Empresa que forneceu gás industrial a pacientes tinha R$ 228 mil em contratos

Parentes de pacientes mortos suspeitam de material usado e devem pedir exumação

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 6 de setembro de 2018 às 01:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Prefeitura de Teixeira de Freitas/Divulgação

Hospital Municipal de Teixeira de Freitas recebia gás industrial no lugar do medicinal (Foto: Divulgação) Apontada pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) como suspeita de fornecer oxigênio industrial como se fosse medicinal, a empresa Assis & Rodrigues, sediada em Teixeira de Freitas, no Extremo Sul da Bahia, tinha R$ 228 mil em contratos realizados para a prestação do serviço com cinco prefeituras da região.

Os contratos, celebrados desde 2015, são com as prefeituras de Vereda, Ibirapuã, Caravelas e Alcobaça, além de Teixeira de Freitas. Mas depois da apreensão de cilindros adulterados, durante operação de busca e apreensão na empresa, no último dia 28, as prefeituras de Caravelas e Teixeira de Freitas rescindiram os contratos.

Na operação, foi preso em flagrante Diogo Lemos Dias dos Santos, filho do dono da Assis & Rodrigues, Izaias Rodrigues dos Santos, que atua no comando da empresa em sociedade com Ellen Assis Rodrigues.

Segundo o MP-BA, a empresa fornecia oxigênio industrial no lugar do medicinal para hospitais, clínicas e ambulâncias. Para realizar a suposta fraude, a empresa pintava de verde os cilindros de oxigênio industrial, que originalmente são pretos justamente para diferenciar um do outro. A empresa nega irregularidades. 

De acordo com o que apurou a coluna Satélite, do CORREIO, após a divulgação das irregularidades, familiares de pessoas mortas se movimentam para solicitar formalmente a exumação dos corpos para identificar a causa dos óbitos e se haveria relação com o insumo adulterado.

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As rescisões contratuais em Teixeira de Freitas e Caravelas ocorreram em atendimento à recomendação do promotor de Justiça George Elias Pereira, que participou da operação na empresa, junto com o delegado Ricardo Amaral, da 8ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Coorpin).

“Já oficiei aos colegas promotores de outras cidades para encaminharem a recomendação”, disse Pereira.

O MP-BA e a Polícia Civil chegaram à Assis & Rodrigues após denúncias anônimas. Na sede da empresa, conhecida como Gasol, foram encontrados cilindros com lacres distintos dos selos identificadores, o que seria um comprovante da fraude.

Não se sabe, até o momento, desde quando a suposta fraude era realizada, nem quantos cilindros com oxigênio industrial foram utilizados em pacientes. “Acredito que semana que vem possa ter uma conclusão do caso. Temos vários indícios de fraude que foram constatados e estaremos encaminhando a denúncia à Justiça”, declarou o promotor.

Fiscalização O caso está sendo acompanhado também pela Divisão de Vigilância Sanitária, da Secretaria de Saúde da Bahia, com suporte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) -  os órgãos ficaram de realizar na próxima semana uma ação de fiscalização nas cidades com as quais a empresa Assis & Rodrigues tinha contratos.

Por enquanto, não se sabe ainda a dimensão dos possíveis problemas decorrentes do uso em pacientes do oxigênio industrial, que, segundo químicos e médicos anestesiologistas consultados pelo CORREIO, pode provocar náuseas, surdez, obstrução de vias aéreas, dores de cabeça e princípio de cegueira.

Até o momento, não foram registradas queixas no MP-BA ou na Polícia Civil de pacientes ou de parentes sobre problemas causados pelo suposto uso do oxigênio industrial.“Se houver alguma queixa nesse sentido, teríamos, por meio de laudo médico, de mostrar o nexo causal entre o problema e o uso do oxigênio industrial”, disse o promotor George Elias Pereira. “Como profissional do Direito, não tenho como falar nem sobre os riscos à saúde”.Mas em Teixeira de Freitas, pacientes do Hospital Municipal de Teixeira de Freitas (antigo Hospital Regional) têm associado o problema até com a morte, depois que o caso veio à tona. A dona de casa Merivan Soares Bonfim, 40 anos, por exemplo, diz que chegou a pedir alta por conta própria porque não conseguia ficar no oxigênio.

“Eu tenho diabetes e estava com problemas de falta de ar. Quando me colocaram a máscara de oxigênio, comecei a sentir uma queimação por dentro, não consegui ficar muito tempo. Depois não deixei que me colocassem mais e pedi alta por conta própria”, afirmou a dona de casa que mora no bairro Nova América.

Ela atribui a morte do pai, em 2015, ao uso do oxigênio industrial.“Ele ficava reclamando o tempo todo do oxigênio, queria tirar, estava sufocado. E quando morreu, tinha umas bolhas no pé que não havia antes de ser internado. Não tenho dúvidas que foi por causa do oxigênio”, disse ela, que ainda avalia procurar o MP-BA.Maria Aparecida Ivo, 35 anos, moradora do bairro Caminho do Mar, avalia que a filha de 16 anos, morta em 9 de julho no Hospital Regional, teve o quadro de câncer no ovário agravado pelo suposto uso do oxigênio industrial.“Ela ficou duas semanas no oxigênio. No início, começou a reclamar e a se debater para tirar, mas aí os enfermeiros sedaram-na com morfina e amarraram os braços para ela não tirar mais a máscara. Ficou assim até morrer”, relatou.Rescisão à vista Procurado, o secretário de Saúde de Teixeira de Freitas, Max Almeida dos Santos, não atendeu as ligações feitas pelo CORREIO. A reportagem também tentou contato telefônico com as Prefeituras de Vereda, Caravelas e Ibirapuã, mas sem sucesso.

Em Alcobaça, o secretário de Saúde, Robson Mattos de Oliveira, diz que rescindirá o contrato com a Assis & Rodrigues assim que for notificado pelo MP-BA.

“Sem essa notificação, não temos muito que fazer, por enquanto. Ela nos dá o respaldo para que possamos agir dentro da lei”, disse ele, depois de informar que na cidade o oxigênio é usado somente nas quatro ambulâncias. “Também não chegou ao nosso conhecimento casos de alguém que tenha passado mal por causa do uso deste oxigênio”, afirmou.

A Assis & Rodrigues, por meio de nota enviada pelo advogado Gervanio Arcanjo, declarou que “ao final de toda a investigação ficará claro a inocência da empresa”.“É lamentável o que está acontecendo, pois a empresa e o seu sócio estão sendo julgados e condenados sem que se quer termine as investigações”, diz o comunicado.O advogado destacou, por meio de documentos anexados à nota, que nunca foi alvo de processo criminal e refutou qualquer tentativa de imputação de crime, e diz que atua em Teixeira de Freitas desde 2017. A empresa informou que jamais forneceu oxigênio industrial no lugar de medicinal.