Enem está mantido mesmo com guerra travada na justiça; entenda os processos

Inep não cogita a possibilidade de adiar o Enem e AGU está com força tarefa para garantir “segurança jurídica” do exame

  • Foto do(a) author(a) Daniel Aloísio
  • Daniel Aloísio

Publicado em 16 de janeiro de 2021 às 06:51

- Atualizado há um ano

. Crédito: Agência Brasil/Arquivo

A realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020 nunca esteve tão ameaçada como agora. Diversos pedidos de adiamento e batalhas judiciais dão o tom na véspera das provas, que acontecem nesse domingo (17) e no próximo (24). Por conta do crescimento dos casos de covid-19 no país, organizações estudantis e governos estaduais buscam na justiça a mudança das datas de aplicação do exame.  

No entanto, nem mesmo a morte pela doença do general da reserva Carlos Roberto Pinto de Souza, que era o diretor de Avaliação da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela realização do Enem, travou o exame. “Não trabalhamos com a hipótese de adiamento, o que pode haver é um cancelamento em algumas cidades. Se a gente não puder aplicar a prova, infelizmente essa cidade vai ficar fora do Enem de 2020”, disse o atual presidente do instituto, Alexandre Lopes, em entrevista à CNN.  

O Enem já foi adiado uma vez por causa da pandemia – ele seria realizada em novembro de 2020 - e tem cerca de 5,8 milhões de inscritos. Em dezembro do ano passado, a Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC) já tinha solicitado ao Ministério da Educação (MEC) o adiamento das provas para maio. Só na rede estadual de ensino, neste ano, 67 mil estudantes se inscreveram para fazer o exame.  

No início de janeiro, com a aproximação da prova, um movimento começou a surgir nas redes sociais solicitando o adiamento do Enem. Estudantes e entidades educacionais levantaram a hashtag #AdiaEnem, que ficou entre os assuntos mais comentados durante um dia. Entre os motivos, foi também apresentada a desigualdade entre estudantes de escolas públicas, sem aulas desde março, e particulares, que tiveram acesso a cursos pela internet. 

Ações  Em 8 de janeiro, a Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma ação na Justiça pedindo o adiamento do Enem. A solicitação foi feita em conjunto com a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e as entidades Campanha Nacional pelo Direito à Educação e Educafro.  

Depois de quatro dias, a Justiça Federal em São Paulo negou o pedido da DPU. No entanto, em sua decisão, a juíza Marisa Claudia Gonçalvez Cucio, da 12ª Vara Cível Federal de SP, afirmou que, caso uma cidade esteja com risco elevado de contágio, prejudicando a circulação de pessoas, caberá às autoridades locais impedir a realização da prova. O Inep, responsável pelo exame, deverá reaplicar a prova depois em casos como este.   

Um dia depois, a assessoria de comunicação do Inep informou ao G1 que a data do Enem para as cidades que decidissem pelo adiamento seria 23 e 24 de fevereiro. Depois, o órgão voltou atrás e corrigiu a informação: disse que ainda marcaria essa nova data. Os dias 23 e 24 de fevereiro são a data em que está marcada a reaplicação do exame para aqueles que estão contaminados com alguma doença infectocontagiosa. Estes devem comunicar a sua condição, antes da realização das provas, acessando a Página do Participante na internet. 

A DPU recorreu da decisão da justiça Federal e perdeu novamente, dessa vez no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que manteve a decisão da Justiça Federal de São Paulo.  

Outros pedidos  No dia 12 de janeiro, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) enviou uma carta ao MEC pedindo o adiamento do Enem. “Apesar dos jovens terem menor risco de desenvolver formas graves e tampouco estar prevista a vacinação da população com menos de 18 anos, o aumento da circulação do vírus nesta população pode ocasionar um aumento da transmissão nos grupos mais vulneráveis”, diz o documento, assinado por Carlos Lula, presidente do Conass e secretário estadual de Saúde do Maranhão. 

Nessa semana, o Ministério Público Federal (MPF) também entrou na polêmica com ações judiciais que solicitam o adiamento do Enem nos estados do Amazonas e Minas Gerais, que registram aumento de casos de covid-19. Além disso, o MPF pediu que o MEC avalie adiar as provas no Distrito Federal, mas arquivou uma Notícia de Fato de representações de cidadãos que também queriam o adiamento do Enem em Goiás.  

No caso do Amazonas, não foi o pedido do MPF que foi levado em conta na decisão da Justiça Federal em suspender, na noite da quarta-feira (13), a realização do Enem no estado. O pedido de liminar, nesse caso, foi feito pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM) e pelo vereador Amom Mandel (Podemos, de Manaus). Pela decisão liminar concedida pelo juiz Ricardo Augusto de Sales, da 3ª Vara Federal Cível do Amazonas, a realização do Enem no estado fica suspensa enquanto durar o estado de calamidade pública decretado pelo governo estadual. Na semana passada, o governador Wilson Lima estendeu o estado de calamidade por mais 180 dias.  

A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu dessa decisão no Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1), com sede em Brasília. Lá foi mantida a suspensão da aplicação das provas do Enem 2020 no estado. No entanto, a decisão do presidente do tribunal, desembargador federal Ítalo Fioravanti Sabo Mendes, determina que o Inep tome providências em conjunto com o governo do Amazonas para viabilizar a realização do exame nos dias 23 e 24 de fevereiro.  

Inep  Antes, na quinta-feira (14), o presidente do Inep, Alexandre Lopes, tinha dito que não havia confirmação de que a prova seria adiada no Amazonas. “Há apenas discussão. A situação do Amazonas é diferenciada. Durante a semana entramos em contado com governador e outras autoridades. O diálogo é aberto. Um bom ambiente de discussão para chegarmos a uma solução”, informou. 

Lopes ainda desencorajou os estados e cidades a fazerem decretos locais que proíbam o exame, alegando o risco de não se conseguir realizar o exame em outras datas. “Se as autoridades proibirem a realização das provas, não poderemos assegurar que vai conseguir aplicar a prova em outras datas. E se não for possível fazer a reaplicação, [os candidatos] vão perder o Enem 2020. Só vão poder fazer o Enem 2021”, disse. 

Todo esse emaranhado de processos fez com que a Advocacia-Geral da União (AGU) montasse uma força-tarefa com pelo menos 75 procuradores federais para monitorar os processos sobre o tema em regime de plantão, 24 horas por dia - inclusive nos fins de semana - até o dia 7 de fevereiro. O grupo de trabalho é formado para garantir o que foi denominado pelo governo como “segurança jurídica do Enem”.  

Saúde  Para Matheus Todt, infectologista da S.O.S. Vida, realizar o Enem é criar um ambiente favorável para aumento de casos de covid-19, mas adiar as provas pode não ser uma medida que faça sentido. “Em Manaus talvez seja mais inapropriado realizar o exame. Mas em outros locais, onde não estão fechando tudo, não faz sentido começar pelo Enem. O ideal era estar tudo fechado, mas não está. Não faz sentido manter shopping aberto, bar, restaurante e cancelar Enem”, argumenta. 

Ainda para o médico, haverá um aumento de casos de covid-19 no País por causa do exame, mas não tão perceptível como o aumento vivido agora devido às aglomerações de Natal e Ano Novo. “Querendo ou não, o Enem vai ter um protocolo que deve ser seguido e isso vai ajudar para que não haja um aumento tão significativo.  

O estudante Jener Augusto, 18 anos, morador do Castelo Branco, está com covid-19 e não vai poder realizar a prova em janeiro. “Eu queria que o Enem fosse adiado, mas não por eu ter pego a doença e sim por toda a desigualdade que surgiu por causa da pandemia. O governo estadual em 2020 não promoveu ensino a distância. Nós não tivemos aula e não estamos preparados para a prova”, afirmou.  

Mesmo assim, Jener mantém vivo o sonho de entrar no curso de Bacharelado Interdisciplina em Humanidades da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Estudei através de conteúdos gratuitos pela internet, como textos, vídeos no Youtube e sites. Esse é o meu embasamento”, diz.  

Para reduzir o risco de aglomerações dos estudantes, o Inep determinou que o acesso aos locais de prova será liberado mais cedo que de costume. Os portões dos locais de aplicação dos testes serão abertos às 11h30 (horário de Brasília), e fechados às 13h - meia-hora antes do início das provas. 

Como será a prova:  Datas: 17 e 24 de janeiro na versão impressa e 31 de janeiro e 7 de fevereiro na versão digital. Quem não puder realizar a prova impressa nos dias citados por ter testado positivo para covid-19 ou apresentar sintomas, precisará entrar em contato com o Inep através da Página do Participante e pelo telefone 0800 616161. Esses candidatos terão o direito de participar da reaplicação do Enem em 23 e 24 de fevereiro. 

Regras: além dos tradicionais documentos oficiais com foto e caneta esferográfica de tinta preta, fabricada em material transparente, os estudantes terão que incluir outros itens na lista. 

O primeiro é a máscara de proteção facial, de uso obrigatório durante toda a realização do exame. O protetor deve cobrir integralmente boca e nariz, podendo ser retirado apenas a pedido do aplicador ou para comer e beber. 

Outra regra é o distanciamento social. As salas, de acordo com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), estarão dispostas de forma a assegurar a distância entre os participantes.  

* Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lobo