nas estatísticas, isso é um reflexo das mudanças na própria estrutura familiar”.    Foi exatamente isso que levou Jara a trabalhar exclusivamente como diarista. “No emprego que eu mais fiquei, comecei desde a avó, passei pela mãe e depois trabalhei para a filha, que já é adulta”, disse para depois completar: “Com o tempo, a avó faleceu, a mãe ficou em casa com a filha e depois foi morar fora do país. Ou seja, de uma casa cheia, ficou apenas uma pessoa. Por isso precisei buscar outro emprego, mas continuei lá como diarista”.  Jara trabalha exclusivamente como diarista atualmente (Foto: Yasmin Garrido/CORREIO) Informalidade Tudo isso, segundo dados da PED, também está relacionado à formalização da categoria. Na série histórica entre 1997 a 2018, percebe-se que as diaristas, que representavam 10% das trabalhadoras do segmento, alcançaram 28% no ano passado. Já o número de domésticas com carteira assinada também teve alta, de 26,1% para 45,8%.    “Embora tenha se observado crescimento nos últimos 21 anos, o índice de empregadas doméstica com carteira assinada nos dois últimos anos caiu de 27,4% para 26,2%, enquanto a quantidade de diaristas aumentou 4,7%”, destacou Chateaubriand. Ana Simões reforçou que, na contramão, o emprego doméstico mensalista sem carteira assinada, que, em 2017, correspondia a 64% da categoria, em 2018 apresentou índice de 26,2%. “Ainda é uma proporção muito elevada , o que aponta para a relevância da continuidade de regulamentação da profissão”, disse.    Para os empregados domésticos, que na RMS são 110 mil trabalhadores - 96,8% mulheres -, a formalização da atividade foi mais intenso a partir de 2010. Os oito anos consecutivos de crescimento do emprego mensalista com carteira assinada, que aconteceu até 2017, elevou a 49,3% a participação dessa forma de inserção no mercado.  

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Perfil do trabalhador doméstico da RMS

Escolaridade  O grau de escolaridade tem crescido. No ano passado, 36% da categoria possuía nível médio completo ou superior incompleto, mas 32,9% possuem apenas o  fundamental incompleto. 

Faixa etária Em 2018, a maioria tinha  40 e 49 anos (34,9%), seguidas daquelas entre 25 e 39 anos (30,5%).

Etnia  95,8% das  domésticas baianas eram negras (pretas ou pardas).

Chefes de família   Diaristas chefes de família representavam, em 2018, 44,7% do contingente da profissão.

Residência  83,6% das empregadas domésticas  residiam e trabalhavam em Salvador.

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Para a presidente e uma das fundadoras do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas da Bahia (Sindoméstico-Ba), Creuza Maria Oliveira, 62 anos, “todo o cenário reflete, além da crise econômica, a precarização dos direitos da categoria dos trabalhadores domésticos, uma vez que ainda se observa grande número de profissionais na informalidade”.    Desta forma, diz, apesar do crescimento das trabalhadoras domésticas com carteira assinada, o também aumento no índice de diaristas na Bahia faz com que não haja o respeito a direitos, uma vez que a categoria não possui vínculos empregatícios.     “O pior de tudo isso é que, no estado, a gente observa que as diaristas são, em sua maioria, mulheres chefes de família”, declarou Creuza. Esse é o caso de Jara, que tem de criar os três filhos sozinha, já que o pai morreu há quatro anos. “Agora sem o trabalho e dependendo de diárias, tem sido mais difícil”, disse. 

Os dados da PED apontam também para uma situação preocupante, segundo Creuza: 92,9% das mensalistas sem carteira não contribuem com a previdência nem têm os direitos trabalhistas reconhecidos. “É importante manter o incentivo à formalização do trabalho doméstico e o cumprimento dos direitos trabalhistas e previdenciários como forma de não enfraquecer o movimento de luta e resistência que, desde 2010, é observado no país”. 

* Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier