Empresária diz que Dauster sugeriu superfaturar valor de respiradores

Ex-secretário da Casa Civil ddo governo da Bahia, Bruno Dauster, disse que 'as provas que serão apresentadas às autoridades demonstrarão lisura durante esse processo'

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 11 de junho de 2020 às 18:38

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Elói Corrêa/GOVBA
Operação Ragnarok mirou os supostos fraudadores da venda por Foto: Tiago Caldas/CORREIO

Envolvida no caso da compra dos 300 respiradores que não foram entregues ao Consórcio Nordeste, a empresária Cristiana Prestes Taddeo, dona da Hempcare, depôs este mês à Polícia Civil dizendo que o agora ex-secretário da Casa Civil ddo governo da Bahia, Bruno Dauster, sugeriu um aditivo contratual para que fosse aumentado o valor dos equipamentos. Na ocasião, ela disse ter respondido que “não iria estuprar o governo dessa maneira”. O ex-chefe da pasta pediu demissão do posto no fim da semana passada.

No depoimento ao qual o CORREIO teve acesso, Cristiana Taddeo contou que não conhecia Dauster pessoalmente e tratou a venda de R$ 48,7 milhões através de ligações e mensagens via WhatsApp. Após a assinatura do contrato, esse montante teria sido depositado integralmente apenas dois dias depois. Ela disse ainda que sua empresa, com sede em São Paulo, não é fabricante de respiradores e que agiu como importadora dos produtos, que viriam da cidade de Guangzhou, na China.

Presa junto com outras duas pessoas pela Operação Ragnarok, que investiga suposta fraude na compra das máquinas, Cristiana Taddeo descreveu a Hempcare como uma empresa de fabricação, distribuição e representação de medicamentos à base de cannabis. A oportunidade de fazer a importação de respiradores teria surgido após um grupo de empresários se reunir pelo WhatsApp para entender como poderiam mediar essas compras.

A empresária disse que tratou das transações quase exclusivamente com Dauster e que o Consórcio Nordeste "teve pouca autonomia no processo de compra dos ventiladores pulmonares". O consórcio, presidido pelo governador Rui Costa, é uma articulação formada pelos nove estados nordestinos para projetos econômicos, políticos, infraestrutural e social. 

À polícia, a empresária Cristiana Taddeo disse que não tinha ideia do por quê a sua empresa foi contratada, já que era pequena e dispensável no processo, uma vez que "Bruno Dauster possui muitos contatos e poderia contratar diretamente com o fabricante chinês". Ainda no processo da compra frustrada com a China, a empresária relatou que chegou a transferir R$ 400 mil para um homem chamado Carlos Kerbes como uma espécie de comissão por ele ter ajudado a agenciar os contatos com a empresa chinesa, a MCC8. Segundo ela, Kerbes é amigo pessoal de Dauster e sócio de Jorio Dauster, irmão do ex-secretário.

Em  nota, Jorio   afirma que não teve qualquer informação da "participação de Carlos Kerbes nesse negócio de venda de ventiladores na Bahia e que tem certeza de que, se perguntado, Carlos Kerbes confirmará esta declaração".

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Plano B: compra de respirador brasileiro

Segundo Cristiana, o contrato feito com o Consórcio Nordeste não exigia nenhum tipo de garantia por parte de sua empresa, sendo estipulada apenas uma multa por atraso na entrega. A Hempcare ficaria responsável pela entrega de respiradores do tipo AV2000B3, que teriam sido aprovados pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). Como a compra com a empresa chinesa foi mal sucedida, Cristiana contou que pensou num “plano B”: a compra de equipamentos nacionais através de outra empresa, a Biogeoenergy, fabricadora do modelo BR2, que não tem aprovação da Anvisa.

No depoimento, ela disse que enviou as especificações do modelo brasileiro para Dauster e que este aparelho também teria sido aprovado pela Sesab. O valor de cada peça importada no contrato original era de US$ 28,9 mil dólares, o equivalente a cerca de R$ 155 mil reais à época, contra R$ 100 mil dos aparelhos nacionais. 

Com o orçamento inicial, seria possível subir a compra de 300 para 480 aparelhos se comprados os respiradores brasileiros — proposta que teria sido aceita tanto por Dauster quanto por Carlos Garbas, secretário-executivo do Consórcio Nordeste. Depoimento de Cristiana, em que ela diz que Dauster sugeriu aditivo no contrato de respiradores | Imagem: Reprodução ‘Amiga, errei!’

Segundo ela, na mesma noite do dia em que concordou com a aquisição dos produtos da brasileiros da Biogeoenergy, o ex-secretário teria enviado a mensagem: "Amiga, errei! O BR2 não foi aprovado!". No entanto, a empresária já tinha feito a transferência de uma parcela de R$ 19 milhões à fabricante nacional. Em comunicado público, a Biogeoenergy disse que desenvolveu um respirador de última geração, que atende às especificações da Anvisa. No entanto, até hoje o produto não foi aprovado pelo órgão e, portanto, nem mesmo começou a ser produzido em larga escala. 

A empresa brasileira disse que a Hempcare é a única responsável pelo descumprimento do contrato com o Consórcio Nordeste e que não pretende devolver o valor recebido. “Nesse momento a Biogeoenergy se comprometeu a vender os respiradores para a Hempcare. O destino desses equipamentos é uma decisão da empresa e não nossa”, alega. Segundo a fabricante, a Hempcare sempre esteve ciente do tempo que seria necessário para vencer os trâmites burocráticos com a Anvisa para o início da produção dos aparelhos.

Perguntada pelo CORREIO sobre como pretende reagir à negativa de devolução do dinheiro, a Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE) informou que todas as medidas legais foram adotadas e que já existe ação na Justiça em que a Biogeoenergy e seu dono, Paulo de Tarso, figuram como réus. Portanto, caberá à Justiça decidir se o empresário terá ou não que devolver o montante. Paulo de Tarso, diz, no entanto, que os respiradores são de qualidade e deveriam ser aceitos pelo governo.

‘Sempre busquei o melhor negócio para o Estado’

Em carta ao governador na semana passada, Bruno Dauster pediu demissão do cargo “por motivos pessoais e para evitar a politização destas circunstâncias”. Nesta quinta-feira (11), o ex-secretário emitiu um posicionamento sobre o imbróglio e escreveu: “Jamais pratiquei ou propus qualquer ato que gerasse prejuízo para o Estado. No caso que é objeto desta investigação, sempre busquei o melhor negócio para o Estado e para os cofres públicos”. 

Dauster chamou as declarações de “ilações e especulações” e disse que não daria entrevistas no momento por não ter tido acesso ao depoimento de Cristiana Taddeo. “Todas as provas que serão apresentadas às autoridades, demonstrarão minha lisura durante esse processo”, completou.

Na nota, Bruno Dauster afirma ainda ainda que  conduzi os principais projetos estruturantes do Estado da Bahia, durante seis anos, "sem que pairasse qualquer dúvida quanto à minha probidade e conduta". 

Os presos na Operação Ragnarok, Cristiana Taddeo, seu sócio, Luiz Henrique Ramos, e o dono da Biogeoenergy, Paulo de Tarso, foram soltos no último sábado (6). A investigação sobre a suposta fraude na compra será investigada a partir de agora pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).