Empoderamento digital para se adaptar ao futuro

Conhecimento e tecnologia são ferramentas transformadoras, defende o fundador da Recode, Rodrigo Baggio

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  • Monique Lobo

Publicado em 10 de outubro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/ CORREIO

A distância entre a as inovações tecnológicas e a realidade social brasileira foi rimada pelo poeta Marcelo Caetano na abertura da 10ª edição do Fórum Agenda Bahia que aconteceu na última quinta (3/10), no auditório do Senai Cimatec, em Piatã. Essa polaridade é uma velha conhecida de Rodrigo Baggio, presidente da Recode, uma organização social que está presente em oito países com 740 centros de empoderamento digital.

Ele fundou a Recode há 24 anos, vislumbrando um sonho no qual a tecnologia seria uma ferramenta de transformação social, já que o cenário brasileiro era extremamente arcaico.  “Em 1995 vivíamos em um país sem internet”, lembrou.  De lá pra cá, a Recode coleciona mais de 60 prêmios internacionais, mais de 1.7 milhão de pessoas impactadas com seus serviços e grandes histórias para contar. 

Algumas delas foram compartilhadas por Baggio durante sua palestra. “Quando a gente fala de empoderamento digital a gente pega o exemplo do Vanderson, que saiu de Curitiba com a mãe e foi morar no Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor. No Rio, eles foram morar no Complexo do Alemão e lá ele começou a usar drogas com 12 anos. Com 14 começou no tráfico e foi preso pela primeira vez. Quando saiu da prisão voltou ao tráfico, cresceu lá dentro e virou uma espécie de COO do tráfico. Ele estava preso pela segunda vez quando encontrou um de nossos centros dentro da prisão", relatou.

"Ou então o exemplo do Lucas, que foi nosso aluno no Complexo da Maré e que dizia que vivia na era jurássica. Esse sentimento aconteceu quando, no primeiro dia de aula, a educadora pediu para que ele ligasse o computador e ele não sabia ligar. Sabia usar um smartphone, mas não sabia usar um computador”,  completou. 

Segundo Rodrigo, no Brasil, 50% dos jovens não trabalham e não estudam. Além disso, 25% dos estudantes de escola não tem acesso à internet ou a computadores. E os que têm acesso  subutilizam a ferramenta. “No Brasil, onde os smartphones penetraram, hoje, segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica], 70% dos lares tem acesso à internet e 92% desse acesso vem de smartphones. Mas, sabe qual é o uso majoritário? Os dados apontam que 94% é em programas de mensagem instantânea, rede social e vídeo”, detalhou. “Isso é apenas o primeiro passo para a inclusão digital”, comentou. 

Ao alavancar esse acesso, novas oportunidades se abrem para pessoas que vivam a margem do desenvolvimento social. “Depois do curso, Lucas desenvolveu um site de maquiagem acessível para drag queens. Esse site virou uma rede social para a população LGBTQ+ no Complexo da Maré. E o Vanderson? Ele, que aprendeu rápido, começou a ensinar. Saiu da prisão e foi direto no Complexo do Alemão negociar a saída dele do Comando Vermelho. Começou a trabalhar conosco em uma comunidade, logo começou a trabalhar em três e depois foi para um projeto e hoje trabalha em oito estados conosco. Ele já formou, na última década, mais de 100 mil jovens em 20 estados brasileiros. Eles são exemplos de jovens empoderados”, exemplificou Baggio,  orgulhoso.

Além das histórias

Além das histórias, existe um ponto fundamental que justifica a necessidade de se promover o empoderamento digital: a econômica. Rodrigo apresentou uma pesquisa da Google em parceria com a McKinsey que apontou que, se brasileiros e brasileiras adquirirem as habilidades digitais, isso vai impactar em US$ 70 bilhões no PIB do país até 2025.

Esse número se torna ainda mais importante quando se leva em conta as perspectiva para o futuro das profissões. Para explicar essas transformações, o presidente da Recode passeou no tempo através das principais características das revoluções industriais.

“Em 1700 a primeira revolução industrial criou a máquina a vapor que começou a fazer as pessoas a saírem do campo e irem pra cidade. O debate da época era: emprego, a mudança do trabalho agrícola pro industrial. Parecido como temos hoje. Na segunda revolução, foi a eletricidade que tomou conta das coisas e se inventou o carro, o avião. E aí, a gente passou a ter uma outra relação com o mundo. A terceira revolução foi a da internet. Isso aconteceu outro dia, na década de 90. E aí a internet também transformou a nossa sociedade”, contou. 

Agora, na chamada quarta revolução industrial, explicou Baggio, é a inteligência artificial que vai ser responsável pelas transformações. “Vivemos esse momento em que temos que pensar na humanização da quarta revolução industrial porque, brevemente, as mesmas coisas que na segunda revolução passaram a ter energia elétrica, agora terão inteligência artificial. Veremos, com o 5G, coisas com inteligência artificial conversando com outras coisas da realidade do mundo em que vivemos”, analisou.

Esse novo cenário vai desencadear uma mudança no que entendemos por trabalho e por profissão. “A Universidade de Brasília tem uma pesquisa que fala que, nos próximos dez anos, metade das duas mil profissões que temos no Brasil poderão ser substituídas por robôs ou programas de computador. Serão 30 milhões de carteiras de trabalho que poderão ser extintas por causa do desenvolvimento tecnológico”, alertou. 

E é aí que o empoderamento digital se torna uma arma de sobrevivência. “Para vocês terem uma ideia, nós temos um curso profissionalizante de formação de desenvolvedores. Hoje, no Brasil, segundo a Brascom, nós precisaremos de 500 mil programadores nos próximos cinco anos e existe um apagão de desenvolvedores no país, Agora, imagine formar jovens como desenvolvedores, que podem ganhar de três a cinco mil reais por mês com essa profissão?”.

Para o presidente da Recode, o primeiro passo para desencadear essa processo de transformação está no acesso ao conhecimento. “Eu acho fundamental se discutir esse tema como fizemos no Agenda Bahia. O brasileiro e a brasileira precisam aprender habilidades digitais, é isso que vai determinar a sobrevivência, o desenvolvimento, seja a partir de novos empregos ou de uma atitude empreendedora, e nós da Recode acreditamos nisso”, destacou.

Ao finalizar, Rodrigo Baggio deixou um recado para o poder público, empresário e cidadãos: “Esse despertar precisa evoluir para a construção de uma aliança na sociedade com empresas, com o poder público e com organizações da sociedade civil para que a gente possa construir juntos uma política pública de empoderamento digital e para que a gente possa trazer o conhecimento, gerando transformação e impacto na realidade”. 

O Fórum Agenda Bahia 2019 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da Sotero Ambiental, apoio institucional da Prefeitura de Salvador, Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) e Rede Bahia e apoio da Braskem e DD Education. 

RELATO O carioca Lucas Bitar criou um site para travestis (Foto: Divulgação) Lucas Bitar, 21 anos, morador do Complexo da Maré no Rio de Janeiro Eu entrei na Recode em março de 2018. Eu sou morador do Complexo da Maré, no Rio. Eu venho da rede pública de ensino e, quando você acaba o ensino médio na rede pública, você não se encontra preparado ou capacitado para o mercado de trabalho.  Um dia eu estava andando pela Maré e vim um anúncio: “junte-se à nós da Recode”. Uma das coisas que acho mais importante falar é que esse processo não é só de empoderamento digital, a gente também se capacita para o humano.  A gente sabe que 35% das travestis morrem antes de chegar aos 40 anos. E se eu pudesse fazer alguma coisa para mudar isso? Então eu pensei em um site que, a princípio, seria de maquiagem,  porque eu amo o universo Drag Queen. Todos abraçaram a causa e o site virou uma plataforma de trocas. Hoje, eu estou me preparando para o vestibular.  Eu sempre falo que a favela é um espaço pobre de sonhos e, por isso, passa a ser pobre socialmente. Eu passei a sonhar e a querer um futuro melhor, e não só pra mim. Porque quando eu consigo algo, eu puxo uma avalanche de pessoas comigo.