Em pé de guerra com Justiça, Bolsonaro tem dia de derrotas

Relembre de outros confrontos entre o presidente e o Judiciário

Publicado em 1 de maio de 2020 às 06:19

- Atualizado há um ano

. Crédito: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo/Arquivo

Contrariado por não poder indicar o nome de sua preferência para o comando da Polícia Federal (PF), o presidente Jair Bolsonaro partiu para o ataque contra o ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas as críticas ao magistrado só renderam mesmo ao presidente respostas de outros integrantes da Suprema Corte. Em relação às decisões judiciais, Bolsonaro acumulou novas derrotas ontem. 

O presidente, em entrevista na porta do Palácio da Alvorada, disse que a decisão de Alexandre de Moraes foi “política” e afirmou que a nomeação de Moraes pelo ex-presidente Michel Temer para o Supremo também foi por amizade. O ministro do STF suspendeu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o comando da PF, alegando “desvio de finalidade”. “Não justifica a questão da impessoalidade. Como é que o senhor Alexandre de Moraes foi para o Supremo? Amizade com o senhor Michel Temer. Ou não foi?”, completou Bolsonaro.O ministro não respondeu ao presidente, mas em uma decisão criticou posturas adotadas pelo presidente no combate ao coronavírus. O magistrado afirmou que as medidas de saúde voltadas ao combate à pandemia do coronavírus devem ser técnicas, não baseadas em “achismos” ou “pseudomonopólios de poder”. 

Já no final do dia, em nova declaração, Bolsonaro baixou o tom. Disse numa rede social que tinha feito um “desabafo” e que não teria ofendido ninguém. “Apenas me coloquei no lugar do delegado da Polícia Federal Ramagem, que numa liminar monocrática do Supremo Tribunal Federal, ele foi impedido de tomar posse”, declarou o presidente à noite. 

Respostas do Judiciário Os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, do STF, saíram em defesa do colega. À tarde, na sessão da corte, outros ministros do Supremo também fizeram questão de elogiar Moraes.

A Ajufe (Associação dos Juízes Federais) também se manifestou e classificou a atitude de Bolsonaro como “inadmissível”.

Barroso enviou uma declaração a jornalistas em que elogia Moraes. “O ministro chegou ao Supremo Tribunal Federal após sólida carreira acadêmica”, destacou. 

Gilmar, por sua vez, usou as redes sociais. “As decisões judiciais podem ser criticadas e são suscetíveis de recurso, enquanto mecanismo de controle. O que não se aceita – e se revela ilegítima– é a censura personalista aos membros do Judiciário. Ao lado da independência, a Constituição consagra a harmonia entre poderes”, disse. 

O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, ressaltou que é testemunha da dedicação de Moraes “ao direito e à causa pública”. “Fica aqui meu carinho e meu abraço ao querido colega e amigo ministro Alexandre de Moraes”, destacou Toffoli.

A ministra Cármen Lúcia afirmou que o colega “honra a magistratura brasileira”.

O ministro Luiz Edson Fachin foi na mesma linha e disse que se sente honrado em integrar o STF ao lado de Moraes. “Faço três cumprimentos, em primeiro lugar ao nosso eminente colega Alexandre de Moraes, cuja contribuição intelectual e acadêmica foi realçada da tribuna virtual”, destacou. 

Lula defende a decisão de Bolsonaro  O ex-presidente Lula (PT) criticou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de barrar a nomeação feita pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal.  Na opinião de Lula, a atitude do ministro só se justificaria caso ficasse provado que Ramagem cometeu algum ilícito que o impedisse de ocupar o cargo."Não podemos permitir que as instituições ajam politicamente. [...] Que a pessoa prove que o delegado tem um ilicito, aí sim ele está correto", diz Lula.Juíza dá 48h para apresentar exames A juíza federal Ana Lúcia Petri Betto, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou ontem que a Advocacia-Geral da União (AGU) forneça os laudos de todos os exames feitos pelo presidente Jair Bolsonaro para diagnóstico do coronavírus.

A decisão, segundo a juíza, deve ser cumprida em 48 horas, sob pena de multa de R$ 5 mil por dia.  Na decisão, ela afirmou que o documento enviado ontem pela AGU “não atende, de forma integral, à determinação judicial”.

Quando pediu as informações ao governo, a juíza havia determinado a apresentação dos dois exames aos quais o presidente se submeteu e que, segundo o próprio Bolsonaro, deram resultado negativo.

Caem as restrições à Lei de Acesso   O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem, por unanimidade, as restrições à Lei de Acesso à Informação previstas em uma medida provisória (MP) editada pelo presidente Jair Bolsonaro.  Bolsonaro editou a MP em março, e o partido Rede Sustentabilidade pediu ao STF que suspendesse os trechos que restringiam a LAI. 

Ao analisar o caso, o relator, Alexandre de Moraes, atendeu ao pedido da Rede. Agora, o plenário do STF confirmou a decisão.

A MP previa, entre outros pontos, a suspensão dos prazos para respostas. 

A Lei regulamenta o trecho da Constituição que estabelece como direito de qualquer cidadão receber, do poder público, informações de interesse da sociedade.

Relembre algumas derrotas do presidente na Justiça

Radares  Depois de Bolsonaro anunciar que iria suspender o uso de radares de velocidade nas estradas federais, duas decisões judiciais colocaram um freio à intenção do presidente.  O presidente anunciou em março de 2019 a intenção de retirar os radares das rodovias federais. Mas a 5ª Vara Federal em Brasília proibiu a retirada dos equipamentos. Apesar do acordo judicial para manter os radares fixos, em agosto, o presidente determinou a suspensão do uso de equipamentos móveis. A medida também foi suspensa.

Fim do DPVAT No final de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a medida provisória editada por Bolsonaro que extinguia o DPVAT, seguro obrigatório de veículos. Bolsonaro justificou o fim do seguro sob o argumento de que havia altos índices de fraudes e elevados custos operacionais. A decisão, porém, atingiria os negócios do presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), atual desafeto do presidente.

Alterações em conselho O ministro do STF Luís Roberto Barroso suspendeu parte do decreto presidencial que promoveu alterações no Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Em setembro, as alterações promovidas pelo governo Bolsonaro foram questionadas pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Pela decisão do ministro, o mandato dos conselheiros deverá ser preservado até o término.

Fundação Palmares Também foi barrada pela Justiça a nomeação do jornalista Sérgio Nascimento de Camargo, escolhido por Bolsonaro para comandar a Fundação Palmares, órgão responsável por promover a cultura afro-brasileira. A decisão do juiz Emanuel José Matias Guerra, da 18ª Vara Federal do Ceará, atendeu à ação movida por um advogado por causa das declarações de Camargo que questionavam algumas das principais políticas de valorização da população negra, como o Dia da Consciência Negra e a política de cotas.

Edital LGBT da Ancine A Justiça Federal determinou que a Ancine (Agência Nacional do Audiovisual) retome um edital para TVs Públicas que foi censurado por conter conteúdo LGBT.  O concurso estava na última fase quando foi suspenso por seis meses, prorrogáveis por outros seis meses, por ato do ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra. A suspensão ocorreu seis dias depois de o presidente Jair Bolsonaro criticar quatro produções com temática LGBT.

Demarcações da Funai Em agosto de 2019, o STF decidiu manter na Funai (Fundação Nacional do Índio) a atribuição para demarcar terras indígenas. O julgamento contrariou a intenção do governo Bolsonaro de transferir as demarcações para o Ministério da Agricultura. A retirada de poderes da Funai foi alvo de duas medidas provisórias publicadas por Bolsonaro.

Extinção de conselhos O primeiro revés do governo no STF ocorreu em junho de 2019, quando os ministros do Supremo colocaram limites ao decreto presidencial que previa a extinção de uma série de órgãos colegiados da administração federal, como conselhos, comitês e comissões, muitos deles com participação de representantes da sociedade. O STF definiu que o governo não poderia extinguir por meio de decreto aquelas comissões que foram criadas por lei aprovada no Congresso Nacional. 

Editais em jornais O ministro do STF Gilmar Mendes suspendeu, em outubro, a eficácia da medida provisória publicada por Bolsonaro que dispensou os órgãos governamentais de publicar em jornais de grande circulação os editais de licitação, tomadas de preços, concursos e leilões da administração pública.

Isolamento social  O ministro Marco Aurélio, do STF, atendeu, em parte, uma ação do PDT e afirmau que, apesar de medida provisória do governo exigir aval de agências reguladoras federais para o fechamento de divisas, estados e municípios têm competência para editar medidas de saúde contra o novo coronavírus. Assim, manteve a legalidade de todos os decretos pelo país que impuseram as restrições sobre a circulação da população.

Lei de Acesso à Informação  Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu trecho de medida provisória que retirava a obrigatoriedade de órgãos públicos cumprirem um prazo para responder pedidos via LAI (Lei de Acesso à Informação). A iniciativa afetava todas as áreas do governo em que o setor responsável pelo atendimento estava sem funcionários presenciais. Moraes afirmou que a MP pretendia “transformar as exceções – sigilo de informações – em regra.

Lotéricas e igrejas O presidente Jair Bolsonaro publicou  um decreto que incluía igrejas e casas lotéricas na lista de serviço essenciais, permitindo, portanto, o seu funcionamento durante crise do coronavírus. Um dia depois, a Justiça Federal no Rio de Janeiro suspendeu a iniciativa

Prorrogação de MPs Moraes nega pedido do Palácio do Planalto para ampliar a vigência de medidas provisórias durante a pandemia. O governo pediu para o STF determinar a suspensão por 30 dias da contagem de prazo das MPs, mas o ministro afirmou que não há previsão na Constituição

Proibição de campanha O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, vetou a circulação da campanha ‘O Brasil não pode parar’, do governo federal, que estimulava a volta à normalidade. Segundo Barroso, iniciativas contra o isolamento colocariam a vida da população em risco. O ministro proibiu ainda qualquer propaganda que minimize a gravidade da crise

Notícia-crime  Marco Aurélio pede manifestação da Procuradoria-Geral da República em notícia-crime apresentada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). De acordo com o parlamentar, Bolsonaro infringiu trecho do Código Penal que proíbe a violação de ordem do poder público que tenha como objetivo impedir a propagação de doença contagiosa

#PagaLogo Gilmar Mendes, do STF, vai às redes sociais para criticar a afirmação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que seria necessário aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para pagar os R$ 600 reais a trabalhadores informais. O ministro compartilhou a #PagaLogo para pressionar o governo e disse que a Constituição não pode ser considerada um obstáculo para superação da crise

Nomeação suspensa Alexandre de Moraes, ministro do STF, atende a um pedido do PDT e suspende a polêmica nomeação do presidente para o comando da Polícia Federal. O partido havia entrado com um mandado de segurança na corte alegando “abuso de poder por desvio de finalidade” com a nomeação do delegado para a PF. Nesta terça, Bolsonaro havia tornado pública a escolha do delegado Alexandre Ramagem, amigo dos filhos do presidente, para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal.