Emoção marca despedida de Mãe Cotinha de Oxalá

Agbá Lagbá do Ilê Axé Oxumaré tinha 99 anos e faleceu vítima de um ataque cardíaco

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 9 de junho de 2021 às 02:09

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO

O luto foi vivido em vestes de cor branca. A cor que remete a Oxalá, o orixá da criação, das origens, da referência assim como era Mãe Cotinha de Oxalá, Agbá Lagba do terreiro Ilê Axé Oxumarê. Conhecida como a anciã das anciãs, ela teve seu corpo sepultado nesta terça-feira (8), em cerimônia que teve a presença de familiares, amigos e admiradores.

O sepultamento aconteceu no Cemitério Bosque da Paz, em Salvador. Ebomi do Terreiro, Viviane Conceição foi uma das presentes e lamentou muito o falecimento de Mãe Cotinha, que era, praticamente, a sua avó.

"Ela foi uma mãe pra gente e a partida dela significa muita dor, muita tristeza porque era alguém que estava ali o tempo todo. Ela durou muito, estava toda dura, bem lúcida, dedicada completamente ao candomblé", contou.

A Agbá Lagba Maria Isabel Pereira Vargas dedicou toda uma vida ao candomblé. Falecida na última segunda-feira (7) vítima de um infarto, ela dedicou 78 dos seus 99 anos de vida em uma entrega total ao Ilê Axé Oxumarê - uma das casas de candomblé mais importantes do mundo. O seu posto era de importância vital para a religião porque existe somente em casas matriz, como o Oxumarê, que é uma casa que deu origem a outros terreiros.

Houve um pequeno cortejo, saído do Terreiro, localizado na Federação, que fez o transporte do corpo até o cemitério. A Ekedi Cida de Nanã explica que o posto de Mãe Cidinha pode ficar vago por até sete anos. Durante esse período, alguma das anciãs da casa será indicada por Oxumarê para fazer a sucessão.

Após o sepultamento, uma série de rituais restritos a pessoas específicas do terreiro continuarão sendo realizadas. Esses rituais são sagrados e as pessoas mais experientes da Casa não se sentem à vontade para entrar em detalhes.  Mãe Cotinha faleceu vítima de um infarto (Foto: Fafá M. Araújo/Divulgação) Conhecimento O próprio Terreiro publicou nas redes sociais que a morte de cada anciã ou ancião do templo é traduzida como uma grande biblioteca sendo incinerada. As palavras são reforçadas por Cida de Nanã, que as justifica baseando-se na importância da oralidade para o Candomblé.

Muitos dos ritos e conhecimentos da religião são obtidos e repassados pela cultura oral: os mais velhos ensinam os mais jovens, que repetem e perpetuam o ciclo. Com isso, muita coisa acaba se perdendo com o tempo e com as partidas dos mestres.

"Grande parte foi transmitido para muitos e muitas, mas não está mais acessível para novas gerações", contou a Ekedi.

Viviane Conceição prefere pensar mais positivo. Para ela, o legado de Mãe Cotinha de Oxalá é perpétuo e foi perpetuado por seu trabalho árduo, carinhoso e dedicado ao longo dos anos. 

"Ela deixa em vida a sabedoria, dignidade e aprendizado. Aprendemos muito com ela. Mãe Cotinha não tem fim, nunca terá. A quantidade de conhecimento que ela passou, de pessoas que ela deu palavras de conforto e sabedoria não morre. Ela sabia acalmar corações desesperados. Parecia um anjo, sabe? Era uma pessoa especial, até é difícil de explicar", disse.

Bàbá Egbé da Casa, Leandro Encarnação lembra que Mãe Cotinha esteve lúcida até os seus últimos dias. "Foi e será uma pessoa muito importante para a religião e para as pessoas de nossa religião. Com muita coragem, abriu mão de toda uma vida em nome do Candomblé, passando ensinamentos e sendo uma referência também para a comunidade ao redor do terreiro", disse.