Em nome da causa: ajuda de políticos fez Irmã Dulce erguer um império do bem

Freira baiana não media esforços para conseguir doações para os pobres

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  • Jorge Gauthier

Publicado em 19 de maio de 2019 às 21:02

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/Osid

Em nome da solidariedade, ela não se intimidava. Buscou ajuda de todos os lados para alimentar e dar conforto aos pobres e doentes. Irmã Dulce (1914-1992) costumava dizer que não tinha tempo para política, mas se relacionava muito bem com os políticos, tudo para defender uma causa maior. Graças à  postura apartidária, deu firmes passos para a construção da obra social que segue até hoje.

Enquanto viveu, Irmã Dulce passou pela gestão de 53 prefeitos de Salvador, 28 governadores da Bahia e 26 presidentes da República. Governos de direita, esquerda, centro e militares. Para ela, pouco importava. “A minha política é a do amor ao próximo. Não entro na área política, não tenho tempo para me inteirar das implicações partidárias. Meu partido é a pobreza”, costumava dizer a freira baiana, que na terça-feira (14) teve seu segundo milagre reconhecido pelo Vaticano, que a   transformará oficialmente em santa. 

Sobrinha da freira e atual superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce, Maria Rita Lopes Pontes destaca que a tia sempre recorria aos políticos para conseguir valores maiores, que dificilmente seriam obtidos só com as pequenas doações. Ela não desistia após ouvir não e insistia até conseguir. 

Governador da Bahia em três mandatos, ACM  (1927-2007) era uma das figuras políticas a quem Dulce sempre recorria. Foi ele que doou para ela  parte do terreno onde  estão instaladas as Osid. “Muitos políticos eram admiradores dela. Nos anos 1980, a dificuldade era grande. ACM ajudava muito nesse sentido. Ela sempre pedia socorro para fazer alguma campanha para obter mais donativos”, diz Maria Rita. 

Quando ACM era ministro das Comunicações,  Dulce estrelou a campanha publicitária da Telebahia, empresa do grupo Telebras na Bahia antes da privatização, em 1998. “Ele abriu muitas portas para que Irmã Dulce fizesse campanhas publicitárias e ficasse mais conhecida nacionalmente. Através dele, ela fez várias ações na mídia que se reverteram em benefícios para as obras. Quando era governador,  firmou diversos contratos com as obras para que os serviços de saúde fossem mantidos”, relembra Maria Rita destacando  que após a morte de Dulce o ex-senador ACM continuou auxiliando nas obras. “Ele foi um dos meus grandes conselheiros no início. Sempre me dizia que eu não deveria me distanciar da igreja. Talvez ele já sentisse que ela iria virar santa”, rememora Maria Rita.  

ACM tinha em Dulce uma pessoa de referência no auxílio ao próximo. “Meu pai tinha uma relação muito próxima com ela. Ela era daquelas pessoas que ficavam atrás até conseguir as coisas. Ele procurava, desde a época de prefeito até quando foi governador por 3 vezes, atender tudo que era possível naquilo que ela pedia. Visitei Dulce com meu pai algumas vezes e via que eles tinham uma proximidade muito grande. Ele confiava e acreditava no trabalho que ela fazia. Ele era um benemérito das Osid”, lembra o presidente da Rede Bahia, Antonio Carlos Júnior.

O apoio de ACM a Dulce era permanente. “Irmã Dulce não tinha uma obra política. O senador [ACM] se empenhava em ajudá-la pela questão meritória que tinha o trabalho que ela desenvolvia. Ele sempre procurava recompensar o empenho dela no limite máximo  que o estado podia.  Por inspiração dele, a Rede Bahia começou a ajudar e a prestigiar as Obras. Foi um pedido dele e continuamos  dando esse apoio”, ressalta Antonio Carlos Júnior. Irmã Dulce ao lado de ACM e de João Batista Figueiredo, primeiro presidente a entrar nas Osid (Foto: Divulgação/Osid) No dia da morte de Dulce  ACM era governador e frisou que seria missão do poder público manter o legado da freira. “Temos que lutar para manter o espírito da obra de Irmã Dulce. Perdemos nossa grande santa e eu perdi uma grande amiga, que sempre me acompanhou em minha vida pública e me conhecia muito bem. Com Irmã Dulce ausente, é uma obrigação do governo redobrar esforços. Era ela quem conseguia tudo isso para a Bahia, nessa obra notável em todo o Brasil”, declarou ACM, em matéria publicada no jornal Correio da Bahia, na edição de 13 de março de 1992. 

O assessor de Memória e Cultura das Osid, Osvaldo Gouveia, explica que Dulce tinha boas relações com políticos de várias correntes. “Ela chamava ACM de padrinho, pois tinha uma relação muito intensa com ele. Mas ela não tinha  partido. A conexão dela era com os pobres”, afirma. 

Pelo bem de todos 

Cargos e patentes importantes não amedrontavam a freira. O general João Baptista Figueiredo (1918-1999)  foi o primeiro presidente que, de fato, entrou nas Osid. Na visita, ela o levou, de propósito, para ver o necrotério e assim  lhe sensibilizar. Funcionou. Na saída, ele disse: ‘Irmã Dulce, se for preciso assaltar um banco para ajudar, eu assaltaria’. Ela disse: ‘Eu vou lhe ajudar a assaltar este banco’. 

Em 1947, o então presidente Eurico Gaspar Dutra (1883-1974)  visitava o Largo do Bonfim quando deparou com Dulce acompanhada por cerca de 300 meninos. Ela se colocou na frente da comitiva. O presidente mandou parar o carro para ouvir o pedido da freira.  A afronta surtiu efeito. Dutra autorizou a ajuda federal para a inauguração do Círculo Operário, que ofereceria serviços à população mais carente. 

Para atender às necessidades dos seus doentes, Dulce nem sempre agradava os políticos. Em 1939, as ações dela foram alvo de repressão da prefeitura. Ela invadiu casas na Cidade Baixa para abrigar doentes. O então prefeito de Salvador, Wanderley Pinho (1890-1967) , ordenou que ela deveria desocupar os imóveis.  Naquele momento, a persistência de Dulce foi maior do que a intimidação. Diante do impasse  ela decidiu invadir o galinheiro que ficava nos fundos do convento, no Largo de Roma.  

Improvisou estruturas que serviram de camas e deu início ao embrião do Hospital Santo Antônio, que foi erguido anos depois com a ajuda do então governador da Bahia na época, Luiz Vianna Filho (1908-1990), e auxílio da organização portuguesa Fundação Gulbenkian de Portugal, que doou dinheiro. 

Já em 1964, o governador Lomanto Júnior (1924- 2015) doou a ela  um terreno em Simões Filho. Lá, ela criou o Centro Educacional Santo Antônio, que serve até hoje como centro para auxílio de menores carentes. 

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